João Henriques: «Na Suécia tive entrevistas de abril a setembro… Em Portugal, dão-me 24, 48 horas para decidir»

1 hora atrás 24

Na frenética correria dos dias, na azáfama do quotidiano, na constante necessidade de novas correspondências, urge a paragem, o travão, o distanciamento. É num momento desses que está João Henriques, treinador português que conta com cinco aventuras diferentes na primeira Liga portuguesa e que aguarda que o telefone toque. Quando tocar... vai querer saber mais.

A forma como um treinador é recrutado é um dos pontos fortes da conversa que o técnico teve com o zerozero. Acedeu ao convite para poder visitar as nossas instalações e partiu para uma conversa profunda. Durante hora e meia, recordou tempos recentes, tempos mais antigos, histórias que vão de Guimarães aos Açores, de Portugal à Suécia, do 3-4 na Luz ao desentendimento com Sérgio Conceição.

@José Pedro Afonso

zerozero: Muito obrigado por ter vindo aqui à casa que preserva o futebol. Começamos pelo presente... Como é que tem sido o dia-a-dia à espera, no fundo, que o telefone toque?
João Henriques:
Muito gosto de estar aqui também. Para falar de futebol, com pessoas do futebol, na parte dos mídia, é sempre um prazer. E parabéns pela casa que construíram e está a fazer um trabalho excepcional.

Relativamente ao dia-a-dia, neste momento, é muito baseado na observação, análise dos mais diversos campeonatos, nomeadamente o nosso, ver as tendências evolutivas do próprio jogo, as tendências evolutivas do futebol em si como indústria, e muito trabalho também de preparação para o próximo projeto, juntamente com a restante equipa técnica. Estamos em constantes reuniões de trabalho, onde vamos analisando o que estamos a ver par perspetivar o nosso próximo passo.

ZZ: Já lá vão três, quatro anos desde que deixou o último projeto em Portugal. Que evoluções é que tem sentido nestes tempos mais recentes?
JH:
Relativamente ao nosso país, sinto que há clubes que cimentaram realmente a evolução e cimentaram também a sua forma de estar e de jogar, de vender os jogadores, porque nós em Portugal estamos muito vocacionados para isso. É inevitável e é um campeonato que proporciona isso. Não estamos a falar no top 5, estamos a falar logo no campeonato que vem a seguir, e normalmente esses top 5 olham imediatamente para o nosso, que tem sempre jogadores jovens a aparecer com muita qualidade e que tem uma formação em Portugal com qualidade, potenciados ainda pelas seleções jovens.

qGosto muito do Klopp pela forma de pôr a responsabilidade-divertimento dentro do jogo. Este misto de responsabilidade-divertimento, com a equipa alegre dentro de campo, agressiva, muitas vezes na vertigem, é que conseguia entusiasmar os adeptos

O campeonato é competitivo, apesar de haver ainda aquele gap enorme entre os clubes que lutam pelo título e os restantes, existindo ali no intermédio dois, três clubes que estão realmente a fazer muito bons trabalhos. Apesar de tudo, existe muita competitividade, existem boas equipas técnicas, existem bons jogadores, que são sempre muito visíveis para os campeonatos da nossa periferia. Estamos a olhar para a Europa, mas nós exportamos muitos jogadores e treinadores para todo o mundo, com especial incidência para o futebol brasileiro, em termos de treinadores, para a Arábia Saudita, em termos de treinadores, para o Médio Oriente. Além, claro, dos que estão ao mais alto nível, no caso do Paulo Fonseca, o Marco Silva, o Nuno Espírito Santo, que são aqueles que nesta altura estão mais acima em termos de campeonatos, mas que são a representação da qualidade do treinador português

Há muitas equipas, umas na moda, outras porque acreditam naquilo que é jogar com os três centrais, com estruturas de três/cinco, se é assim que se pode dizer, uns mais a cinco, outros mais a três, vejo muita gente a ir nessa tendência.

zz: Mas parece que nesta altura está um bocado misto, não é? Em Portugal, surgiu há uns anos e maximizou-se no Sporting de Amorim, em termos mediáticos. Nesta altura as coisas parecem um bocadinho distribuídas de forma equitativa na linha de três e na linha de quatro.
JH:
Sim, sem dúvida. Há também aqueles sistemas mais híbridos, que foi o Carvalhal que montou, tem uma linha de quatro, mas um dos laterais sempre a ficar, depois na construção, com três… É um pouco tudo isso que temos observado. Eu tenho uma ideia muito clara, eu prefiro ter a linha de quatro e depois construir a três, dependendo das soluções que existem no plantel, como já fiz anteriormente em Portugal, no Santa Clara, nós construímos a três, mas com um médio a baixar e os laterais muito mais projetados. Na altura, o Zaidou e o Rafa [Rafael Ramos] eram os laterais, com as características que têm mais projetados, e era um dos médios a vir construir: foi o Rashid, foi o Chico Ramos, médios com qualidade para construir, depois mais tarde o Santa Clara continuou com essa tendência, mas mais com o Morita, com o Anderson Carvalho.

Olho muito para o clube tem. Por exemplo, no Olimpia, na minha última experiência, fazia exatamente isso, mas com o lateral esquerdo, o David Suahele [português formado no FC Porto e Sporting]. Era ele que, com os centrais, fazia essa construção, e não tanto com os médios. Mas isto para dizer que, olhando para aquilo que tem sido a tendência, existe isto, há treinadores que gostam muito e são… não vou dizer fundamentalistas, mas estão muito agarrados àquele sistema. Está bem estruturado, bem trabalhado, como é o caso do Rúben.O Sporting está, nesta altura, muito forte, com jogadores muito confortáveis.

zz: Já escolhe a dedo dos jogadores para determinada função. Mais do que posição, a função.
JH:
Sem dúvida, até porque o tempo que tem de treinador dentro da casa fez com que isso seja possível. E as pessoas também acreditam, porque os resultados vão aparecendo. O Sporting joga bem, ganha, os jogadores estão confortáveis, o treinador está confortável, a estrutura, que aparentemente quem vê de fora, funciona, entre duas, três pessoas dentro da estrutura que tomam as decisõe. As coisas resultam.

