Pedro Domingos é 'keynote speaker' do primeiro dia do Congresso da APDC, que arranca hoje em Lisboa, e onde abordará 'Living in a future with AI' [Viver num futuro com IA - Inteligência Artificial].
A 33.ª edição do congresso tem como mote "40 years Futurizing", no ano em que a associação comemora 40 anos de existência.
Questionado como vê o futuro daqui a exatamente 40 anos, pegando no mote do evento, Pedro Domingos, reconhecido especialista em IA e 'machine learning', afirma que "vai ser bastante difícil", mas que melhor que o prever "é inventá-lo", acrescenta, citando uma frase conhecida para referir que "isto é mesmo verdade".
Ou seja, "a primeira pergunta que devemos fazer não é como vai ser o futuro, mas como é que queremos que o futuro seja. E, depois, cabe-nos inventá-lo e fazê-lo acontecer", porque "a tecnologia é um instrumento da vontade humana, nem mais, nem menos", enfatiza.
O vencedor do "SIGKDD Innovation Award", o prémio mais prestigiado em 'data science', e 'fellow' da Associação para o Avanço da Inteligência Artificial (AAAI) e autor do livro "Algoritmo Mestre", refere que "o estado da ciência determina o que é possível".
Depois "compete-nos decidir o que acontece, podemos ver em várias áreas o que achamos que podemos fazer com a inteligência artificial, quais são as coisas más, e depois há sempre uma interação inteligente entre os tecnologistas - pessoas que sabem desenvolver a tecnologia - e o resto da sociedade".
Isto porque "estamos a entrar numa fase na inteligência artificial em que não é suficiente só os informáticos, profissionais de IA a controlarem a IA. É uma receita para maus resultados" e também não pode ser só para grupos que já estão bem organizados para intervenção, para fazerem prevalecer a sua agenda, prossegue.
"O que é preciso é que cada um de nós saiba como é que quer utilizar a IA, como é que posso utilizar no meu emprego, na minha vida privada, quais são os meus interesses e como é que eu posso intervir na inteligência artificial para os promover", salienta Pedro Domingos.
Os engenheiros, "a nossa função não é imbuirmos os sistemas dos nossos valores, a nossa função é tornarmos mais fácil a qualquer pessoa e a qualquer sociedade imbuir a inteligência artificial dos seus valores", sublinha o académico, até porque os valores em Portugal são uns, nos EUA são outros como na Índia e China são diferentes.
Para além disso, a noção de "bem" para uma determinada sociedade não é igual para outra e isso é algo que tem de ser discutido, segundo o responsável, abertamente. "É um debate que tem de haver", defende, acrescentando que deve-se evitar uma visão maniqueísta: "Para diferentes pessoas o bem e o mal são coisas muito diferentes".
"Na minha profissão - como em outras - as pessoas estão preocupadas em perder o emprego" por causa da inteligência artificial e a questão não é essa, mas "como é que eu utilizo a IA para fazer melhor o meu trabalho" porque "se eu não fizer alguém vai fazer", aponta.
Não se trata do "Homem contra a máquina, é o Homem com a máquina contra o Homem sem a máquina, e não há dúvida quem vai ganhar", diz.
Com a inteligência artificial, "as partes mais rotineiras do meu trabalho podem ser automatizadas e as partes mais criativas, que precisam de uma compreensão mais profunda, continuam a ser feitas por mim", argumenta, referindo que a IA "é uma ferramenta" e "as ferramentas utilizam-se".
Além disso, a inteligência artificial "não é um agente, é uma vasta gama de coisas que podemos utilizar para alargar a maneira como se faz as coisas e depois escolher as melhores", diz, criticando o alarmismo que existe em volta da IA.
De uma forma ou de outra, a utilização da IA já existe há muito tempo, apesar de grande parte das pessoas não dar por isso. Por exemplo, "hoje em dia, de longe, o maior papel da IA no mundo são os sistemas de recomendação" porque "escolhem o que o motor de pesquisa nos dá, os filmes que eu vejo na Netflix, a música" entre outros.
E há duas maneiras de o fazer: um algoritmo que é o mesmo para todos - e isso "é um desastre porque mata a diversidade da sociedade e a robustez" - e o outro é haver personalização. "Grande parte dos algoritmos de inteligência artificial que existe atualmente tiveram uma fase em que foram treinados num conjunto de dados" que as empresas obtiveram, "mas que depois, na fase de 'deployment', não estão a aprender" mais, diz.
Para se errar menos, "é preciso, por um lado, os algoritmos melhorarem - ainda não são tão bons como o cérebro humano - e, depois é preciso, terem dados e de haver interação - o controlo todo da IA está nas mãos da companhia, devia estar mais nas minhas mãos", salienta.
Por exemplo, um utilizador de uma rede social poderia ter o poder de pedir para que esta não lhe apresentasse mais informação sobre um determinado assunto.
Questionado sobre quem vai na frente nesta corrida, os EUA ou a China, Pedro Domingos refere que esta é uma "guerra com múltiplas frentes".
De uma forma geral, "os EUA ainda estão à frente da China, há áreas especificas em que a China já está à frente, mas nas áreas em que a América está a frente a China está a melhorar mais rapidamente", sob pena de ultrapassar Washington.
Agora, "a América já começou a acordar para esta realidade" e em áreas "como 'large language models' [modelo de linguagem grande] e ChatGPT", os EUA estão à frente, diz.
Cada país tem a sua cultura e isso tem pontos fortes e fracos em relação à IA. Por exemplo, há quem diga que um ponto forte da China é que só um país grande tem muitos dados, os algoritmos podem aprender mais e ter modelos.
"Creio que na realidade não é assim tão importante, porque têm mais dados e menos preocupações com a privacidade, mas são dados menos diversos. E na aprendizagem - entre os dados da China e os da Europa - eu preferia os da Europa porque é metade das pessoas, mas tem mais diversidade", conclui Pedro Domingos.
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