Finlândia. A potência educativa europeia tem um ministro "meio açoriano" que também quer telemóveis fora da escola

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Entrevista a Anders Adlercreutz

16 out, 2024 - 21:18 • José Pedro Frazão

Em entrevista à Renascença, o ministro da Educação da Finlândia promete tirar os "smartphones" das escolas e reforçar a autonomia dos professores na decisão de usar os aparelhos em contexto de sala de aula. Anders Adlercreutz explica também a opção finlandesa de não realizar exames nacionais e a necessidade de responder a uma descida nos resultados dos testes internacionais.

Entrevista Anders Adlercreutz
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De passagem por Portugal para o Congresso do ALDE (liberais europeus) Anders Adlercreutz deve ter conseguido exercitar a língua portuguesa no seu terreno natural.

Afinal, o novo ministro da Educação da Finlândia - no cargo desde o verão, depois de ter tido a tutela dos Assuntos Europeus - aprendeu a falar português nos Açores.

Quando tinha 17 anos, Adlercreutz foi para o liceu de Angra do Heroísmo onde estudou no ano letivo de 1987/88, completando o seu 11.º ano como estudante de intercâmbio.

A experiência mudou-lhe a vida e molda também a sua ação política atual, como se percebe nesta entrevista totalmente em português.

Como novo ministro da Educação, anunciou que uma das suas prioridades passa pelos intercâmbios internacionais, exatamente, devido à sua experiência pessoal.

Essa experiência foi importante. O sistema Erasmus é um dos tesouros da União Europeia e gostaria que todos os alunos fizessem um ano de intercâmbio, seja na universidade ou na escola secundária.

Foi algo que mudou a minha vida de muitas maneiras. O mundo latino abriu-se para mim e aprendi uma quantidade de línguas. Agora, sinto-me meio português, ou neste caso, meio açoriano.

"Vamos fazer um esforço para que se estude mais literatura, a ler e escrever, mais Matemática"

Qual é a sua maior prioridade como ministro da Educação?

O sistema de educação da Finlândia é bastante bom. Temos bons resultados nos testes PISA, mas têm baixado nos últimos anos. Temos que fazer algo e vamos fazer um esforço para que se estude mais literatura, a ler e escrever, mais Matemática e os temas básicos da escola.

A Finlândia é um país cada vez mais heterogéneo, com imigração em quantidades mais elevadas do que tínhamos. Isto também tem implicações no sistema escolar e na educação finlandesa. Temos que ser melhores na integração e no ensino dos idiomas sueco e finlandês para que todos os que venham para a Finlândia possam ser bem integrados no país.

A utilização da tecnologia na educação é um tema que estamos a debater muito em Portugal. Para onde caminha a vossa reflexão?

Também estamos a debater esse tema na Finlândia. Os “smartphones” fazem parte da vida quotidiana de um jovem e de um adulto, mas é também claro que, na vida escolar, são uma grande causa de distração.

Por isso vamos introduzir uma lei que vai limitar o uso de telemóveis pessoais na escola para que os professores tenham a oportunidade de ensinar e fazer o seu trabalho sem as disrupções que os telemóveis muitas vezes causam.

Isso não quer dizer que o futuro do ensino não será digital. As soluções digitais têm o seu papel no ensino mas os livros também. Temos que pensar quais são as situações em que as soluções digitais ajudam, e em que outros momentos não são soluções.

"Vamos introduzir uma lei que vai limitar o uso de telemóveis pessoais na escola"

Querem retirar os telemóveis do interior das salas de aula. E nos recreios?

Talvez também nos recreios. Todavia, ainda não acabámos a legislação e estamos a discutir dentro do Governo qual será a solução. Penso que a comunicação entre jovens e entre crianças terá que ser cara-a-cara em vez de ser através de telemóveis.

O Governo da Finlândia estudou e percebeu que havia um problema? No fundo, porque estão a tomar esta decisão?

Sabemos que lemos menos do que antes. Um jovem de 11 ou 12 anos pode passar até seis horas por dia em frente ao seu telefone. Isto representa seis horas em que um jovem não faz desporto, não lê, não está a falar com os seus amigos, não faz trabalhos de escola. Como ministro da Educação, considero que isto é um problema.

Mas esse jovem vai ter acesso ao telemóvel em casa.

Vai ter, mas também sabemos que se ele ou ela utilizam o telemóvel menos na escola, é muito provável que também utilize menos em casa.

"A solução passa por não ter testes nacionais, mas confiar nos professores e nas suas capacidade para assegurar que os alunos aprendem"

A tecnologia em sala de aula é muito mais usada na Finlândia do que, por exemplo, em Portugal. Isso quer dizer que a utilização da tecnologia na escola falhou?

É algo que tem que ser regulado e bem pensado. Necessitamos de soluções digitais para muitas coisas que acontecem na escola, mas há certas áreas do ensino em que isso não melhora os resultados e onde as soluções tradicionais têm melhor desempenho.

O senhor é um liberal. Uma imposição do Estado não é uma medida muito liberal.

É liberal no sentido em que confiamos nos nossos professores. Um dos segredos da escola finlandesa é que temos professores ótimos. A formação de um professor na Finlândia implica uma educação universitária com tese de mestrado. Não temos testes nacionais, os professores têm muita liberdade para ensinar como querem. Neste sentido, queremos dar aos professores o poder de dizer quando é que o telemóvel pode ser utilizado e quando é que pode ficar na mochila.

Portugal tem testes e exames nacionais, ao contrário da Finlândia [tem apenas um teste final de secundário] que apresenta bons resultados. Como justificam esta opção?

Temos metas e níveis que os estudantes têm que ter. Há coisas que eles têm de saber na escola, mas não cremos que os testes nacionais sejam a melhor maneira de assegurar que eles chegam àqueles níveis. A nossa experiência diz-nos que a solução passa por não ter testes nacionais, mas confiar nos professores e nas suas capacidade para assegurar que os alunos aprendem. Para nós, é algo que tem funcionado.

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