Gonçalo Franco: «No FC Porto não tinha as oportunidades dos outros»

3 meses atrás 81

Em Moreira de Cónegos mora um dos melhores médios da I Liga. Gonçalo Franco, 23 anos, jogador-revelação do campeonato. Os números não enganam: no Prémio Regularidade do zerozero, o único centrocampista português com números superiores foi João Neves: Por falar no médio do Benfica, Franco considera, nesta entrevista exclusiva ao nosso portal, ser «parecido» com o algarvio.  

Pretendido pelos maiores emblemas nacionais e emblemas grandes de outras ligas, Gonçalo Franco analisa a época de excelência dos minhotos e dá algumas pistas sobre o futuro. Uma certeza já tem: este é o momento certo para mudar de ares para um palco superior.

O contrato com o Moreirense expira em junho de 2025 e os cónegos terão sempre uma palavra a dizer. Vale a pena lembrar que o zerozero escreveu em janeiro que o Benfica era uma das equipas mais entusiasmadas com o filho do histórico Pedro Franco, central de créditos firmados nos anos 90. 

PARTE I: «Sou parecido com o João Neves»

zz - A história da sua família até está ligada indiretamente ao Cristiano Ronaldo, como nos disse antes de começarmos a gravar.  

GF - É verdade, e por acaso gostava de jogar um com o Cristiano. É uma lenda, uma referência. A ligação ao Cristiano deve-se ao meu pai [Pedro Franco]. O meu pai jogava no Sporting e foi moeda de troca com o Cristiano. O meu pai foi para o Nacional e o Cristiano para o Sporting. Ele brincava comigo sobre isso. 'O Cristiano é o melhor do mundo e eu fui trocado por ele'. Cresci a ouvir essa história.

zz - O seu pai teve uma passagem forte pela I Liga: Nacional, Leça, Rio Ave. É um conselheiro próximo?

GF - Eu costumo dizer que ele é muito ranhoso (risos). Está nos meus jogos todos, acompanha-me desde sempre. No final dos jogos, mesmo quando eu sinto que estive bem, ele dá-me uma dura. Acompanha-me, ajuda-me, aconselha-me e é com ele que falo em primeiro lugar.

qA ligação ao Cristiano deve-se ao meu pai [Pedro Franco]. O meu pai jogava no Sporting e foi moeda de troca com o Cristiano. O meu pai foi para o Nacional e o Cristiano para o Sporting. Ele brincava comigo sobre isso. 'O Cristiano é o melhor do mundo e eu fui trocado por ele'

Gonçalo Franco

zz - Cresceu na casa de um futebolista profissional. Estar no futebol sempre foi o seu objetivo?

GF - Sempre foi um sonho, lembro-me de estar nos treinos do meu pai. Aos 18 anos tornei-me profissional. Não é fácil, é preciso dedicação e sacrifício.

zz - Aos oito anos entrou nas escolinhas do Boavista. Começou tudo aí?

GF - Andava na escola, os meus amigos jogavam todos e a minha mãe inscreveu-me nos panterinhas. Ainda tenho amigos desse tempo. Estive lá quatro anos e depois mais quatro no FC Porto. E depois é que fui para o Leixões, um clube que me marcou muito. Estreei-me no futebol profissional, num jogo no Mar contra o Penafiel. Sou muito grato àquelas pessoas do Leixões.

zz - Mudou várias vezes de clube na formação. Opção sua?

GF - Quando estava no Boavista, o FC Porto abordou-me para ir para lá jogar. Apanhei a geração do Fábio Vieira, do Vitinha, do Romário Baró, do Afonso Sousa... ainda agora no Dragão tive uma brincadeira com o Romário (risos). Desde pequenos que jogamos um contra o outro. Eu pelo Leixões e ele no FC Porto. 'Vamos jogar sempre um contra o outro' (risos). Lá está, estas relações, mesmo com os adversários, são boas amizades. Ainda treinei com o Diogo Costa, Diogo Dalot, João Félix, jogadores de sucesso enorme. Posso motivar-me, e motivo-me, ao querer chegar aos patamares deles.

zz - Saiu do FC Porto por jogar poucas vezes?

GF - Sim, jogava poucas vezes. Não tinha as mesmas oportunidades dos outros. Estava numa fase em que precisava de jogar, porque sabia do meu valor. Quando vejo que não dá por um caminho, vou por outros. Saí do FC Porto e pensei para onde iria a seguir. Fui para o Rio Ave. Um clube mais pequeno, onde dei um passo atrás para dar dois à frente. E assim foi. Nunca desisti e depois fui para o Leixões e estreei-me no futebol profissional.

zz - Sempre viveu perto do Porto?

GF - Em Lavra, ao lado de Leça da Palmeira. Sempre vivemos aí. Estava a meio de Vila do Conde e do Porto. Só quando treinava no Olival é que era mais difícil, mas a minha mãe depois começou a deixar-me no Dragão e ia no autocarro do clube com os meus colegas. Os meus pais iam buscar-me à noite ao Olival, depois do treino.

zz - A sua mãe está rodeada de futebol, até porque há mais um irmão do Gonçalo.

