Israel sob forte barragem diplomática

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A recusa do governo de Benjamin Netanyahu em aceitar a existência de dois estados na Palestina levou o resto do mundo a levantar-se contra Israel. De algum modo, a decisão isolou o Estado hebraico.

A recusa de Israel em aceitar a existência de dois Estados na Palestina despoletou uma intensa atividade diplomática, toda ela no sentido de convencer o governo de Benjamin Netanyahu de que essa hipótese não pode deixar de estar em cima da mesa. E que não é o governo de Netanyahu que tem a sua posse exclusiva uma decisão sobre a matéria. De algum modo, neste momento, o governo israelita está sozinho contra o resto do mundo – contra todo o resto do mundo.

A ideia de que não há lugar a dois Estados na Palestina (é assim que se chama aquela parte do mundo) já não é nova. Na entrevista que o Embaixador israelita em Portugal, Dor Shapira, concedeu ao JE em novembro passado, isso ficou muito claro: “quando a guerra acabar, vamos sentar-nos e conversar sobre isso”, disse – sem querer especificar quem seriam as partes que se sentariam à mesa. Nas semanas seguintes – e numa altura em que era evidente que o Hamas não seria um dos convidados para o debate – ficou também claro que a Autoridade Palestiniana não seria autorizada a participar no debate. Ou seja, para Israel, só Israel teria de decidir sobre a matéria.

Agora que Netanyahu verbalizou aquilo de que a comunidade internacional suspeitava – não há espaço para a Palestina na Palestina – até mesmo a administração norte-americana entrou em modo de alerta.

Biden disse este fim-de-semana que a criação de um Estado independente para os palestinianos não é impossível enquanto o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ainda estiver no cargo, e que os dois líderes discutiram o assunto durante um telefonema. “Acho que seremos capazes de resolver alguma coisa”, afirmou, quando questionado sobre se reconsideraria as condições da ajuda a Israel se a solução dos dois Estados desaparecer do mapa político.

“Há vários tipos de soluções de dois Estados. Há uma série de países que são membros da ONU que ainda não têm suas próprias forças armadas. Há um número de estados que têm limitações, acho que há maneiras de isso funcionar”, afirmou – o que deixou alguns comentadores sem perceberem bem o que queria Biden dizer em concreto. Mas em nenhuma altura o presidente dos Estados Unidos colocou a hipótese de bloquear a possibilidade da existência de dois Estados.

Da mesma forma, António Guterres, secretário-geral da ONU, disse este fim-de-semana que o direito do povo palestiniano de construir seu próprio Estado “deve ser reconhecido por todos”. “A recusa em aceitar uma solução de dois Estados para israelitas e palestinianos, e a negação do direito à soberania do povo palestiniano, são inaceitáveis”, insistiu. Tal postura “prolongaria indefinidamente um conflito que se tornou uma grande ameaça à paz e à segurança globais; exacerbar a polarização; e encorajar extremistas em todos os lugares”, alertou Guterres – o que é uma evidência que vários analistas têm afirmado: a guerra na Palestina é a maior escola para a próxima geração de guerrilheiros do Hamas.

“O direito do povo palestiniano de construir o seu próprio Estado deve ser reconhecido por todos”. A cimeira do Movimento dos Não-Alinhados, onde estava Guterres (no Uganda) “condena veementemente a agressão militar ilegal israelense contra a Faixa de Gaza” e pediu “um cessar-fogo humanitário duradouro”, refere um comunicado final. “A independência e soberania do Estado da Palestina, com Jerusalém Oriental como capital, a fim de alcançar uma solução de dois Estados”, é, dizia ainda o documento, uma exigência.

O Movimento dos Não-Alinhados é um fórum de 120 países que não estão formalmente alinhados com nenhum grande bloco de poder. Os seus membros incluem Índia, Irão, Iraque e África do Sul.

Entretanto, Estados Unidos, o Egipto e o Qatar estão a pressionar Israel e o Hamas a aceitarem um plano abrangente que acabe com a guerra, promova a libertação de reféns mantidos em Gaza e, finalmente, leve à normalização total das relações entre Israel e os seus vizinhos árabes. O estabelecimento de um Estado palestiniano, informou o “The Wall Street Journal”, é outra das exigências da ‘troika’.

O plano, cuja implementação completa levaria 90 dias, segundo a imprensa israelita, supostamente interromperia todos os combates, durante os quais o grupo radical palestiniano, libertaria, logo à partida, todos os civis que mantém em cativeiro.

Israel libertaria simultaneamente centenas de prisioneiros de segurança palestinianos, sairia das cidades de Gaza, permitiria a liberdade de movimento na Faixa, cessaria a vigilância por drones sobre a região e dobraria a quantidade de ajuda que entra no território controlado pelo Hamas. O grupo deveria libertar soldados das FDI, as forças de defesa de Israel.

Uma terceira fase faria com que Israel retirasse tropas para a fronteira com Gaza, enquanto o Hamas libertaria os últimos reféns – soldados e homens em idade de combate que considera soldados.

Autoridades egípcias disseram que haveria conversas sobre um cessar-fogo permanente, a normalização entre Israel e a Arábia Saudita – que disse entretanto que só o cessar-fogo promoveria essa normalização – e um novo processo que levaria à criação de um Estado palestiniano. A ‘troika’ sabe que é praticamente impossível que, neste momento, Israel dê o seu acordo a este plano. As autoridades egípcias acrescentaram que Israel está a evitar conversas sobre um cessar-fogo permanente.

A União Europeia também está a fazer a sua parte, insistindo que Israel não tem forma de impedir a criação de dois estados na Palestina. O chefe da diplomacia dos 27, Josep Borrell, disse também que há provas de que Israel financiou a criação de grupos anti-israelitas – o que deixou vários comentadores pasmados, não sabendo por certo que Israel admitiu isso mesmo há mais de duas décadas.

Shlomo Ben-Ali, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros à época da segunda intifada, escreveu um dia (num livro dado à estampa em 2000) que “Israel é o único Estado na história que armou os seus inimigos para obter segurança”. Na entrevista de novembro, o JE solicitou um comentário sobre a frase a Dor Shapira, que afirmou: “É uma declaração muito interessante. Não li o livro, mas se entendo o seu sentido, refere-se ao Acordo de Oslo [assinado em 1993], quando os israelitas e os palestinianos começaram um processo tendente a encontrar uma solução para o conflito entre ambos. Durante esse processo, nós criámos a Autoridade Palestiniana, a sua polícia – demos-lhes armas. Aliás, uma das críticas internas em Israel em relação ao governo da altura foi precisamente que lhes foram dadas armas – que acabaram por ser usadas contra nós”.

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