Eu olho um bocadinho para aquilo que aconteceu também comigo no Santa Clara, que éramos duas, três pessoas a decidir, e a coisa funcionava por isso mesmo. Não se vai buscar um jogador só porque é bom jogador, não, vai-se buscar um jogador que entra dentro da ideia do treinador, de acordo com a filosofia do clube, e aquilo flui para algo que é rentável em termos financeiros.

zz: Num conceito profissional, demasiada democracia pode não ser positiva? Ou seja, se forem demasiadas pessoas a terem voto na matéria, o rumo é mais difícil de traçar.
JH:
Eu senti isso pelas experiências que fui tendo. Para mim, é claro: não pode ser só o treinador a ir escolher o jogador para o que ele pessoalmente quer; e não pode ser o clube a ir buscar um jogador de acordo com aquilo que o clube pensa que é o melhor. Tem que haver aqui um equilíbrio, um jogador que seja rentável para a filosofia do clube, de acordo com as ideias que o treinador tem, porque se é um projeto, se realmente é um projeto, como muitas vezes se agarra na bandeira e diz «temos aqui um projeto fantástico», tem que ser de acordo com o treinador, que vai ficar durante algum tempo no clube. Vou aqui pôr um parênteses e umas aspas, as duas coisas, tem que ser um jogador à Porto, um jogador à Benfica, um jogador à Sporting, de acordo com as ideias do treinador também. Por exemplo, não se pode construir um plantel Sporting com quatro centrais, porque o Sporting joga sempre com três e tem que pensar muito mais à frente do que isso, não pode estar limitado, até porque o clube pode achar que a estrutura é um 4-3-3 e o treinador vem com o 3-4-3, como é o caso.

Quando se começa a especular em termos de imprensa, que é normal, quando um treinador está a ser ligado a determinado clube, nós olhamos para um Liverpool e ninguém vai acreditar que o Liverpool vai passar a jogar com três centrais. É histórico. O clube, que eu me lembro, nunca jogou com três centrais. Olho sempre para o Liverpool a jogar em 4-4-2 ou 4-3-3.

zz: Jorge Jesus tentou, na segunda passagem no Benfica, jogar com três centrais e não resultou. O próprio Sergio Conceição, aqui e ali, também optou por essa solução no FC Porto. Ou seja, há ADNs que se sobrepõem...
JH:
Há uma cultura. Por acaso, tenho um episódio muito engraçado com um ex-jogador do Millwall, que é amigo do Stefan Schwartz. Estávamos todos a conversar, e ele, como adepto do Millwall, dizia que para ele era detestável ver as equipas do Guardiola. Porque, na ideia dele, na ideia dos adeptos Millwall, por exemplo, a equipa tem que ser 4-4-2 e tem que ser kick and rush, porque é cultural. Essa equipa não pode ir buscar um Guardiola. Se bem que o Guardiola vai-se adaptando também aos locais onde estão.

zz: E não é intransigente.
JH:
 Não, porque o Guardiola de Barcelona não é igual ao Guardiola de Munique, nem é igual ao do City. É diferente. Por isso é que ele é um dos melhores do mundo, se não o melhor do mundo. É cultural e isso tem que bater tudo certo. O clube vai buscar um perfil de treinador. E, da mesma forma, jogador. Muitas vezes, quando se substitui um avançado, eles podem ter muita qualidade os dois, mas, se ele gosta de um avançado pressionante, que é o primeiro defesa da equipa, recuperador de bolas, é um avançado que gosta da profundidade, ou que gosta de baixar entre as linhas, se vai buscar outro com características completamente diferentes e quer jogar da mesma forma, aquilo não vai funcionar.E não é pela qualidade ou não do jogador. Houve erro no casting porque não se adequa à ideia do treinador e à filosofia do clube. Vou voltar àquilo que nós estávamos a dizer em termos burocráticos, é mais fácil fazer estas ligações com menos gente do que com uma lista interminável de pessoas: é o chief scout, depois passa para o diretor, e depois o diretor técnico passa para o diretor desportivo, o diretor desportivo passa para o treinador, e depois começa a haver muita gente. Se a máquina estiver oleada, toda a gente com as mesmas ideias, está tudo bem. Mas quanto mais gente há, mais difícil é organizar exatamente isso.

qÉ unânime dizermos que a comunicação do Rúben é muito boa. Para os adeptos, interna, externa, para os media, está muito à vontade. E isso foi, quanto a mim, o calcanhar de Aquiles do Roger Schmidt

zz: Há pouco estávamos a falar da estruturação perante uma ideia, e estávamos a dar o exemplo do Rubén Amorim, mas, na verdade, se nós olharmos para um caso como o de Roger Schmidt do Benfica, acaba por acontecer um bocadinho isso. Também havia uma estruturação com base numa ideia. Porque é que num caso resulta e num outro caso não resulta? Terá a ver com outra coisa? Empatia? Comunicação?
JH:
Também, também. Se formos comparar, é unânime dizermos que a comunicação do Rúben é muito boa. Para os adeptos, interna, externa, para os media, está muito à vontade. E isso foi, quanto a mim, o calcanhar de Aquiles do Roger Schmidt. O Rúben conhece muito bem o futebol português, o Roger Schmidt passou por vários contextos mas, na altura que se teve de adaptar, na fase mais difícil, não conseguiu puxar os adeptos para si e isso foi fundamental.

