ISTSat-1: Do sonho à realidade e à ‘boleia’ da nova geração de foguetões europeus

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A ocasião é duplamente especial. O ISTSat-1, o primeiro nanosatélite universitário português, desenvolvido por estudantes e professores do Instituto Superior Técnico (IST), prepara-se para seguir rumo ao Espaço. O ‘sonho’ que começou a ser desenvolvido em 2017 vai tornar-se realidade à ‘boleia’ do foguetão Ariane 6, que, depois de vários atrasos e adiamentos, vai finalmente levantar voo, marcando o regresso da Agência Espacial Europeia (ESA) aos lançamentos espaciais. 

O satélite ISTSat-1, selecionado pela ESA no âmbito do projeto Fly your Satellite, não estará sozinho a bordo do novo foguetão. De acordo com a agência espacial, o Ariane 6 leva consigo um conjunto de nanosatélites (ou CubeSats), incluindo outros equipamentos desenvolvidos a nível universitário, como é o caso do 3Cat-4 (da Universidade Politécnica da Catalunha, Espanha), mas também várias experiências científicas. 

O foguetão Ariane 6 vai partir do Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, onde já se encontram Rui Rocha e João Paulo Monteiro, investigadores do IST NanoSatLab, o consórcio através do qual o projeto do ISTSat-1 foi desenvolvido. 

Este consórcio é liderado pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores: Investigação e Desenvolvimento (INESC-ID) e dirigido por Rui Rocha, coordenador do projeto do satélite universitário, e Gonçalo Tavares (INESC-ID).

Segundo a ESA, o lançamento conta com uma ‘janela’ temporal entre as 15h00 e as 19h00 locais (ou seja, entre as 19h00 e as 23h00 na hora de Lisboa) e pode ser acompanhado em direto através da ESA Web TV

Pequeno, mas com muita tecnologia no interior

Com excepção dos painéis solares, o ISTSat-1 foi desenvolvido integralmente por estudantes e professores do Técnico. Este pequeno cubo de 10x10x10, com arestas com 10cm, terá como missão testar a capacidade de deteção da presença de aviões em zonas remotas. 

Em entrevista à Exame Informática, Carlos Fernandes, investigador do IST NanoSatLab, explica que o ISTSat-1 se enquadra na categoria dos NanoSats ou CubeSats: uma categoria que se foi tornando cada vez mais popular com a mudança do paradigma dos satélites. 

“Há cerca de uma década, o paradigma dos satélites mudou”, detalha. “Nós estávamos habituados a satélites muito grandes – com um peso enorme, do tamanho de autocarros, e que eram lançados por empresas muito grandes com financiamentos enormes, com necessidade de lançadores muito potentes e muito complexos do ponto de vista de sistemas”. 

Com o surgimento de uma nova tendência, chamada New Space, a democratização do acesso ao Espaço começou a ganhar mais força. “Em lugar daqueles satélites que têm múltiplas funções e que são lançados uma vez e que duram entre 15 a 20 anos, passou-se para uma outra filosofia em que os satélites passam a ser mais pequenos – podem ser até do tamanho de uma caixa de fósforos – mas com funções mais específicas, mais reduzidas ou mais limitadas”, explica. Aqui, a grande vantagem é que estes equipamentos, que servem funções específicas para determinados fins, podem ser lançados com custos muito mais baixos. 

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No seu interior, o ISTSat-1 consegue transportar toda a tecnologia necessária para cumprir a sua missão. “Aquilo que nós pretendemos com este satélite é fazer a descodificação de mensagens de um sistema de monitorização de tráfego aéreo, que é o chamado ADS-B”, indica Carlos Fernandes. “Este é um sistema em que os aviões emitem a sua posição e permite aos outros aviões e aos terminais em Terra receberem a sua posição”. 

