Fim do ACM e do SEF pode colocar em causa integração de imigrantes, sustenta investigadora

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O “controlo da imigração suscita questões de ponderação com direitos fundamentais muito específicos e muito especializados, que não tem nada a ver com as normais manutenções da ordem pública que nós vemos no dia-a-dia”.

A investigadora académica Ana Rita Gil criticou hoje a extinção do Serviço de Estrangeiros (SEF) e Fronteiras e do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), considerando que um modelo centralizado coloca em causa o trabalho de integração.

Dantes, existia uma “entidade pública exclusivamente dedicada à integração” e que, em muitos casos, “entrava em diálogo com o SEF para acelerar determinados processos, colocando-se do lado do imigrante, não do lado da administração pública”, afirmou à Lusa a docente da Lisbon Public Law (Centro de Investigação em Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa).

“Quanto a esta divisão de funções, não me parece que foi feita da melhor maneira”, porque a recém-criada Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) assumiu as funções do ACM, um órgão independente do Ministério da Administração Interna, uma circunstância que “era vista lá fora como uma coisa muito positiva, porque normalmente, quem se dedica à integração de imigrantes são a ou as próprias polícias de fronteiras” ou associações privadas.

E “isto era visto como uma boa prática e foi pena terem procedido a esta fusão, porque agora a autoridade administrativa AIMA não é propriamente independente do Ministério da Administração Interna”, afirmou Ana Rita Gil, que critica a entrega do controlo fronteiriço a forças de segurança (PSP e GNR) não especializadas.

“Eu desde o início manifestei-me contra esta extinção, porque sempre achei que, apesar de o SEF ter algumas deficiências”, sobretudo “a nível de formação de muitas pessoas que trabalhavam no terreno, mas sempre vi como positivo ter uma entidade especialista policial em matéria de imigração e controlo de imigração” afirmou a especialista em migrações.

O “controlo da imigração suscita questões de ponderação com direitos fundamentais muito específicos e muito especializados, que não tem nada a ver com as normais manutenções da ordem pública que nós vemos no dia-a-dia”, salientou a jurista.

Por exemplo, um pedido de asilo, implica “ponderações muito específicas sobre o que é perseguição ou o que é o conceito de refugiado”, numa atenção à “delicadeza dos interesses em presença” e contraria “a tendência na União Europeia que é haver uma polícia ou uma entidade específica para lidar com imigração”.

No passado, “nós tínhamos muitas visitas do estrangeiro, que vinham ver os centros de apoio à integração, os centros nacionais e os centros locais” do ACM, que constituíam um “‘safe space’ para os imigrantes”, mesmo que estivessem em situação irregular, porque não havia de partilha de dados a esse nível.

“Agora, tendo a integração na entidade que fiscaliza também as regularizações, as pessoas podem ficar inibidas de querer exercer estes direitos sociais”, considerou.

“Naturalmente que eu tenho visto aqui boa vontade da parte do Governo de abrir mais balcões e de mais contratações” para a AIMA, bem como a possibilidade de o reagrupamento familiar ser feito online.

“Era uma coisa profundamente chocante não haver vagas para reagrupamento familiar permanentemente abertas. Estamos a falar de um direito fundamental que as pessoas têm que é poderem chamar os filhos menores que ficaram no país de origem ou o marido”, salientou.

Apesar disso, esse reagrupamento “não pode ser uma decisão automática” e “tem de haver, em todos estes processos, uma apreciação jurídica de uma pessoa”, tal como nos casos das renovações.

Em muitas destas situações “está-se a passar tudo para a tramitação ‘online’” e “há muitas cláusulas na lei que requerem um juízo de valor”, uma avaliação técnica de cada caso, avisou a jurista.

O processo de extinção do SEF aconteceu em 29 de outubro e as competências deste serviço de segurança foram transferidas para sete organismos. Enquanto as competências policiais passaram para a PSP, GNR e Polícia Judiciária, as funções em matéria administrativa relacionadas com os cidadãos estrangeiros estão agora com a nova AIMA e o Instituto de Registo e Notariado (IRN).

A AIMA, que herdou do SEF cerca de 300 mil processos pendentes de legalização de imigrantes, ficou também com as competências do ACM quanto às questões do acolhimento e integração dos imigrantes.

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