zz: Não se adaptou tanto como poderia ter feito.
JH:
Sim, mas isso nós vamos todos aprendendo com alguns erros que cometemos. Por exemplo, se olharmos para um caso de sucesso, o do Rúben, tem períodos também de insucesso, mas que foram bem geridos. Tem o quarto lugar e tem época que entra a meio. Não começa bem, porque não tinha que começar bem, porque é uma ideia diferente que entra ali e ele vai reajustando e foi só para terminar, mas muitas vezes acontece isso a muitos treinadores, pois não são protegidos e ele também não sabe gerir essa questão. Quando ele entrou no Sporting, foi inteligente na forma como foi abordando as situações, porque a exigência Sporting, exigência Benfica, exigência FC Porto, exigência Vitória SC, exigência SC Braga, hoje em dia, não se dão as épocas de borla a ninguém.

Começou época 21/22 no Moreirense @Catarina Morais / Kapta +

Porque há tantas mudanças de treinadores em Portugal? «Vão atrás das modas...»

zz: Quem é o seu treinador referência nesta altura?
JH:
Eu já disse isto muitas vezes, eu vou bebendo de vários bons exemplos.

zz: De quem é que anda a beber mais nesta altura?
JH:
Eu gostava muito do Klopp pela forma de pôr a responsabilidade-divertimento dentro do jogo. Este misto de responsabilidade-divertimento, com a equipa alegre dentro de campo, agressiva, muitas vezes na vertigem, é que conseguia entusiasmar os adeptos. A forma como ele sai de qualquer clube mostrou isso mesmo.

zz: Além dos títulos, deixa marca.
JH:
Deixa marca. Mas, lá está, ele conseguiu uma coisa que eu ainda ando atrás, à procura, que é, ele conseguiu, no Mainz, no Dortmund, no Liverpool, estar muitos anos a trabalhar, a consolidar trabalhos, onde teve épocas de sucesso e de insucesso, claro, mas a sua maneira de estar e a sua forma de comunicar foram-lhe garantindo continuidade nos trabalhos. Por isso é que ele também teve sucesso, porque, salvo o erro, só à quinta época é que tem sucesso no Liverpool. Tem ali sétimos lugares, nonos lugares e depois é que se vai conseguindo aproximar do que é o Liverpool hoje em dia. São trabalhos consolidados e isso, sem dúvida alguma, não é permitido na maioria das equipas, nomeadamente em Portugal. Estamos a falar das tendências e da atualidade, infelizmente é muito resultadista:  dois, três jogos, cinco jogos, dez jogos e ninguém consegue deixar a marca em dois  ou três meses de trabalho. É impossível.

zz: Porque é que isto continua a acontecer em Portugal? Nos últimos anos, tinha havido uns inícios de época muito mais pacíficos e até compreensivos, pacientes, em relação a trabalhos de novos treinadores. Este ano, as coisas voltaram a entrar numa hecatombe, desde a saída do Tozé Marreco, Roger Schmidt, Daniel Sousa, portanto, vários treinadores que saíram logo nas primeiras etapas.
JH:
Não é pela competência dos treinadores, de todo. Se eles foram para estes projetos, é porque mostraram competências anteriormente. Pode não resultar naquele contexto, Porque há, sobretudo, no meu ponto de vista, erros de casting. Não porque as pessoas também não saibam o que estão a fazer. Não. É um bocadinho daquilo para onde nós começámos há pouco a conversar. Quando se vai contratar o treinador, deve-se conhecer a pessoa, conhecer as suas competências, as suas ideias, e se está de acordo com as ideias do clube. Mas isso não se faz.

zz: Ou seja, o clube pode ser competente com uma determinada política, o treinador pode ser competente com uma determinada ideia, mas isso não significa que se faz match.
JH:
Exatamente. E isso, para mim, é que tem sido o grande problema em Portugal. Porque as pessoas vão um bocadinho atrás das modas. Agora, são treinadores experientes. Então, toda a gente vai contratar treinadores experientes. E depois, passado um tempo, já agora é todo jovem. E depois vão todos atrás daquilo.

qEu não consigo entender que, ao final de algum tempo, pessoas de estruturas consigam comentar situações «ah, mas eu não sabia que ele era assim». Deveria saber antes de contratar. Essas frases, para mim, não fazem sentido

Está tudo certo. Há muito bons treinadores no Campeonato de Portugal, até no Distrital, e há muitos bons treinadores experientes. Há de tudo. Tem é de haver correspondência das ideias. E eu tive oportunidades há pouco tempo, de fora, em que senti o que é que é ser escrutinado minuciosamente para ver se dá match. Aqui, são as tais modas. Se eu fiz uma boa época anterior, toda a gente me quer. Mas ninguém ainda percebeu se aquilo vai dar match ou não, porque não conhecem a pessoa, as ideias, se vai de acordo com o presidente… Porque há ainda muito presidencialismo em Portugal, é o presidente que toma a decisão, é o presidente que despede, é o presidente que contrata. É aconselhado pelo diretor desportivo e, muitas vezes, o diretor desportivo tem uma ideia diferente do presidente. Mas não se sobrepõe.

zz: E, por vezes, o diretor desportivo tem maior conhecimento de fundo de futebol do que o próprio presidente, que é mais gestor de empresa, não é?
JH:
Eu não consigo entender que, ao final de algum tempo, pessoas de estruturas consigam comentar situações «ah, mas eu não sabia que ele era assim». Deveria saber antes de contratar. Essas frases, para mim, não fazem sentido, vindas de pessoas com responsabilidade dentro dos clubes. Eu passei por algumas situações em Portugal que não funcionaram por essa mesma razão e senti exatamente o contrário, principalmente fora do país, quando tive experiências de entrevistas prolongadas durante meses, onde houve muito mais que uma entrevista para determinado clube, para chegar a um final da decisão, por parte do treinador e do clube, se aquilo realmente vai resultar e se tem pernas para andar.

