“Há uma corrida entre democracias e estados totalitários na IA, e nós temos de ganhá-la”, diz Pedro Domingos

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O professor de Ciências da Computação na Universidade de Washington foi um dos convidados do 33.º Digital Business Congress da APDC, no início do qual analisou as implicações da IA para a economia e para a sociedade.

Pedro Domingos, professor de Ciências da Computação na Universidade de Washington, considera que a “grande vocação da IA” passa por “aumentar grandemente a inteligência coletiva”, alertando para um conjunto de perigos reais associados à tecnologia que têm suscitado menos preocupação do que o desejável.

A perceção pública sobre a desinformação, a discriminação, o desemprego e a extinção enquanto perigos associados à IA, que o investigador cataloga como os “quatro cavaleiros do AIpocalipse”, é hoje “altamente exagerada”, disse o investigador durante o 33.º Digital Business Congress da APDC – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações, numa exposição sobre as implicações da IA para a economia e para a sociedade, a partir dos Estados Unidos.

“De longe, o maior perigo da IA é o da estupidez artificial: sistemas que cometem erros e que produzem maus resultados. Não é um perigo hipotético, mas um problema real e quotidiano. São modelos que não têm senso comum. Acertam nas coisas, mas muitas vezes erram. Os grandes estragos são causados pela falta de inteligência, não por excesso”, explicou, durante uma exposição sobre as implicações da IA para a economia e para a sociedade.

A par da estupidez artificial, Pedro Domingos coloca na lista dos maiores perigos o uso da IA por maus-agentes: estados totalitários e organizações criminosas.

“Há uma corrida entre as democracias e os estados totalitários na IA e na tecnologia em geral, e nós temos de ganhar essa corrida. As ditaduras tomam o máximo partido da IA, e nós, na democracia, estamos preocupados em controlá-la”, alertou, aludindo aos avanços regulatórios que têm marcado a agenda tecnológica, nomeadamente a nível europeu.

“A IA distribuída funciona melhor. Estas soluções são no sentido de centralizar o controlo da IA. É uma péssima ideia”, defendeu.

“Temos de nos habituar a ver quem está por detrás da IA. Não são os computadores, são as pessoas que os controlam. Aí é que estão os problemas reais”, continuou Pedro Domingos, acrescentando que, no caso do crime organizado, “o facto de os criminosos usarem IA não é razão para limitá-la”, com essa a tecnologia a apresentar-se como a “única forma” de combater o mau uso da mesma.

Ainda sobre a desinformação, o investigador considera que a “influência de informação online é muito mais pequena do que se expõe”. “Isto está bem estudado. As pessoas dizem que nós vamos ser submergidos pela desinformação, mas a capacidade de empresas como a Google e Facebook nos influenciarem é muito baixa”, referiu o autor da obra “A Revolução do Algoritmo Mestre”.

A solução para estes perigos passa, necessariamente, pelo investimento em mais IA, e não um recuo, defendeu o especialista. E o mesmo para a discriminação. A “IA é um instrumento extraordinário” no combate aos enviesamentos, sendo “mais transparente e mais racional do que os seres humanos”. “O que os estudos dizem é que os sistemas consistentemente confundem a correlação com a causalidade. A IA no combate à discriminação não é o inimigo, é um dos nossos melhores amigos”.

Passando aos dois restantes “cavaleiros do AIpocalipse”, o investigador diz que a “IA não vai ser um grande apocalipse do emprego” e que a ideia de extinção por causa da IA “tem mais a ver com ficção científica do que com realidade.” “Deriva da confusão entre inteligência artificial e inteligência humana. A IA é uma ferramenta. São sistemas de automatização que resolvem problemas”. Em causa está uma projeção de características humanas da sociedade na IA. “Não têm vontade, emoções, desejos, e não querem tomar o poder”, esclarece.

Tarefas difíceis versus tarefas fáceis para a IA

“O que descobrimos a grande custo nas últimas décadas é que, ao contrário do que diz a intuição – baseada na analogia quase inevitável e irresistível entre a IA e a humana -, é que as coisas que nos parecem fáceis, para a IA são difíceis. E vice-versa”, explicou Pedro Domingos, alumnus do Instituto Superior Técnico (IST).

E é aqui que o alcance da IA e a realidade surpreendem. “Em geral, o trabalho administrativo é fácil de fazer por IA. O trabalho manual não. É precisamente o contrário do que se pensaria”, explica, classificando criatividade e fiabilidade como outra das “dicotomias muito importantes”. “Até há muito poucos anos, as pessoas tinham uma grande dificuldade em acreditar que a IA alguma vez pudesse vir a ser criativa. Hoje em dia, com o ChatGPT, é já óbvio que a criatividade é a parte mais fácil. As pessoas não estavam preparadas para isso. E vai haver mais surpresas”, continuou.

Tirando algum misticismo ao ChatGPT, Pedro Domingos diz que a habilidade do sistema é “extremamente simples”. “Parece que tem uma enorme inteligência, mas, a certo nível, o que está a fazer é extremamente simples e limitado. Só que com uma quantidade astronómica de dados. O tipo de inteligência é muito diferente da inteligência humana. Temos de começar a aprender a distinguir a real inteligência dos computadores e aquela que temos tendência a supor que eles têm. A IA não tem nada de mágico. É uma forma de automatização extremamente avançada”, explicou.