Um dos desafios foi, precisamente, “reduzir esta função por forma a que ela possa caber num satélite com esta dimensão pequena, respeitando todas as necessidades desse standard”. “Nós temos de conseguir que todo o hardware consiga ser alimentado e que tenha energia suficiente, porque uma das limitações principais de um satélite muito pequeno é a gestão da energia”, afirma.

Mas, como conta o investigador, o grande desafio passou pelo desenvolvimento de todo o sistema ‘em casa’. “Numa perspetiva diferente de outras entidades que lançam satélites, em que compram os módulos já feitos e fazem simplesmente a integração, a nossa foi criar os módulos do zero, projetando os sistemas e construindo-os de raiz”, realça Carlos Fernandes. 

Para a equipa responsável, o desenvolvimento do projeto trouxe não só a aquisição de novos conhecimentos, mas traduziu-se também num impacto a nível académico. “Criámos com o ISTSat uma equipa enorme, com cerca de 50 pessoas envolvidas no desenvolvimento deste satélite, dos quais 30 e muitos estudantes, que fizeram as suas teses de mestrado e doutoramento”, destaca o investigador, que não esquece também todos os estudantes que estiveram ligados durante bastante tempo ao projeto. 

ISTSat-1 equipa de lançamentoEquipa de lançamento do ISTSat-1 | Créditos: IST

Atingir o grau de maturidade da tecnologia foi outro dos principais desafios que a equipa conseguiu ultrapassar. “É muito comum, nos nossos trabalhos na universidade, nós pararmos num nível de maturidade mais baixo, em que se desenvolve um sistema e se integra, mas ele não passa do laboratório. Mas, neste caso, conseguimos chegar ao patamar mais elevado”, realça o investigador. 

Uma missão a 580 km da Terra

Inicialmente, e como detalhado por Rui Rocha à Exame Informática em 2018, o objetivo seria que o ISTSat-1 fosse lançado a partir da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). No entanto, e por opção da ESA, foi mais tarde decidido que o satélite seguiria rumo ao Espaço à ‘boleia’ do foguetão Ariane 6. 

“Para nós foi interessante, porque nós estávamos a contar com o lançamento a partir da ISS”, conta Carlos Fernandes. “ A ISS tem especificações ainda mais ‘apertadas’ o que significa que, para a nossa equipa foi um desafio ainda maior respeitar essas especificações. Mas foi uma ‘escola’ para nós”. 

Quando chegar ao Espaço, e depois de ser projetado pelo Ariane 6, o ISTSat-1 entrará em  órbita baixa circular, isto é, a uma distância de 580 km da Terra. Como explica o investigador do IST NanoSatLab, depois do compasso de espera necessário, cerca de 45 minutos, o satélite vai ‘começar a acordar’, realizando uma revisão a um conjunto de parâmetros importantes, como a bateria, abrindo depois as suas antenas de comunicação. “A partir desse momento, ficará em condições de poder comunicar com quem esteja a ouví-lo cá em baixo”, afirma Carlos Fernandes. 

A receção dos dados recolhidos pelo satélite será realizada pela equipa do Técnico na estação-terra do polo de Oeiras. Como detalhado em comunicado, a equipa vai comparar a informação recebida com dados de referência para assegurar que o ISTSat-1 está a cumprir a sua missão científica e a detectar a presença de aviões em zonas remotas. 

Ao todo, espera-se que o satélite permaneça no Espaço por cerca de cinco anos e, após cumprir as suas funções, será desativado, voltando a reentrar na Terra, onde arderá durante o processo de entrada na atmosfera. 

Olhando para o futuro, ainda não há um ISTSat-2 a caminho e, segundo Carlos Fernandes, para já, o objetivo é que a equipa de o desenvolveu e as entidades que participaram no projeto através do consórcio ST NanosatLab continuem a desenvolver e a expandir o conhecimento que foi adquirido através de novas iniciativas. “Obviamente que não está fora de questão um ISTSat-2, mas, neste momento, estamos ocupados com alguns projetos que vão aplicar os conhecimentos que foram adquiridos aqui”, realça o investigador.

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