Último trabalho foi no Olimpija Ljubljana @NK Olimpija Ljubljana

A história da seriação na Suécia

zz: Está a falar-nos da Suécia. Teve, mais do que uma vez, hipóteses de ir treinar clubes na Suécia, clubes grandes na Suécia, num processo muito demorado e que não se concretizou. Como é que aconteceu isso?
JH:
Não. Houve uma primeira entrevista com o Malmö e houve mais uma ou outra aproximação e ficou por ali. Mas com o AIK de Estocolmo, não. Foi um processo onde eu sentia que já estava com os dois pés dentro do clube para começar a assumir as funções. Mas foi um processo que iniciou em Abril e terminou… já estávamos a entrar no início de setembro. E isto, parece-me, em Portugal não existe. Tem 24 horas para decidir, tem 48 horas para decidir…

zz: E é apenas uma conversa.
JH:
É uma conversa e é logo… Parte-se logo para as condições, e quantos anos, e os valores e não se fala do principal antes. Com o AIK, a primeira vez que tive uma entrevista foi online, tivemos uma conversa, depois convidaram-me para ir à Suécia, estive com um diretor técnico, depois fui novamente convidado para voltar à Suécia para falar com o diretor desportivo e com o diretor financeiro. Houve uma filtragem. Eles tinham vários candidatos em abril, menos candidatos em junho, menos em julho. E, quando sou chamado em setembro, já sou só eu, que já estava número um da short list.

zz: Já a ver o jogo ao lado do presidente.
JH:
Sim, já sentado na bancada. Vi um jogo, vi a segunda-mão da Conference League, que foram eliminados, vi o dérbi da cidade de Estocolmo contra o Hammarby, ao lado do Presidente, depois de ter tido uma reunião com ele, onde apresentei as ideias, a forma de jogar, a forma de potenciar os jogadores, reuniões com treinadores da formação, a observação dos jogos da equipa feminina, de uma equipa satélite chamada Equipa B, onde são colocados os jogadores que vêm da formação que não entram na equipa do AIK de Estocolmo.

zz: Fez isso por iniciativa própria ou por imposição deles?
JH:
Foi um bocadinho as duas coisas. Eu com curiosidade de conhecer o clube por dentro e, ao mesmo tempo, eles com vontade de começar a ligar já o treinador a toda a estrutura, para perceber também as minhas valências relativamente às comunicações, à forma como lidava com cada uma das situações. Mas a primeira entrevista de todas é para conhecer a pessoa, se sabe estar com eles, as ideias, os comportamentos e o saber estar, se tudo isso é adequado à ideia do clube, basicamente isto. Depois é que passamos para a ideia do AIK de Estocolmo, de onde são recrutados a maioria dos jogadores que estão na formação, dos bairros sociais de Estocolmo, onde estão muitos emigrantes localizados, onde são meninos mais de rua, a maioria, 80, 90%, vêm daí. Por isso, o adepto identifica-se, porque também são adeptos dessa zona de Solna, com um jogo mais de vertigem. O Djurgarden é o clube da coroa sueca. O Hammarby é o clube que sempre habituou os seus adeptos a jogar bom futebol, com qualidade e não tão preocupado com os títulos. O AIK mais na vertigem do jogo, mais objetivo, mais agressivo, com e sem bola. E isto vem tudo desde a formação, onde vão recrutar, quantos jogadores é que pensam que chega à equipa A por ano, quantos é que eles exigem, entre aspas, que sejam os minutos de utilização por época para esses jogadores, para promover esses jogadores, para uma possível venda, assim por aí adiante, e quantos jogadores é que necessitavam vender por ano.

Isto foi-me apresentado após a minha apresentação das minhas passagens anteriores, os jogadores que tinha promovido, vendido, que tipo de futebol é que eu tinha apresentado. Eles achavam que deveria ser eu, por isso é que eu fiquei em primeiro lugar na shortlist.

zz; Porque é que não se concretizou?
JH:
Estive em Estocolmo 11 dias com as malas, já para ficar. Num hotel mesmo ao lado do estádio. Diziam-me que estava tudo tratado, mas estava a haver uma reformulação estrutural, na direção, com novo diretor técnico e novo diretor desportivo. Estavam na transição e ali quem contrata é o diretor desportivo, não é o presidente. O diretor desportivo é que fazia a contratação, mas como estava um de saída e estava um de entrada, eu tinha que aguardar que houvesse esse processo, e esse processo iria demorar algumas semanas. Ou meses. E eu, sim senhor, tudo bem, desde que eu tenha uma garantia, algo escrito. E, quando estou na Suécia, recebo um telefonema por parte do Marítimo para assumir a equipa e onde eu tinha as tais 24, 48 horas para decidir. É um clube sempre aliciante em Portugal, é um clube grande, representa uma região, representa muito, e aquilo que me apresentaram via telefone suscitou algum interesse.

