"Houve muita apreensão em Bruxelas com o anúncio de eleições em França"

2 meses atrás 3349

Deixando de lado a roda dos nomes, sobram as políticas que a nova Comissão Europeia vai ter que seguir. Ricardo Borges de Castro, que trabalha para o influente European Policy Centre (EPC), ajuda a alinhavar um roteiro para os próximos altos cargos da União Europeia e admite que "houve muita apreensão em Bruxelas com o anúncio de eleições em França".

Independentemente dos nomes, qual é a sua expectativa sobre as prioridades do executivo comunitário nos próximos anos?

Vai ser entretanto adotada a Agenda Estratégica 2024-2029 que o Conselho Europeu tem estado a preparar. Aparentemente há três grandes áreas. A primeira tem a ver com a segurança e com a defesa, para aumentar a capacidade da União Europeia de se defender, já que estamos num contexto de guerra no continente europeu. É tudo aquilo que são áreas ligadas ao poder efetivo.

Outra prioridade será chamada de "prosperidade", que se relaciona com a capacidade industrial da União Europeia, com a competitividade e o crescimento económico, com áreas muito faladas hoje em dia, da competição Internacional, tecnologias de fronteira ou de ponta, como a inteligência artificial ou a computação quântica.

E depois, em princípio, haverá uma terceira prioridade, que tem a ver com o Estado de Direito e com as questões sociais.

Diria que as áreas da segurança e defesa, alargamento, competitividade, política industrial, agricultura e as questões do Estado de Direito vão ser questões fundamentais.

A sombra húngara da adesão ucraniana à União Europeia

Nas questões mais sociais, a imigração também é muito importante, até porque agora tem muito a ver com a implementação de políticas que foram adotadas. No debate da competitividade, vai ser interessante avaliar como vai ficar toda a parte das políticas de descarbonização e do Pacto Verde.

Nas áreas que têm a ver com a segurança e com a resiliência da União Europeia, o tema da segurança energética vai ser muito importante, mas tem que ser conciliado também com os esforços de descarbonização e do fomento das energias renováveis. Estes vão ser alguns dos temas prioritários no próximo ciclo institucional.

Há espaço para concretizar a ideia das obrigações de defesa (“defense bonds”) para financiar a despesa militar europeia e que está a ganhar cada vez mais apoiantes?

Não sei se serão especificamente os “defense bonds”, mas há de facto um debate neste momento aberto. Foi pedido à Comissão que desenvolvesse propostas onde eventualmente a ideia da emissão de dívida conjunta faça parte da discussão. Vamos ver ainda que tipo de propostas é que vão ser postas em cima da mesa.

Lembro o discurso que o Presidente Macron fez recentemente na Sorbonne onde foi muito específico sobre o que deveria ser feito. A agenda estratégica vai estar muito enformada também por este discurso, porque também aborda temas que já estavam a ser discutidos aqui em Bruxelas.

Do ponto de vista das prioridades, dos temas e das políticas públicas da União Europeia, creio que é um discurso relevante porque constrói uma narrativa à volta daquilo que deve ser feito à volta destas três áreas: poder, prosperidade e pessoas ou democracia e aquilo que é a identidade Europeia.

António Costa mais perto de ser presidente do Conselho Europeu

Inevitavelmente vai ter que haver uma conversa sobre as diferentes obrigações e emissão de dívida pública. Por exemplo, recentemente, a primeira-ministra da Dinamarca - e os dinamarqueses sempre foram relativamente reticentes a isto - abriu a possibilidade de discutir isto.

Há algum movimento em relação a estes temas porque também já se percebeu que, com o orçamento atual que é de 1% do produto de todos os Estados-membros, não é suficiente. A agenda é demasiadamente ambiciosa para os recursos que têm.

O novo orçamento também é outro debate que rapidamente vai começar nos próximos anos. Como vai ser estruturado? Como é que vai ser pago?

Como é que esta situação particular em França, com eleições em breve, e Macron numa posição difícil, foi lida em Bruxelas?

Houve muita apreensão sobre essa decisão. Foi uma surpresa e aquilo que muitos comentadores e jornalistas têm dito aqui é que não perceberam ainda se isto é o Brexit de Cameron ou são as jogadas arriscadas de Sanchez. Qual é que vai resultar?

Quando se olha para os agentes políticos, a pergunta que eles muitas vezes fazem é: “qual é a alternativa que há neste momento neste contexto político?”

Creio que o Presidente Macron, eventualmente, iria ser obrigado a tomar esta decisão daqui a uns meses e, portanto, ele antecipa este calendário e tenta retomar a iniciativa. Seguramente que é arriscado, mas em política estas coisas têm riscos.

Temos visto também em França alianças que se fazem e se desfazem no mesmo dia, com a implosão do tradicional centro-direita. Neste momento há uma grande trepidação política em França, que obviamente é preocupante por causa da forma como os mercados e os agentes económicos estão a ver aquilo que pode vir aí. É uma jogada de alto risco em que ninguém sabe que resultado é que isto vai ter.

O Presidente Macron será ainda Presidente até 2027. Obviamente que pode também mudar, se o resultado das legislativas for assim tão mau. Não sabemos que decisão poderá ele poderá vir a tomar.

Olho para quem eram as alternativas, e era manter isto até outubro. Creio que isto era uma coisa quase inevitável e portanto, ele neste momento está a tentar pedir uma clarificação, porque pode ser que não venha a gostar do resultado que vai ter.

Ler artigo completo