Federico Pizzuto: da formação de talentos no FC Porto ao título na MLS

8 meses atrás 87

Estamos longe de gostar de usar clichês, caro leitor, mas a verdade é que há um ao qual não podemos fugir: o futebol é mesmo uma linguagem universal. Seja em que parte do globo for, basta uma bola para colocar em contacto e em sintonia duas pessoas.

Os exemplos desta mesma realidade são muitos, sendo que aqui trazemos-lhe a história de um italiano que, depois de passar por Portugal, tem tido sucesso nos Estados Unidos da América. Aos 35 anos, Federico Pizzuto ajudou, na condição de Diretor de Performance, os Columbus Crew a conquistar a segunda edição da Major League Soccer em quatro anos. Antes disso, o preparador físico havia trabalhado três anos - entre 2015 e 2018 - nos escalões de formação do FC Porto.

«Federico, prefere que falemos em português ou inglês?». Foi esta a pergunta de partida aquando da chamada com o italiano. «Podemos falar em português, ainda o tenho bem presente. O mais complicado já começa mesmo a ser o italiano, visto que estou fora de casa há quase dez anos [risos].»

Estavam assim lançados os dados para uma conversa sobre muito mais do que futebol...

«A estabilidade aqui é muito maior»

Zerozero: Qual é a sensação de ser campeão da Major League Soccer pela segunda vez em quatro edições da competição (2020 e 2023)?

Federico Pizzuto: É absolutamente incrível. Foi um ano diferente, no qual tivemos mudança de equipa técnica, e isso obriga sempre a um período de transição. Esse período pode demorar mais tempo ou até correr mesmo bem, portanto foi um processo tentarmos entender a forma de trabalhar da nova equipa técnica e, ao mesmo tempo, ver as melhorias que íamos tendo semana após semana. A meio do processo começámos a perceber que podíamos fazer algo grandioso e, quando conseguimos vencer, foi uma sensação incrível. Percebemos que não chegámos onde chegámos por acaso.

ZZ: Qual tem sido o segredo para este período de 'domínio' dos Columbus Crew? Afinal de contas, não acontece muitas vezes uma equipa vencer campeonatos de forma tão frequente na MLS... 

@Arquivo Pessoal

FP: Penso que o segredo está nas condições que o clube oferece e na forma como aqui acreditam nos recursos humanos de que dispõem. Estou aqui há seis anos e isso acaba por ser uma prova do que acabei de dizer. Não é algo que acontece por acaso, não se dá o caso de trocarem toda a gente de ano a ano ou de dois em dois anos. Aqui perceberam que, para se conquistar o que quer que seja, é preciso tempo. Os profissionais têm qualidade e é-lhes dada a possibilidade de desenvolverem o seu trabalho a longo prazo. Isto não significa que não haja pequenas mudanças, mas a estabilidade é muito maior. Quando se muda é apenas para afinar pequenos pormenores e isso reflete-se na estabilidade com que trabalhas. É muito maior do que na Europa, onde as pessoas se guiam mais pelos resultados e não pelo processo. Para além disso, na MLS, as equipas partem para cada edição do campeonato praticamente com as mesmas possibilidades de ganhar. Não é como na Europa, onde muitos campeonatos têm apenas dois ou três candidatos ao título.

ZZ: Como tem visto a evolução da MLS? Já não é apenas a liga para a qual muitos jogadores vão para terminar a carreira, certo?

FP: Eu cheguei em 2018 e a própria cultura desportiva era diferente. Antigamente ias a um bar e não dava para veres futebol, era só basquetebol, futebol americano, hóquei... Agora há futebol em todo o lado, as pessoas estão muito mais interessadas. As crianças têm muitas mais escolas de futebol quando comparado com há seis anos. Agora, na MLS, há muitos jogadores da América do Sul que decidem passar por aqui antes de rumar à Europa. Isso é interessante porque não acontecia, de todo, no passado. A MLS é já vista com este passo inicial ou até mesmo como passo definitivo em termos de carreira.

