Generais em guerra no Sudão não sinalizam intenção de pôr fim a um ano de conflito

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Não obstante a estimativa, as Nações Unidas pediram até agora aos doadores 2,7 mil milhões de dólares (2,54 mil milhões de euros) para responder às necessidades humanitárias no país, mas receberam apenas 155 milhões de dólares (145,6 milhões de euros), ou seja, 6% do montante pedido.

Dos 48 milhões de habitantes do Sudão, 18 sofrem de insegurança alimentar aguda, centenas de milhares de mulheres e crianças podem morrer de fome nos próximos meses e os trabalhadores humanitários sentem-se impotentes perante a recusa de vistos, direitos aduaneiros exorbitantes, pilhagens e muitas linhas da frente de guerra intransitáveis.

Em 15 de abril de 2023, a guerra eclodiu em Cartum, a capital sudanesa, entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês) chefiadas pelo general Abdel Fattah al-Burhan e as Forças de Apoio Rápido (RSF, igualmente na sigla inglesa) paramilitares, lideradas por outro general, Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como "Hemedti".

Quando os combates começaram em Cartum, Burhan e Hemedti eram, respetivamente, presidente e vice-presidente do Conselho Soberano de Transição, que era o órgão executivo do Sudão desde agosto de 2019, ou seja, desde pouco mais de três meses depois do golpe militar que derrubou o antigo ditador, Omar al-Bashir, em 11 de abril de 2019 .

Em outubro de 2021, Burhan e Hemedti lideraram um golpe militar, que dissolveu o Governo e destituiu os membros civis do Conselho de Transição, transformando-o numa junta militar, e foi no quadro do relançamento do processo de transição em dezembro de 2022 que tensões crescentes entre as SAF e as RSF -- em consequência de um plano de integração dos elementos da segunda força nas forças armadas regulares -- acabaram por resultar no confronto aberto em 15 de abril de 2023.

Rapidamente, as RSF assumiram o controlo militar de parte significativa de Cartum, assim como de outras partes do país e obrigaram Burhan a deslocar o seu quartel-general para Porto Sudão, a cerca de 680 quilómetros a noroeste da capital, tendo as suas forças respondido essencialmente através da Força Aérea Sudanesa, que ficou sob o seu controlo.

O Darfur Oriental, de onde Hemedti é natural e onde nasceram em 2013 as RSF a partir das milícias Janjaweed, utilizadas pelo governo de al Bashir contra os movimentos rebeldes na região, foi rapidamente controlado pelos paramilitares e pelas milícias de etnia árabe aliadas.

Ao longo do ano, por outro lado, sucederam as acusações de atrocidades em larga escala, limpeza étnica e crimes de guerra perpetrados pelas RSF e milícias aliadas contra grupos étnicos não-árabes.

Em novembro, na sequência do massacre de "mais de mil" pessoas da tribo Masalit pelas RSF e milícias aliadas nos campos de refugiados de Ardamata em pouco mais de dois dias, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, associou os assassínios a "uma campanha de limpeza étnica mais vasta conduzida pelas RSF, com o objetivo de erradicar a comunidade Masalit não árabe do Darfur Ocidental" e alertando para a ocorrência de "outro genocídio" na região.

Os esforços internacionais para travar a guerra têm sido infrutíferos. O Conselho de Segurança das Nações Unidas votou, em 01 de dezembro, o fim da missão política da ONU no Sudão, a pedido do Governo sudanês, que considerou `persona non grata` o chefe da Missão Integrada das Nações Unidas para a Assistência à Transição no Sudão (UNITAMS, na sigla em inglês), Volker Perthes, no início de junho.

As tentativas dos Estados Unidos e da Arábia Saudita -- que nunca aliaram esforços com outros grupos de negociação paralelos da União Africana (UA), do bloco da África Oriental IGAD, ou da Liga Árabe para mediar um cessar-fogo têm também falhado repetidamente.

Ao mesmo tempo, a ingerência estrangeira, sobretudo o apoio dos Emirados Árabes Unidos - principais compradores do ouro sudanês - à RSF, e o envolvimento, entre outros, dos paramilitares russos do Grupo Wagner, também ao lado de Hemedti, estimulam o prolongamento do conflito e dificultam a eficácia de sanções entretanto impostas por Washington e Bruxelas a ambos os campos beligerantes.

Alguns especialistas denunciam o papel do Irão, um antigo aliado importante de Bashir, enquanto outros apontam o papel da Eritreia e da Etiópia, países vizinhos.

O recém-nomeado enviado dos Estados Unidos para o Sudão, Tom Perriello, visitou em meados de março o Uganda, a Etiópia, Djibuti, Egipto, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos e no final revelou ter percecionado "um aumento da vontade política" para ajudar a pôr fim ao conflito, incluindo por parte de países que favorecem ou apoiam uma das partes beligerantes.

A perceção do diplomata norte-americano não o impediu entretanto de acrescentar outras considerações, a começar por um alerta para a aproximação da estação das chuvas, que "podem exacerbar uma crise humanitária que já está à beira do colapso (...), com sinais de fome, atrocidades horríveis, particularmente contra mulheres e crianças, recrutamento forçado e até escravatura".

Os dois generais beligerantes pouco ou nada têm falado ao longo do último ano -- não obstante Hemedti ter sido recebido no final de dezembro e janeiro pelos chefes de Estado do Ruanda, África do Sul, Uganda, Djibuti, Etiópia e Quénia, o que motivou uma queixa pública de al-Burhan -- pelo que não se perspetiva um fim para o conflito, muito menos atendendo à mensagem reiterada pelos lugares-tenentes de um e outro: "Não negociamos com terroristas!".

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