Mas eu estava muito focado na AIK de Estocolmo, falei com as pessoas e fui 100% honesto, mostrei tudo. Disse que tinha a proposta. Estava tudo encaminhado para que as coisas acontecessem e eu disse que a única coisa que queria - e não me importava de esperar até início da época em janeiro - era alguma garantia para poder rejeitar uma proposta que tinha em mãos de Portugal. Eles disseram que não funcionavam assim. Queriam muito o treinador João Henriques, mas enquanto não houvesse aquela reestruturação… E foi um momento difícil, porque sem nada, sem garantia nenhuma de que aquilo iria ser 100 por cento certo, eu estava desarmado. Estamos muito habituados, culturalmente, a que as coisas hoje são uma coisa, amanhã são outra. Inclusive, quando cheguei a Portugal e fui para Madeira, ainda falei com as pessoas em Estocolmo. Não estava nada decidido. Aliás, eu vou para o Marítimo e sei que só passado um mês, dois meses, praticamente, é que se dá a tal mudança. E eles tiveram que optar não pela segunda opção, mas pela terceira da shortlist

zz: Não voltou a haver nenhum contacto?
JH:
Houve mais umas aproximações, mas nunca coincidiu em eu estar disponível e não aconteceu. Infelizmente. Era um mercado que achava muito interessante. O Gyökeres está a resultar, o FC Porto também contratou o Gül. Têm muito bons jogadores, como o Yasin Ayari, que está a despontar no Brighton. Há sempre estes jogadores a aparecerem naquele mercado.

zz: Depreendo que, sabendo o que se sabe hoje, se calhar tinha feito de forma diferente.
JH:
Sem dúvida. Mas nós nunca sabemos, já está, são decisões que nós tomamos, decisão errada porque não houve sucesso no Marítimo, pela situação que o clube atravessava e pelo pouco tempo que lá estive. Fiz 11 jogos, chego numa altura em que o mercado estava fechado e saio antes de abrir, na altura do Mundial do Catar.

No Leixões, catapultou-se para a Primeira Liga @Catarina Morais / Kapta +

Da grandeza do Marítimo ao «presidencialismo» do Moreirense, mais duas aventuras

zz: Como é que se explica que um clube que durante tantos anos foi, podemos dizer, top-6 em Portugal, muito estruturado, muito consistente em termos de resultados, muitas vezes na Europa, de repente entre neste turbilhão a que vamos assistindo? Visto de fora, poderá coincidir com a construção do estádio, mas provavelmente não terá nada a ver.
JH:
Eu, do pouco tempo que estive na Madeira, identifiquei logo que é um clube enorme, com grande potencial. Realmente, tem um estádio lindíssimo, tem, onde nós treinávamos, um local fantástico na Ribeira Grande. E tem tudo para ser um clube que volte a ter aquela estabilidade na primeira liga, que é onde tem de estar.

Quando cheguei, não havia diretor desportivo, tinha acabado de sair a direção da SAD, estava o presidente do clube a assumir a SAD, estruturalmente havia vários problemas, e desportivamente o problema que havia era só um: zero pontos à sexta jornada. Que era grave. Depois, ao chegar, deu para perceber coisas que nós não sabemos à partida, lá está, porque não existe a tal entrevista, não existe a tal conversa, não existe aquele conhecimento profundo. Porque, se existissem os mesmos procedimentos que existiram no AIK, eu não tinha aceitado aquela situação.

zz: Mas poderá também o treinador ter outro tipo de cuidados e, no fundo, «entrevistar» o clube para se inteirar do estado que vai encontrar?
JH:
O grande problema em Portugal é que existem muitos e bons treinadores para poucos clubes. E esses muitos e bons treinadores ou aceitam aquelas condições, ou vão ficar muito tempo desempregados. Porque há logo outro a seguir na lista. Os clubes também não permitem isso. Ou o clube quer mesmo aquele treinador e é aquele treinador e dá-lhe tempo para ele questionar, e ver e tal, ou então, se há uma hesitação, passa logo à frente na lista que tem. Não estão preocupados se vai haver match ou não. São 20 treinadores na lista: se este não quer, quer o próximo. Com toda a certeza, aqueles tais 20 treinadores são todos competentes, cada um com as suas valências, mas não existe uma seriação real e concreta para aquele contexto.

No caso do Marítimo e na Madeira, o contexto era difícil, porque quando cheguei havia, salvo erro, dez, 12 jogadores lesionados, zero pontos, e desses lesionados, muitos titulares. Foi muito difícil começar a pontuar e construir um onze. Não nos deixaram sequer ter tempo para mostrar trabalho. Quando começámos a fazer alguns pontos, veio o Mundial e acharam que teriam que trocar. Porque havia muitos anticorpos. O próprio Tiago Lenho [para ocupar o cargo de Diretor Desportivo], quando chega, sentiu isso. Quando ele já estava a começar a pensar como podia estruturar o mercado de janeiro, eu saí. A responsabilidade não é do Vasco Seabra, que começou a época, minha ou do José Gomes, que a acabou. É um bocadinho de todos, lógico, mas sobretudo da forma como estava toda a estrutura, à data. Agora não sei a realidade, mas têm tudo para serem um dos clubes grandes em Portugal, estável, a dar muitas alegrias àquele povo que está constantemente no estádio. Ainda agora, mesmo na Segunda Liga, vê-se muitas vezes um estádio muito bem composto.

Infelizmente, nos meus dois últimos, três projetos em Portugal, tive um bocadinho disto. Uns mais, outros menos, logicamente não se podem comparar, são clubes diferentes. Mas, por exemplo, eu, no Moreirense só perdi com os grandes. Ali à 12ª, 13ª jornada, a equipa não estava abaixo da linha de água, de repente as coisas rompem abruptamente porque há uma ideia presidencialista de que temos que mudar. E eu não condeno isso. As pessoas sentem-se bem assim, acham que deve ser assim... mas resultou numa descida da divisão. A responsabilidade foi do João Henriques? Do Lito Vidigal e do Sá Pinto? Também tivemos responsabilidade, mas, sobretudo, estas constantes trocas nunca são boas para um clube.

zz: Será gerir por impulso?
JH:
Muitas vezes, na emoção, porque gosta ou não gosta desta situação. E isso leva a determinados erros. Claro que alguém tem de deser, mas se todos estivessem muito organizados e fosse uma descida exclusiva na questão desportiva, é jogo, é futebol, tem de ser, mas nós olhamos para algumas delas e vemos que há muitas dúvidas, não há certezas, não há estabilidade, e isso paga-se caro com essas decisões.

