Franceses barraram Le Pen

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Macron acabou por se sair melhor do que se pensava ao antecipar as eleições.

1. Em França, uma amálgama de partidos, indo da extremíssima esquerda corporizada por Mélanchon e integrando socialistas e macronistas, impôs uma derrota inequívoca às hostes de Marine Le Pen e à sua União Nacional. A circunstância da extrema-direita não ter obtido uma maioria absoluta não foi surpresa, uma vez que diversas sondagens já o prenunciavam. Impôs-se a maioria sociológica de esquerda e do centro que já valeu há uns anos a vitória presidencial a Chirac, que esmagou o pai Le Pen. O problema doravante passa para as mãos do Presidente da República que tem de indigitar um primeiro-ministro, lugar que obviamente não quer dar a Mélanchon. Ao contrário do que se pensava, a jogada de Macron de convocar eleições de surpresa acabou por evitar a sua derrota humilhante e a do seu espaço político, o Ensemble. Apesar do Presidente francês ter vastos poderes e dirigir o conselho de ministros, Macron não pode ignorar a circunstância da Nova Frente Nacional que Mélanchon encabeça e que integra o PS, ter sido formada em oito dias, ter ganho a corrida e já ter um programa de governo mínimo cheio de regalias sociais. São tantas que dificilmente a França as pode sustentar, uma vez que já tem um défice anual superior a 5,5%. Encontrar uma solução aceitável no campo da esquerda e dos moderados é possível e deverá acontecer. Na política tudo se negoceia. Mais difícil do que formar governo vai ser mantê-lo num Parlamento fragmentado e que, tal como em Portugal agora, passará a ter poderes quase executivos. Ao pé do que se antevê em França, a nossa “geringonça” terá sido fácil de acertar. Até porque, lá, a política tanto se faz nos salões como em confronto violento nas ruas. A direita radical da família Le Pen foi mais uma vez barrada, mas os números são claros e indicam que ela voltou a crescer, quase dobrando o numero de deputados. E mais crescerá se a França não se souber governar e não perceber que o bem-estar nasce da economia, do trabalho e da repartição justa, não havendo lugar a parasitismos sociais e à acumulação de fortunas indecorosas.

2. No Reino Unido, aconteceu o que as sondagens anteviam. Os trabalhistas obtiveram uma ampla maioria absoluta. Os conservadores caíram ao fim de 14 anos. O sistema eleitoral está pensado para gerar maiorias absolutas, elegendo por círculos uninominais numa só chamada às urnas. O mais votado senta-se na cadeira. A vitória dos “labours” é vistosa, mas não substancial. Tiveram 33,7% contra 23,7% dos “tories” e 12,2% dos liberais democratas. Nigel Farage (direitista, fã de Trump e Putin) não integra nenhum destes blocos. O seu Reform Party conseguiu uns notáveis 14%, mas só quatro assentos. Este método facilitador de governabilidade é secular, mas enganador. Basta dizer que se fosse aplicado em França (onde as legislativas têm segunda volta se ninguém tiver à primeira mais de 50% no seu círculo), Marine Le Pen teria tido logo uma larga maioria absoluta, o que não sucedeu na segunda chamada. Há sempre que ter em conta na análise os sistemas eleitorais nacionais, não havendo nenhum verdadeiramente justo.

3. A bolha portuguesa vive angustiada com o comportamento do Ministério Público (MP). Há, de facto, casos que parecem uma forma de condicionar a política. A bolha, porém, é autocentrada. Ignora que o cidadão normal também é arrolado em situações absurdas pelo MP, por questões comezinhas. Esse MP tem o privilégio único de poder recorrer de tudo o que perca sem pagar um cêntimo. Desembolsamos todos por ele, enquanto os arguidos têm de se empenhar para contestar. Para quando uma norma que penalize profissionalmente os magistrados do MP por recursos perdedores? A procuradora-geral da República, Lucília Gago, deve explicações à Democracia, mas não se esperava que fizesse revelações substanciais na entrevista agendada à RTP para a hora de fecho desta edição, e muito menos quando for ao Parlamento. O sindicato dos procuradores (na verdade é uma Ordem) quer alguém da casa para suceder a Lucília Gago em setembro. Formalmente pode ser um qualquer cidadão, até um não jurista. Ora, não há ninguém mais bem preparado do que a atual provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, cujo mandato é notável. Apesar disso, não deverá ser escolhida. Há razões que a razão desconhece.