GF - O Gustavo também jogou futebol e tinha o mesmo sonho que eu tenho. Infelizmente, teve um problema grave nos joelhos por ter crescido demasiado depressa. As dores eram tantas que ele acabou por abandonar. Estudou sempre e agora está na Marinha em Lisboa. As voltas que a vida dá (risos). Sei que está feliz com o que está a fazer e isso é o que conta.

zz - E vive o futebol através do irmão.

GF - Sim, ele fica mais nervoso do que eu (risos). Quando estou dentro de campo, sei que ele vibra. É um rapaz que vibra muito, tem uma paixão pelo futebol incrível. Manda-me mensagem antes de todos os jogos. 'Vê lá se ficas focado...' (risos). Coisas de irmão. Sei que fica contente pelo meu sucesso e eu fico feliz por vê-lo bem. Está longe de nós, mas sempre que pode vem cá a casa para estar com a família.

Gonçalo Franco
1 títulos oficiais

zz - Com o futebol, onde ficou a escola?

GF - Consegui terminar o secundário. No momento em que ia para  faculdade estava a treinar no Leixões, de manhã, e aí ficou mais difícil conciliar. Tirei a vertente de Economia, um curso exigente no secundário, e sabia que mais tarde ia ser difícil conciliar a universidade e o futebol. Fui atrás de um sonho, arrisquei e deu certo.

zz - Disseram-nos que era um bom aluno.

GF - É verdade. Por incrível que pareça, a minha disciplina favorita era matemática. Era muito bom aluno a matemática. Normalmente é a disciplina mais difícil para os jovens. Mesmo sendo um bocado... como dizer? Preguiçoso, era um bocado preguiçoso (risos). Mas bom aluno.

zz - Costuma dizer-se que os médios são os jogadores mais inteligentes.

GF - Ia acrescentar isso (risos). É uma função exigente, onde temos de pensar muito depressa e ler bem o jogo. Um segundo é muito, temos de antecipar o que vai acontecer. Acho que faço bem isso. Treinar com os mais velhos sempre me ajudou. Obrigava-me a pensar mais depressa, a exigência dos treinos era mais elevada e agora ajuda-me no futebol profissional. É tudo muito rápido.

@Catarina Morais / Kapta +

«Contra o Benfica tudo me saiu na perfeição»

zz – No Moreirense-Benfica foi o melhor em campo para o zerozero. Foi a sua exibição mais perfeita esta época? 

GF - Tive alguns jogos parecidos com esse. Mas esse jogo, pelo momento e por ter sido contra um clube grande, foi especial. Toda a gente quer jogar esses jogos. Tudo me correu na perfeição nessa noite. Onde eu estava, ganhava sempre a bola. Todos os passes me saíam bem e, a juntar a isso, conseguimos um bom resultado. 

zz - Neste Moreirense há mais nomes a merecerem o destaque que o Gonçalo está a ter? 

GF - O trabalho diário de todos merece esse destaque. Mesmo os que jogaram menos vezes. E há outros que tiveram mais minutos e estiveram muito bem. O Ofori, o Alanzinho, o Dinis Pinto começou muito bem e depois teve uma lesão. Tinha vindo de uma realidade diferente na Liga 3. Bateu com a cabeça e teve de parar durante algum tempo. Isso prejudicou-o. Os centrais estiveram muito bem, são muito experientes. O Marcelo e o Maracás, o Ponck também. Jogadores que ajudaram muito os mais novos. O André Luís, que saiu em janeiro, é um jogador fantástico. Tinha uma relação muito boa com ele. Nos treinos treinávamos os espaços onde eu lhe podia meter a bola. Estamos todos de parabéns. 

zz - A equipa até reagiu bem à saída do André Luís, o goleador até janeiro. Tiveram de alterar alguma coisa na forma de jogar? 

GF - Não. Claro que não é a mesma coisa, sentimos algumas diferenças. O André Luís é um jogador fortíssimo no jogo aéreo, nos pontapés de baliza quando não tínhamos solução ele era a referência. Jogávamos sempre nele. Alterámos, sim, mas não muito. A base do mister era igual. Qualquer jogador encaixava bem na equipa, mesmo com características diferentes. 

qFomos jogar a Alvalade e fui titular. No dia anterior, o César Peixoto chamou-me e disse-me assim: 'Se tiveres de perder a bola 20 vezes, podes perder. Não é por isso que vais ser substituído. 

Gonçalo Franco

zz - Falemos sobre os seus treinadores no Moreirense. E já foram alguns nestes quatro anos. Comecemos pelo Rui Borges. 

GF - É um treinador que ainda vai ser muito falado. Ainda está a começar. Fala-se que pode ir para outros clubes... é um líder. 

zz - Carlos Pinto, o treinador que o lançou no Leixões. 