ZZ: Quais são as suas funções em concreto no Columbus Crew? O termo 'Diretor de Performance' talvez seja um pouco vago para quem não está dentro da área

FP: O Departamento de Performance está dividido em quatro áreas: trabalho físico no campo, trabalho físico no ginásio, a parte médica e a parte de nutrição. O meu trabalho passa pela gestão e coordenação de todos os profissionais destas áreas. Eu trabalho de forma mais direta com tudo o que se passa no campo e na gestão de cargas de treino, mas há muito mais a acontecer. Temos um treinador dedicado à parte do ginásio, temos uma equipa de três fisioterapeutas dedicada ao trabalho de prevenção e recuperação de lesões e temos ainda uma nutricionista. Trabalho ainda de forma muito direta com os fisiologistas, ou seja, sou responsável pelo trabalho de 13 pessoas, contando comigo. Agora tenho muito mais trabalho de escritório do que quando era apenas preparador físico, mas é algo que faz parte.

ZZ: Fazendo agora uma viagem ao passado, como surgiu a sua ligação ao futebol? Sendo de Itália, acreditamos que tenha sido algo relativamente fácil...

FP: Eu sou natural do sul de Itália, uma zona com poucos recursos e na qual não havia muitos desportos. Assim sendo, a única coisa que fazíamos em miúdos era jogar futebol, estávamos horas e horas a jogar na rua ou nos campos que tínhamos na cidade. Cresci com o futebol e, mesmo nunca tendo jogado como profissional, apaixonei-me completamente pela modalidade.

ZZ: E quando percebeu que queria trabalhar na área da preparação física/treino?

FP: Tal como aconteceu com muita gente, tive de deixar de jogar devido a questões físicas. A partir, comecei a ficar interessado. Queria perceber porque é que me lesionava, como é que podia recuperar, o que podia fazer para prevenir esses mesmos problemas. Assim sendo, decidi estudar Ciências do Desporto para tentar melhorar o mundo da preparação física no futebol. 

ZZ: No meio deste percurso, como surge a mudança para a cidade do Porto?

FP: Quando estava na Universidade de Roma, tive a oportunidade de fazer Erasmus na cidade do Porto. Ou seja, o terceiro ano da minha licenciatura foi passado no Porto. Fiquei apaixonado pela cidade, pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto e pelas pessoas. Acabei por decidir tirar o mestrado em Alto Rendimento Desportivo na FADEUP. Nessa altura conheci o professor Paulo Colaço e apaixonei-me pelo atletismo e pela parte física do atletismo. Trabalhei de perto com atletas que corriam grandes distâncias e isso foi uma aprendizagem grande para mim. Houve até dois ou três anos em que me afastei do futebol, mas, depois, deu-se o caso de o FC Porto dar a oportunidade a estudantes universitários de entrarem para o clube. 

Federico (atrás) nos tempos de FC Porto @Arquivo Pessoal

ZZ: Em que moldes se deu a entrada no clube?

FP: Os estudantes tiveram uma semana a ver treinos da formação, sendo que, depois, tinham de fazer uma apresentação aos treinadores. Éramos 50 estudantes e só eu e outro é que falámos sobre a parte física, o desenvolvimento físico. Os outros queriam ser todos treinadores, pelo que olharam muito para a parte tática. Percebi que estavam à procura de alguém para trabalhar o tema que eu apresentei e acabaram por me convidar para trabalhar na formação do FC Porto.

ZZ: E a verdade é que acabou por trabalhar com algumas pessoas que, hoje em dia, estão nos melhores clubes do mundo...