O investigador lista algumas experiências relacionadas com a prova de vinhos e com a seleção de atletas desportivos entre as tarefas de fácil execução para a IA. “Ser capaz de dizer, a partir das características químicas de um vinho, se ele é bom ou mau, a colheita e o ano, é uma das coisas mais fáceis para IA”.  O mesmo para o desporto. “Para a seleção de jogadores de uma equipa de futebol, basebol ou basquetebol, pensa-se que é preciso em treinador. Mas é uma coisa que os computadores já fazem há 20 anos”, prosseguiu.

Por contraste, a execução de tarefas domésticas, como fazer a cama ou cozinhar, são “extremamente difíceis para a IA”, apesar de parecerem “completamente triviais”. Sem esquecer os progressos neste campo nos últimos anos, “estamos muito longe de sermos capazes fazer essas coisas”, continuou.

A construção civil foi outro dos exemplos levados à conversa. “Estamos muito longe de ter robôs que possam ser operários de construção”, elucidou Pedro Domingos.

“De uma forma geral, aquilo que para nós é trabalho de perito, em que é preciso ter, por exemplo, um curso superior, para a IA é fácil porque é uma questão de, basicamente, ler um livro, absorver e memorizar”, explicou o professor da Universidade de Washington, também cofundador da International Machine Learning Society, contrapondo que as tarefas humanas, por outro lado, parecem fáceis, “porque a evolução aperfeiçoou-nos” para as mesmas.

Alongando-se sobre o papel da IA no trabalho e nos custos associados ao mesmo, Pedro Domingos indica que “o resultado é muito simplesmente o de reduzir enormemente o custo da inteligência”.

“Hoje em dia a inteligência é cara porque tem de ser humana. E os seres humanos são e devem ser caros. Mas quando as tarefas podem ser feitas por computador, o seu custo baixa enormemente. Quando um custo de um bem baixa, a procura aumenta. O grande efeito da IA não vai ser diminuir o emprego, diminuir a procura pela inteligência, pelo contrário. Vai tornar possível fazer mais 10/100/1000 coisas com inteligência do que era possível antes”, explicou.

“Quando o custo de um input baixa, o valor dos complementares aumenta. E o grande complemento da IA é precisamente a inteligência humana”, afirmou.

De acordo com o professor da Universidade de Washington, “não só as profissões diretamente envolvidas na IA vão beneficiar dessa inovação”, mas também “a economia em grande escala”.

“Hoje em dia é fácil pensar nas profissões que teoricamente poderiam desaparecer. O que é difícil é ver as profissões todas que vão aparecer. As pessoas, por exemplo, serem capazes de programar, mesmo sem conhecerem linguagens de programação, porque podem falar com o computador em linguagem virtual e pô-lo a fazer coisas todos os dias. Não são só as profissões”.

IA, sociedade e democracia

Na visão de Pedro Domingos, “o maior efeito da IA não vai ser apenas na economia e no trabalho”, mas na melhoria do “funcionamento da sociedade e da democracia”.

“A grande vocação da IA é aumentar grandemente a nossa inteligência coletiva. Não substitui apenas um ser humano, mas faz com que a inteligência de uma organização ou sociedade seja maior do que a soma das inteligências dos indivíduos. Hoje comunicamos com as empresas aos megabytes por dia. O Governo comunica aos bytes por ano. Isto fazia sentido no século XIX/XX, mas hoje não faz”, analisou.

O investigador defende que a IA, através dos chamados sistemas de recomendação, pode representar um papel relevante para um melhor funcionamento da sociedade, nomeadamente em contexto de eleições. “Sistemas deste tipo podem ser utilizados para recomendação de voto. Um sistema que tenha um modelo dos meus interesses, como existem outros desenvolvidos por áreas muito mais banais e menos importantes, pode ter esse papel de fazer recomendações”, defendeu, acrescentando que também os “jornalistas e políticos podem utilizar” o sistema para entenderem as aspirações da população.

“Temos que pensar na IA como o repositório dos conhecimentos que acumulámos até agora e que vamos desenvolver no futuro. Nós, seres humanos, colaboramos com a IA”, acrescentou.

Sobre este potencial de crescimento, Pedro Domingos não tem dúvidas de que o país reúne uma série de “vantagens importantes”. “Portugal tem uma oportunidade em tornar a IA um enorme motor de desenvolvimento. Tem uma comunidade de IA de longa data, de primeira linha, tem indústrias em que pode ser líder, tem uma agilidade potencialmente que país maiores poderão ter”.

O especialista alertou, ainda, para a importância de não se incorrer “no grande perigo” de se confundir IA com inteligência humana. “São muito diferentes e, ao confundirmos as duas, cometemos uma série de erros a todos os níveis: económicos, tecnológicos, políticos, psicológicos”.

“A IA é sempre uma coisa necessariamente imperfeita. A grande maioria das aplicações da IA – e muitas das mais importantes – são muito diferentes do que fazem os serem humanos”, sublinhou Pedro Domingos.

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