GF - Estive pouco tempo com ele, mas tenho de agradecer-lhe. Pegou em mim com 18 anos, fez-me estrear na II Liga e não é qualquer um que faz isso. Tive alguns treinadores no Leixões nesse ano e nenhum antes me tinha ido buscar aos sub23. Nenhum olhou para mim da mesma maneira. 

zz - Ricardo Soares, o primeiro no Moreirense. 

GF - Estreei-me com ele na I Liga. É muito inteligente, sabe gerir a equipa. Sabe levar a equipa a bem. E não é fácil. Colocar todos a remar no mesmo sentido não é simples. Destaco isso no mister Ricardo. Tem inteligência tática e prepara bem as bolas paradas. 

zz - Saiu o Ricardo e entrou o César Peixoto. 

GF - Falo bem de todos (risos). Eles gostam de mim porque trabalho sempre muito, no máximo. Nenhum me pode apontar nada. O César aposta muito na saída de bola, não nos deixa ter medo de ter a bola, independentemente do adversário. Fomos jogar a Alvalade e fui titular. No dia anterior chamou-me e disse-me assim: 'Se tiveres de perder a bola 20 vezes, podes perder. Não é por isso que vais ser substituído. Acredito no teu trabalho e vais jogar por mérito'. Sabia passar a confiança aos jogadores e pedia para nos mostrarmos ao jogo. Com ele, eu ia sempre com muita confiança. Era ainda muito inexperiente. Tenho de agradecer-lhe, é um treinador de quem gosto muito e desejo-lhe a maior sorte do mundo. 

zz - O próximo treinador viu-o a fazer um golaço há poucos dias. O Vasco Seabra. 

GF - O mister Vasco tem uma equipa técnica fantástica. É muito amigo, toda a gente gosta dele, é muito transparente. Estive com ele agora e brincámos um bocado: 'Quando eras meu jogador não fazias golo a ninguém' (risos). Vejo que fica feliz com o meu sucesso e eu digo-lhe o mesmo. Fez agora um grande trabalho no Estoril. 

zz - Na época seguinte começaram com o João Henriques. 

GF - O mister João esteve lá pouco tempo. Saiu numa fase menos boa, porque não conseguíamos ganhar a ninguém. Eram só empates, muitos empates. Tinha uma boa leitura do jogo, sabia como ferir os adversários, tinha um bom plano estratégico e gostei de trabalhar com ele. 

zz - A passagem do Lito Vidigal foi ainda mais breve. 

GF - Estávamos numa fase má. Não o conheci bem, mas nada lhe tenho a apontar. 

zz - O Sá Pinto foi campeão em Chipre, ainda agora. É um homem emocional. 

GF - Vibra muito com o jogo, foi o treinador que vi a vibrar mais com aquilo. Foi jogador de futebol, pode ter sido por isso. Tive boa ligação com ele e com os adjuntos. Tenho de lhe dar os parabéns pelo título em Chipre. 

zz - Durante a semana ele também é assim emotivo ou é mais sereno? 

GF - Ele é assim todos os dias. Vive cada treino como se fosse o último. Vibra, gosta muito do que faz e isso nota-se.

zz - Com o Paulo Alves foi um ano inteiro na II Liga. 

GF - E foi um ano fantástico. Aprendi muito com ele. Tivemos uma subida de divisão e o mister fez algo que não é fácil. A equipa estava em baixo com a descida e ele foi capaz de motivá-la e juntá-la. Teve de mudar a cabeça dos jogadores e o mister conseguiu isso. Conseguimos subir e tivemos uma época fantástica. 

zz - Tem o objetivo de jogar em algum campeonato em específico? 

GF - Eu adoro ver futebol, passo dias no sofá a ver jogos. Mesmo em Portugal vou ver jogos de campeonatos inferiores. Gosto de ir ver amigos à Liga 3. Bem, para mim a Premier League é um sonho. Pratica-se lá o melhor futebol do mundo. Sei que ainda estou numa fase que me obriga a passar por outros patamares. Se chegasse lá agora, se calhar não ia ser o mesmo que poderei vir a ser mais tarde. Preciso de passar por outras realidades, por outros futebóis, antes de lá chegar. 

zz - Vamos acabar com um sorriso nos lábios. Há alguma história de balneário que goste sempre de contar? 

GF - Há uma boa do ano passado, na II Liga. O protagonista é o Luís Rocha, agora do Santa Clara. Toda a gente gosta dele, profissional incrível. Nós nas vésperas do jogo fazíamos sempre o banho de gelo, o jacuzzi e a massagem. O Rocha só queria fazer a massagem, sem banho de gelo. Nós temos lá um funcionário, o senhor Caló, que já tinha apanhado o meu pai. 'Ó Rocha tens de fazer banho de gelo antes da massagem' e o Rocha só gritava 'não quero, não quero'. Aquilo é feito num tanque. O Caló chateou-lhe tanto a cabeça que o Rocha foi a correr e mandou uma 'bomba', tirou metade do gelo do tanque. E nós lá quietinhos, porque aquilo é mesmo assim. O Rocha é um grande colega, ajuda toda a gente, muito motivador. 

Ler artigo completo