FP: É verdade, trabalhei durante algum tempo com o Vítor Matos e com o Pepijn Lijnders, por exemplo, que atualmente são adjuntos do Klopp. Vi-os a trabalhar e foi com eles que aprendi a conciliar a parte física com o trabalho técnico e tático. Fez-me perceber que trabalhar a parte física não é só a correr, pode fazer-se também com bola e num contexto tático. Isso abriu-me mesmo a mente. Fez-me crescer a acabou por ser uma mais-valia na minha vinda para os Estados Unidos da América. As vagas existentes nos clubes da MLS são públicas e acabei por me candidatar a uma nos Columbus Crew. Fiz uma entrevista com o então treinador Gregg Berhalter - agora selecionador dos EUA - e as coisas correram bem. O que aprendi no FC Porto fez a diferença na minha entrevista, foi isso que me trouxe para cá.

ZZ: Pegando um pouco nessa resposta, quão desafiante foi trabalhar num dos melhores clubes da Europa?

FP: Tal como disse, eu vinha de um contexto mais de trabalho físico e foi interessante adaptar-me ao clube porque o FC Porto foi o sítio onde nasceu a periodização tática. No princípio foi desafiante e difícil porque tive de trabalhar com pessoas que estavam lá há muito tempo e que não me conheciam. De forma natural, tive de ter a humildade de me adaptar e aprender com eles, juntando as minhas competências com as deles. O ponto mais importante no FC Porto são as pessoas que fazem parte do clube e a mentalidade que existe. Não sei como está agora, mas, em termos de estruturas para a formação, o Sporting e o Benfica estavam acima do FC Porto. No entanto, a garra, a mentalidade, a filosofia e a forma de trabalhar das pessoas que trabalhavam no FC Porto faziam a diferença. Há uma paixão muito grande dentro do clube.

«Vitinha teve a oportunidade de sair para a Juventus»

ZZ: O Federico esteve na formação do FC Porto de 2015 a 2018. Dos jogadores com quem trabalhou, há algum que o tenha surpreendido de forma especial?

FP: Podemos falar, por exemplo, da geração dos Diogos. É difícil dizer isto no mundo do futebol, mas já sabia que o Diogo Dalot ia chegar onde chegou. Sempre teve muita determinação, ambição, disciplina e uma excelente forma de trabalhar. Era incrível e a isso juntava capacidades físicas acima do normal. O Diogo Costa é um talento incrível, um dos melhores guarda-redes com os quais tive a oportunidade de trabalhar. Com o Diogo Leite criei uma relação muito boa porque houve uma altura em que ele teve uma lesão e acabei por trabalhar vários meses de forma direta com ele. No entanto, o que mais me surpreendeu - até porque as pessoas do FC Porto, nessa altura, se calhar, não lhe davam o valor que ele merecia devido à questão física - foi o Vitinha. Fiquei apaixonado por ele mal o vi jogar.

ZZ: Tem alguma recordação mais presente/alguma história mais curiosa com ele? 

@Arquivo Pessoal

FP: Quando chegou aos juvenis, o Vitinha rumou ao Padroense por empréstimo, não ficou logo na equipa principal do FC Porto no escalão. Lembro-me perfeitamente que tivemos várias conversas com ele, houve uma altura em que ele teve uma lesão, estava frustrado e acabou por falar comigo. Naquela altura apareceu uma oportunidade de ele sair do clube e ir para a Juventus, sendo que ele me perguntou diretamente o que é que eu achava que ele devia fazer. Eu só lhe perguntei "Acreditas que vais ser um jogador de nível mundial?", ao que ele me respondeu "Sim, claro que vou ser!". Assim sendo, eu disse-lhe "Se queres dinheiro, vai para a Itália. Se queres ser de nível mundial, tens de ficar no FC Porto. Aqui é onde vais aprender a ser o jogador que queres ser. Na Juventus têm um estilo de jogo diferente, muito mais físico e menos centrado no jogo técnico. Se ficares no FC Porto, vais trabalhar a parte técnica e tática, o físico vai chegar depois". Ele chegou à minha beira uma semana depois e disse-me que ia ficar porque sentia que iria conseguir evoluir mais. E a verdade é que acabou por chegar onde chegou, é uma história que levo sempre comigo. Há duas semanas estava a falar com o Vitinha e ele voltou a dizer-me "Lembras-te quando estávamos no ginásio e eu estive quase a ir para a Juventus?" [risos].