Foram dois casos diferentes. Atualmente, parece-me que o Moreirense já é um clube mais estável. Tem uma estrutura que pode ser pequena, mas que existe e que é extraordinária no clube. Está cheia de gente que gosta muito do clube, faz tudo, e depois tem uma pessoa que toma sempre a última decisão, que é uma pessoa que eu não tenho razão de queixa absolutamente nenhuma, a não ser no momento de me despedir. Não pelo despedimento em si, porque nós estamos sempre sujeitos a isso, mas da forma como foi, porque não se justificava. Se há sítios que nós ficamos sem saber exatamente o porquê, ali foi uma delas. Não se justificava de todo, porque a equipa até estava a praticar um futebol condizente com aquilo que nós pretendíamos. Os resultados nem estavam a ser extraordinários, nem estavam a ser maus. Inclusivamente, tínhamos acabado de eliminar o Vitória em casa, fizemos um extraordinário jogo, estivemos a vencer por 3-0 e nos descontos é que sofremos dois golos. A seguir empatamos com o Gil Vicente em casa, treinados pelo Ricardo Soares quando foram à Europa, e somos despedidos. Nós não conseguimos perceber porque, se por vezes os sinais são inevitáveis, ou a mensagem não passa, ou não há ligação, ou a equipa está a ganhar ou empatar por milagre…

qNo momento em que há o despedimento, os capitães e a equipa até quiseram, o termo foi este, falar com o homem, o presidente, porque isto não podia acontecer e a perguntarem o que se passava

zz: Não era o caso.
JH:
Não era o caso, muito pelo contrário. No momento em que há o despedimento, os capitães e a equipa até quiseram, o termo foi este, falar com o homem, o presidente, porque isto não podia acontecer e a perguntarem o que se passava. «Está tudo a correr bem, porque é que vamos estragar o que está bem?». E eu é que no balneário conversei com eles. É futebol, vamos continuar… Mas aquilo foi uma paulada grande no grupo.

zz: Nesta altura, está mais parado e em reflexão. Olhando para o trajeto mais recente, já falámos destes dois casos, no Vitória também não começou nem acabou a época. Só no Santa Clara conseguiu ter estabilidade, com duas épocas completas na primeira divisão. Do ponto de vista de autocrítica, o que é que encontrou, se encontrou alguma coisa, que precisa de melhorar ou que evitará nas próximas situações?
JH:
Basicamente, eu continuo a acreditar num chavão que eu tenho utilizado várias vezes: se me deixarem fazer um trabalho com princípio, meio e fim, vai resultar de certeza, porque sempre que aconteceu, resultou. E não só na primeira. Eu comecei no Leixões no início da época, as coisas estavam a correr muito bem, porque eu era adjunto do Kenedy e ele teve que sair por motivos pessoais. Depois, há uma continuidade de trabalho, nós conseguimos, até janeiro, agarrar na equipa e estávamos em posição de subida, quando saímos para Passos. Esse trabalho todo que foi feito ali, lá está, estava com o princípio, estava com o meio, só não terminou.

O passo para a primeira liga foi um risco assumido. Nós sabíamos que, naquela altura, eu já seria o terceiro treinador do Paços e, quando falei com a equipa técnica, disse aquilo que nos esperava, ia ser um trabalho complicado. Estávamos no final do mercado, praticamente foi na última semana do mercado, e fizemos dois jogos seguidos a vencer, o que fez com que se pensasse: «Pronto, agora ganhámos dois jogos, não ganhávamos desde outubro, afinal talvez já não seja preciso». Achou-se que era suficiente, mas não foi. Houve momentos muito bons, a vitória ao FC Porto em casa, a equipa até jogava um futebol agradável, jogadores com qualidade, promoção dos jogadores também. Fiquei marcado muito negativamente, em tempos mesmo pessoais, porque pesou-me muito a descida da divisão. Não estava preparado para sentir isso.

Maior continuidade foi no Santa Clara @Vítor Parente / Kapta+

«Perdemos contra o Belenenses, o presidente chamou-nos para jantar… e disse que era para renovar»

zz: Portanto, estabilidade no Santa Clara.
JH:
Depois tenho a sorte, realmente a sorte, de as pessoas do Santa Clara, na pessoa do Diogo Boa Alma, não olhar para o resultado final e olhar para o conteúdo que aconteceu nessa época toda - Leixões, Paços.

zz: Mas mesmo no Santa Clara, lembro-me de várias intervenções do João em conferências de imprensa. Não era propriamente um contexto de estabilidade em termos de adaptação à primeira.
JH:
Por isso é que foi tão gratificante esse trabalho. Porque eu sinto hoje que eu sou um dos que passou pelo clube nos últimos anos e teve um trabalho fundamental para o clube ser o que é hoje. Estavam há 16 anos sem estar na Primeira Liga. Havia um trabalho excecional, logo à partida, do presidente e do Diogo Boa Alma, que agarraram num clube que estava praticamente a descer ao Campeonato de Portugal e levaram-no para a Primeira. Quando passamos para a Primeira Liga, existem uma série de problemas estruturais, obviamente o clube não estava preparado para aquele salto, mas eu não fui enganado. A mais-valia de uma conversa para eu ir para os Açores.

