História de agressões a menino nepalês foi manifestamente exagerada?

4 meses atrás 92

Caso de criança nepalesa vítima de agressões levanta várias dúvidas. ME não sabe de nada, vídeo de WhatsApp desapareceu e não foi feita sinalização à CPCJR. O que seria obrigatório. Família não está a colaborar

A notícia caiu com estrondo no início desta semana. Uma criança de nove anos, de nacionalidade nepalesa, teria sido fortemente agredida e insultada por colegas na escola. Noticiou a Rádio Renascença citando a diretora do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), Ana Mansona. «O filho de uma senhora acompanhada pelo CEPAC, que tem nove anos, e que é uma criança nepalesa, foi vítima de linchamento no contexto escolar por parte dos colegas. Foi filmado e divulgado nos grupos do WhatsApp das crianças», denunciou a diretora-executiva. A criança terá ficado com «hematomas pelo corpo todo» e «feridas abertas», mas a mãe optou por não levar o filho ao hospital «porque teve medo» e tratou-o em casa, relata a Renascença citando Ana Mansoa. Também não apresentou queixa, pela mesma razão, e conta que «o menino acorda de noite com pesadelos e a chorar, não quer ir para a escola». Os vídeos, filmados pelo sexto elemento do grupo de agressores, já não estão disponíveis e seria neles que se poderiam ouvir os insultos a que a criança terá sido sujeita: «Nomes que não posso proferir», e afirmações como «vai para a tua terra», «tu não és daqui», «não queremos nada contigo» entre outras frases, conta a diretora à RR. O relato segue com pormenor: apenas um dos agressores terá sido suspenso por três dias pela direção da escola. «Foi muito grave e com um impacto muito grande, não só no bem-estar físico, mas também emocional e psicológico desta família, que acabou por pedir transferência da escola e acabamos por conseguir concretizá-la para a segurança da criança», contou. A diretora da instituição criticou ainda a forma como o caso foi tratado pela escola: «Foi muito insuficiente para a gravidade dos factos. Foi uma abordagem muito conservadora. Foi um discurso que pôs o enfoque em serem crianças, não poderem valorizar estes comportamentos e que a mesma tinha sido uma situação isolada. A própria escola não denunciou o caso. A meu ver isto é grave». 

Presidente da República, partidos, Carlos Moedas, APAV assim como as ministras da Administração Interna e da Segurança Social, vieram prontamente a público mostrar a sua indignação por casos de violência em contexto escolar, sublinhado a sua repulsa em relação ao racismo e garantindo maior vigilância e proteção nas escolas.

Mas, na quarta-feira ao final do dia, o Ministério da Educação emitiu um comunicado surpreendente deixando mais perguntas do que respostas: «A Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) contactou os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas do concelho de Lisboa, não tendo sido identificada por estes nenhuma situação semelhante à relatada na comunicação social sobre um alegado ‘linchamento’ a um aluno ‘de 9 anos’, de nacionalidade nepalesa, ‘numa escola de Lisboa’». Diz o comunicado que foi contactada «a associação que denunciou o alegado episódio, tendo esta inicialmente recusado colaborar. Após insistência, os serviços da DGEstE conseguiram apurar o estabelecimento de ensino em que a suposta agressão teria ocorrido». O qual pertence ao concelho da Amadora e não de Lisboa. Contactada a escola, «a Direção informou que os únicos alunos de nacionalidade nepalesa a frequentar o Agrupamento estão no Ensino Secundário». E garantiu «desconhecer por completo o alegado episódio ou qualquer situação semelhante, não tendo inclusive recebido qualquer participação sobre um ato idêntico. Não existe, por isso, qualquer ocorrência disciplinar registada». 

Confrontado com estas incógnitas, o CEPAC anunciou «que está em colaboração com as autoridades competentes» e garantiu que «a verdade será apurada». Através de comunicado, fez saber que foi feita uma participação às autoridades acerca da agressão ao menino nepalês: «Os factos foram disponibilizados às autoridades competentes, a quem caberá fazer o seguimento da situação». Diz ainda que tudo isto teve origem numa «conversa telefónica que se teve de boa-fé, foi referido como exemplo, de memória, o caso em questão, conforme artigo e declarações gravadas que vieram, parcialmente, a público». E mais não adianta, por «respeito pela privacidade da família e outras partes envolvidas, e em particular das vítimas do episódio sucedido».

Ontem de manhã, em declarações à comunicação social, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, reiterou o comunicado da tutela: «Não sabemos se (a agressão) ocorreu dentro da escola, à partida ocorreu fora da escola», adiantando ainda que quando teve conhecimento da notícia avançada pela Renascença tentou reunir mais informações, mas «com os contornos que foram descritos na comunicação social não temos a identificação do caso». O ministro garantiu que «dá toda a atenção a estes casos e também a este». 

Também na quinta-feira, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Palma Ramalho, fez saber que pediu à Comissão de Proteção de Menores e Jovens em Risco (CPCJR) que fosse feita uma avaliação deste caso: «Estamos à espera do que vão dizer e avaliar a partir daí, mas temos uma grande preocupação. As crianças não podem ser agredidas. Não podem ser agredidas. Ponto». 

O Nascer do SOL tentou saber junto de fontes da CPCJR se esta entidade tinha alguma informação sobre o caso denunciado pelo CEPAC, mas foi-nos dito que «até agora não conseguimos detetar nenhum caso com estes contornos». 

A mesma fonte adiantou que, nestas situações, as escolas «estão obrigadas a sinalizar» à CPCJR e, sendo crime público da forma como está descrito o caso, até à Polícia. Se a escola não o fez, é considerado, «no mínimo, estranho», adiantou a mesma fonte. 

Filinto Lima, presidente da direção da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), confirma que são estes os procedimentos a adotar. O dirigente escolar enfatizou ainda que espera que este caso seja esclarecido com urgência: «Há uma suspeição em volta da situação e da escola pública e isso dá azo às mais diversas interpretações». O facto de o vídeo que alegadamente circulou por grupos de WhatsApp não estar disponível nem ser conhecido nos meios escolares ou proteção de menores é outra das questões que estão ainda sem resposta. 

Isto e o facto de também ser impossível o MECI desconhecer qualquer transferência de escola, caso esta tenha existido como denunciou Ana Mansoa.     

Entretanto, o Ministério Público abriu ontem um inquérito à alegada agressão na escola do concelho da Amadora. A queixa não indica a nacionalidade da vítima, apenas a da mãe – «que não é nepalesa» –, anunciou o MP ao final do dia. A PGR adianta que «por não ser até agora conhecida a concreta idade dos autores da factualidade denunciada, foram instaurados um inquérito tutelar educativo e um inquérito-crime». O inquérito tutelar educativo (ITE) encontra-se previsto na Lei Tutelar Educativa quando estão em causa factos qualificados pela lei como crime, praticados por menores entre os 12 e os 16 anos. «O MP poderá ainda instaurar um processo de promoção e proteção, caso os agressores, à data dos factos, não tivessem completado 12 anos», comunicou a PGR. 

Por sua vez, a PSP anunciou que «apenas teve conhecimento da situação através dos órgãos de comunicação social» e acrescentou: «Neste momento, estamos a recolher os elementos essenciais de informação da ocorrência para comunicação ao Ministério Público».

Ler artigo completo