ZZ: O facto de trabalhar muito com os jogadores quando estes estavam lesionados fazia com que, de certa forma, se tornasse um confidente para eles?

FP: Sim, sem dúvida! Isso é um dos maiores ensinamentos que adquiri ao longo da minha carreira. Olhando, por exemplo, para o período em que eles recuperam de lesões, é fundamental seres um bom comunicador. Principalmente em lesões longas. Quando trabalhas dois/três meses seguidos com um jogador, é fundamental conseguir mantê-lo motivado e com vontade de trabalhar. No FC Porto não percebia isto, mas agora percebo: a parte humana vem antes do futebol. Primeiro temos de criar uma conexão, uma boa relação; depois vem o futebol.

ZZ: Só para terminar este tema do FC Porto, fazemos a pergunta no sentido oposto: há algum jogador que, na altura, brilhava imenso e que ainda não atingiu todo o seu potencial?

FP: Essa é uma boa pergunta... Há um jogador - e é importante realçar que ainda é muito jovem e que tem tempo para chegar a esse tal patamar - que eu via mesmo muito potencial: o Diogo Abreu, que agora está na equipa B do Sporting. Lembrei-me agora, voltando à primeira pergunta, há também um jogador que não chegou a jogar oficialmente pelo FC Porto, mas que esteve a treinar muito tempo connosco: o Oscar Bobb, atualmente no Manchester City. Tem um grande potencial.

ZZ: Quão diferente é trabalhar com adolescentes de 15/16/17/18 anos e com séniores? Que adaptações teve de fazer na sua forma de pensar e trabalhar?

FP: Há diferenças grandes, não só nos aspetos específicos do trabalho - nos jovens, se calhar, podes puxar um bocadinho mais enquanto nos adultos tens de ter cuidado para evitar lesões-, mas também na gestão dos egos. Gerir os egos de um plantel sénior é muito mais complicado, os jogadores jovens tem sempre a mesma vontade de jogar. Claro que têm dificuldades, mas são 'esponjas' na forma como absorvem informação. Muitas vezes, os jogadores mais velhos, como já passaram por várias experiências, acham que já sabem o que é melhor para eles e o que têm de fazer. É mais difícil dizer-lhes que têm de alterar certas coisas na sua forma de trabalhar.

ZZ: Para terminar, gostávamos só de perceber como foi a adaptação aos Estados Unidos da América e quais os seus objetivos para o futuro... 

Federico com o português Pedro Santos @Arquivo Pessoal

FP: A adaptação foi simples, ainda que existam diferenças em termos de estilo de vida e de futebol em si. Tive de entender que a forma de trabalhar aqui é totalmente diferente da de Itália e de Portugal. Não sabia nada da cidade de Columbus, mas as pessoas acolheram-me da melhor forma. Quando cheguei cá, o Pedro Santos, jogador português, foi uma grande ajuda e até hoje falamos. Na altura tínhamos também o Arthur, um médio brasileiro, e ainda hoje mantemos contacto. Temos um grupo no qual falamos quase todos os dias, mandamos memes... Em termos de objetivos, não sei bem. Estou bem aqui, atingi o que queria atingir quando decidi que ia trabalhar no mundo do futebol. O cargo no qual estou agora é um dos mais altos ao qual podia chegar, mas claro que gostava de voltar à Europa. Quem sabe se em Portugal ou em Itália...

Itália

Federico Pizzuto

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NomeFederico Pizzuto

Nascimento/Idade1988-12-14(35 anos)

Nacionalidade

Itália

Itália

FunçãoPreparador Físico

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