Eu iria sempre, porque precisava de entrar após uma descida. Lá está, é aquela coisa que vamos um bocadinho às cegas, mas vamos, temos que ir, temos que agarrar, porque estávamos marcados para uma descida de divisão no Paços. Mas o Diogo teve o cuidado de dizer: as condições de trabalho são estas, este é o principal problema, temos estes jogadores, a equipa ainda não está preparada e estamos a pensar, a pouco e pouco, construir assim. Explicou-me exatamente os jogadores que tinham contrato, os que estavam de saída, os que ele achava que tinham potencial e que não tinham jogado. A perspetiva do diretor desportivo, a perspetiva do clube e o que é que se pretendia. Depois, tivemos a conversa, eles também me conheceram melhor a mim, ele seguiu o meu trabalho, considerava que, para o que era a ideia dele para clube, que eu era o treinador indicado, e as coisas correram bem por isso mesmo. Foi muito difícil, o primeiro ano então foi muito complicado, mas nós conseguimos criar ali uma família também à volta daquilo e tivemos que nos unir muito.

zz: Até porque depois, na segunda época, há o contexto da pandemia, em que vocês têm que passar dois meses no Continente.
JH:
Exatamente. Temos várias adversidades, mas essas adversidades são ultrapassadas precisamente pela boa organização, pela boa estrutura, pela confiança e por se deixar trabalhar durante um longo período. O clube precisava de começar a potenciar os ativos para vender, para crescer dentro da Primeira Liga. E hoje vê-se Zaidu, Fábio Cardoso, Fernando Andrade, Lincoln, Carlos Júnior, Thiago Santana, Cryzan, depois viria o Morita, o André Ferreira… Bem, há dois momentos-chave, nessa primeira época, para haver este crescimento. Um é que nós começamos com derrota contra o Marítimo e, no segundo jogo, perdíamos 0-3 ao intervalo com o SC Braga. Fica 3-3 e, com mais um bocadinho de tempo, ainda vencíamos o jogo. Deu uma confiança muito grande àquele povo, naquela ilha fantástica, e fez com que as pessoas se envolvessem com o clube. Nós conseguimos todos juntos, com presidente, Diogo, o Marco Santos, que era Team Manager e fez um excelente trabalho, ir organizando as coisas.

O outro momento é quando perdemos em casa com o Belenenses. No final do jogo, o presidente disse que queria jantar com a equipa técnica. E aí eu pensei: «Pronto, lá vamos nós». O presidente, ainda antes de começarmos a jantar, quis ir fumar um cigarro para a varanda do restaurante, chamou-me e disse: «Olha, nós estamos aqui porque eu estive a falar com o Diogo, nós queremos já tratar da renovação por mais uma época». E isto define exatamente aquilo que eles pensavam, o que eles viam a ser feito em termos de trabalho semanal, viram a relação que nós tínhamos com a equipa, os jogadores gostavam, a mensagem passava, o trabalho estava a ser bem feito, logo... vamos consolidar exatamente isto para que isto resulte. E isso foi a ignição, porque deu confiança, passou a confiança para os jogadores. Foi um momento-chave para depois fazermos uma época muito regular, 42 pontos e recorde do clube logo nessa primeira época, com vendas. 

Depois, uma segunda época que tem essa peripécia de termos de ir para o continente, algo assumido por nós. Não tínhamos garantido ainda a manutenção e tínhamos um calendário complicado. O primeiro jogo era com o SC Braga em casa, na Cidade do Futebol, e vencemos. Logo que vencemos esse jogo, foi um balão diferente. No final dessa época, novo recorde, mais pontos, melhor classificação.

zz: 3-4 na Luz.
JH:
A cereja no topo do bolo. O contexto que é, os números que são, a primeira vitória do Santa Clara ao Benfica. Voltando ao início deste tema Santa Clara, houve um princípio, houve um meio e houve um fim. Até a forma como nós terminámos a relação de dois anos foi diferente. Fizemos a conferência de imprensa no final do jogo em casa com o Vitória, onde nos elogiámos mutuamente, com sinceridade, num ciclo que tinha terminado, e o clube continuou a sua fase de crescimento, que na época seguinte se qualificaria para a Europa em 6.º.

@Vítor Parente / Kapta+

«Quando sou despedido, o Vitória SC estava em zona de qualificação europeia»

zz: Por fim, falta-nos falar do Vitória.
JH:
Foi uma situação, lá está, em que não houve princípio, mais uma vez, nem fim, houve ali um meio e esse meio até começou muito bem.

zz: Contextualizando, foi depois da saída do Tiago.
JH:
À quarta jornada, no primeiro jogo no Bessa, vencemos 0-1, golo do Marcos Edwards, e fizemos um conjunto de resultados muito bons. No final, eu saio do Vitória com nove derrotas neste espaço,  cinco delas com os grandes.

zz: Aliás, há uma delas, com o FC Porto, que esteve a ganhar duas vezes.
JH:
Exatamente, e perdemos 3-2. E com o pior contexto que se pode ter no Vitória, que é não ter os adeptos na bancada. É uma mais-valia que o Vitória tem, de facto, quando joga em casa, os adeptos fantásticos e aquele público que empurra sempre a equipa. Com essa ajuda, esse jogo é um caso que, com adeptos, o Vitória não perderia. Temos um caso de um empate em casa, por exemplo, com o Farense, em que nós estamos a vencer, e nos descontos, o Farense, no lançamento de linha lateral, empatou. Tenho a certeza que, com os adeptos, nós não empatamos esse jogo. O Vitória tem essa valia de ter um estádio sempre também muito bem composto, os adeptos incansáveis no apoio à equipa, e isso nós não tivemos. Nunca tive essa experiência de estar no banco do Vitória com os adeptos a apoiar e a pressionar dentro do estádio para a equipa andar mais. Muitas vezes, quando a equipa começa a cair, são eles que obrigam, no fundo, a equipa a ter que ser Vitória.