4. O Chega já teve melhores dias. Na ânsia de liderar a oposição, Ventura faz declarações políticas diárias, procurando estar em todas as frentes. São raras outras caras com direito a aparecer, embora seja verdade que em regra têm fraca oratória. A omnipresença do líder desgasta-o. Ventura ficou abalado pelo mau resultado nas europeias. A mobilização dos polícias para a Assembleia da República foi um claro fracasso. Os partidos radicais, de direita ou de esquerda, passam por oscilações antes de se afirmarem ou definharem. O Chega está numa fase decisiva. No Portugal democrático nenhum partido se aguentou em permanência numa base de 10% a 18%. Viu-se com CDS, PCP, Bloco e extinto PRD. O desafio do Chega é tremendo. Crescer não vai ser fácil, até porque não temos (ainda) as circunstâncias sociais dos países onde a direita radical está em expansão.

5. Os liberais também não estão bem. A convenção do fim de semana não era eletiva, mas foi uma catástrofe para a imagem. O partido permanece dividido, como nos últimos anos. As alterações estatutárias não obtiveram os dois terços necessários. Os liberais perdem o “glamour”. Podem virar muleta do PSD, ao jeito do CDS. A vida corre bem a Montenegro. Não é só resiliente e hábil. Afinal também tem sorte, o que é essencial na política e na guerra.

6. Na Madeira, o governo de Albuquerque recebeu a confiança do parlamento. Beneficiou da abstenção de três dos quatro deputados regionais do Chega. Só um(a) votou contra obedecendo a Lisboa. Prova que o Chega não é homogéneo. Albuquerque tem agora de fazer passar o orçamento. Simultaneamente, precisa que a Justiça não o coloque como arguido por razões substanciais ligadas a corrupção. Se for o caso, o próprio admite que não terá condições para se manter.

7. O “pacotão” económico apresentado pelo ministro Pedro Reis soube a pouco. No fundamental, as medidas apresentadas são lógicas, mas têm natureza fiscal, diminuem receita e não têm um caráter estrutural. Não se viram anúncios que mudem o nosso perfil económico, aliando investimentos tecnológicos e digitais a uma faceta ambiental, na qual Portugal tem potencialidades. Nada se viu quanto à economia do mar, salvo uma menção ao combate da acidificação dos oceanos, seja lá o que isso for. É positiva a suposta descida gradual do IRC que poucos pagam. Mas é um erro promover incentivos no IRS para estrangeiros que venham para cá trabalhar. Traz gente de fora que ocupa lugares de topo e bem pagos. Limita a ascensão de quadros portugueses com excelente formação, convidando-os a emigrarem. Nesse sentido é um tiro no pé.

8. Confirmado António Costa como presidente do Conselho Europeu, Portugal tem ainda direito a um comissário na equipa de von der Leyen. Tendo Costa tanto destaque, o nosso comissário já não terá uma pasta decisiva. Seja como for, é uma cadeira de sonho. Fala-se em Poiares Maduro. Sempre que há um lugar simpático lá vem o nome. Maduro tem potencial para uma pasta vaga tipo Inovação, Investigação, Cultura, Educação e Juventude, atualmente entregue a uma búlgara. É tudo e não é nada! Mesmo assim, cuidado. É um especialista a inventar soluções esdrúxulas. Basta lembrar o Conselho Geral Independente (CGI) da RTP (onde ele é comentador!!!). O conselho acabou por ser um mero legitimador de vontades políticas de governos socialistas e grupos de pressão. Também tentou reformas na FIFA, mas durou pouco. Não quiseram somar mais potencial de confusão ao que já existia.

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