Gémeas. A memória curta dos portugueses é assustadora

2 meses atrás 49

Nunca em momento algum alguém se recusou a tratar as crianças com doenças raras, até porque não há fila de espera. Bastava a mãe das crianças ter ido à Urgência do Santa Maria e tinha-se poupado muita tinta.

O caso das gémeas luso-brasileiras que receberam um tratamento milionário tem feito estragos na classe política, e o que tenho visto deixa-me espantado, até pelos disparates que se dizem – e estou a falar de pessoas de reconhecido mérito. Mas vamos por partes. Não vou discutir o caso das cunhas, pois só sei o que tenho lido e visto, nomeadamente as peças da Sandra Felgueiras. Parece, no entanto, que as cunhas foram mais do que evidentes, apesar… de não serem necessárias.

Vou agora àquilo que sei. Há quatro anos, uma amiga ligou-me a dar-me conta que havia uma bronca no Hospital de Santa Maria que envolvia tratamentos de doenças raras que podiam colocar em causa o orçamento da instituição – eu acabaria por perder o rasto à história por causa da covid… É bom não esquecer que a indignação que surgiu há uns meses com o gasto de quatro milhões com as gémeas luso-brasileiras, foi a mesma que surgiu quando uma mãe – brasileira, mas casada com um português, que vivia em Portugal há muito tempo – anunciou que ia fazer uma coleta de dinheiro, crowdfunding, para arranjar dois milhões de euros para o tratamento da filha. Portugal ficou indignado com tanta falta de sensibilidade governamental para o assunto… Tratamento esse que era proibido na Europa, mas que era administrado em doentes nos EUA. Em duas semanas (!!!) a senhora arranjou o dinheiro e anunciou que iria à terra do Tio Sam comprar o Zolgensma, tendo-lhe sido dito pelas autoridades competentes que não o poderia fazer. Atendendo à comoção nacional, o Governo de então decidiu avançar com quatro milhões, pois havia outra criança, esta nascida nos Açores, que também precisava do dito medicamento.

Diga-se que ao contrário do que tem sido dito, até por ex-governantes, para se decidir a compra do Zolgensma a médica Teresa Moreno teve de enviar, nos diferentes casos, o processo para o diretor de serviço, para a Comissão de Farmácia e Terapêutica, para o diretor clínico, para o conselho de administração, acabando no Infarmed, que devolve o processo com a sua ‘sentença’. Também não tem aparecido nas notícias que a médica Teresa Moreno “é uma grande especialista mundial em atrofia muscular espinhal de tipo 1”, como me garantiam vários colegas da mesma há meses. O caso da mãe que recorreu ao crowdfunding e o da mãe das gémeas, levou, na altura, cinco médicos da equipa de pediatria a escreverem uma carta que entregaram à Comissão de Ética do Hospital, ao diretor clínico, à ministra da Saúde e ao Presidente da República, onde alertavam para o aumento de gastos com doentes, falando indiretamente no caso das gémeas brasileiras. Nunca em momento algum alguém se recusou a tratar as crianças com doenças raras, até porque não há fila de espera. Bastava a mãe das crianças ter ido à Urgência do Santa Maria e tinha-se poupado muita tinta…

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