zz: Não teve essa experiência, mas, até pelo que nós falámos aqui, se tivesse tido os adeptos, sabendo como é que são os adeptos do Vitória, sabendo como é que é o João Henriques...
JH:
Tinha dado match, eu não tenho dúvidas. Ali no Vitória, entrámos a ganhar, entrámos bem, na primeira volta só perdemos três jogos, com FC Porto, SC Braga e Sporting. Há uma derrota na taça em casa contra o Santa Clara (depois no campeonato fomos lá ganhar 0-4), num jogo até bem conseguido, até porque o Santa Clara fez um golo fantástico de fora da área e passámos o jogo todo em cima. De resto, é uma primeira volta, salvo erro, com 31, 32 pontos, muito boa, que era praticamente das melhores do Vitória.

Quando chego, havia muitos jogadores novos e nós estruturámos, ajudámos a estabilizar a casa, fomos buscar jogadores da equipa B, Oscar Estupiñán, o Jonathan, que agora está no Rio Ave, mandámos jogadores que estavam na equipa A para a equipa B e fomos estabilizando um grupo para depois conseguir os resultados. Isto em andamento, não foi fazer a pré-época e ir construindo as coisas. E fizemos uma época onde nós conseguimos agarrar num André Almeida, que tinha tido 70 e poucos minutos de campeonato na época anterior.O André Almeida, posso confidenciar isto, quando foi para o Valencia, mandou-me uma mensagem a agradecer o que tinha feito por ele no Vitória. Foi um jogador em quem apostei, dei-lhe confiança para fazer o trabalho dele, num meio-campo jovem, com o André André, com o Pepelu, que agora foi à seleção de Espanha, e o André Almeida. Depois, o Marcus Edwards, que já estava a despontar, o Estupiñán, que marcou muitos golos e depois seria transferido para o Hull City.

qInfelizmente, o Vitória caiu para o sétimo lugar na última jornada, sendo que teve mais dois treinadores, o Bino e o Moreno. E não terá nada a ver com as competências deles

Mas, abruptamente, e, curiosamente, quando eu tinha a opção para mais uma época, a qual o presidente da altura disse que iam acionar, nessa altura que estamos a terminar a primeira volta, as coisas estão a correr muito bem… o Diretor Desportivo, Carlos Freitas, sai por problemas pessoais, não há reposição direta e as coisas começam a desmoronar um bocadinho: as decisões começam a ser mais complicadas, o mercado de janeiro foi muito complicado e ainda o reflexo de resultado menos positivos naquela fase.

Não houve a tal sustentação por parte da estrutura para garantir… Porque, quando sou despedido, a faltarem uns nove ou dez jogos para o fim, o Vitória está em zona de qualificação europeia. Depois, perde na última jornada esse lugar, ao perder com o Benfica e ao ser ultrapassado pelo Santa Clara. Uma das frases que eu tenho com o presidente nesse dia em que prescindiu dos meus serviços foi: «nós estamos em zona europeia, era o objetivo para esta época, eu entrei a meio. Se houver agora uma alteração, não tenho dúvidas, independentemente de quem quer que venha com esta alteração, isso vai cair». Porque uma mudança, naquela fase, como as coisas estavam, ia ser sempre mau para o grupo.

zz: E o que é que o presidente lhe disse?
JH:
 Perguntou-me se eu tinha a certeza do que estava a dizer, e eu disse que tinha a certeza absoluta. Aconteceu. Da forma que aconteceu. Infelizmente, o Vitória caiu para o sétimo lugar na última jornada, sendo que teve mais dois treinadores, o Bino e o Moreno. E não terá nada a ver com as competências deles. É o momento desta desestabilização, que existe estruturalmente, que faz com que depois haja repercussões na parte desportiva, o que foi manifestamente mau para o clube.

zz: Por que é que há essa precipitação, nesse caso, do Vitória? Não havendo adeptos no Estádio, não se sente tanto o algum eventual descontentamento. Tem outra vez a ver com o impulso?
JH:
É o impulso de… Repare, estava-se a aproximar novas eleições para a presidência do Vitória. E havia essa pressão dos resultados para cimentar a recandidatura do presidente na altura. Antes rolar a cabeça de outra pessoa do que a própria. Senti um bocadinho isso. Mas isto são já questões mais políticas. Tenho a certeza que o presidente hoje não faria a mesma coisa. Não estou a dizer que ele fez premeditadamente, estou a dizer que essa pressão o levou a pensar dessa forma.

zz: Hoje pensaria de forma diferente.
JH:
Hoje, se calhar, pensaria de forma diferente. Tenho certeza, nós íamos conseguir qualificar-nos para a Conference League e, independentemente de eu continuar ou não na época seguinte, isso era muito importante para o clube naquela altura.

zz: É um treinador paizão ou durão?
JH:
Eu tenho um misto das duas, porque gosto que confiem em mim como alguém que esteja próximo deles nos momentos que precisem, mas, como se diz em português, trabalho é trabalho, conhaque é conhaque, quando é para trabalhar também estou lá e sou muito exigente, mas quando é para dar a mão, também estou presente.

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Pazes feitas com Conceição nos tempos de Santa Clara @Catarina Morais / Kapta +

Na parte final desta entrevista, que disponibilizamos exclusivamente em vídeo, pode ver João Henriques responder a um quizz de perguntas rápidas, a contar o desentendimento com Sérgio Conceição e a elogiar em específico um jogador que passou pelas suas mãos.

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