Jovem, queres mudar o mundo? Começa por ti mesmo

7 meses atrás 71

“Os primeiros debates que vi tinham gente como Soares, Cunhal, Sá Carneiro. Comparando, o que se passa agora é zero”. A frase, dita por Paulo de Carvalho em entrevista à revista “Blitz”, reflete a forma como muitas pessoas encaram a política nacional e os seus protagonistas. O mesmo acontece em áreas como o jornalismo ou a academia. Antigamente, dizem-nos, havia pessoas de outro calibre moral e intelectual, com uma preparação e dedicação à causa pública que hoje não existem. Mas será que é mesmo assim?

Em primeiro lugar, a experiência demonstra que em tempos extraordinários existe uma maior possibilidade de surgirem personalidades marcantes. É nas crises e nos momentos de viragem que se descobrem os grandes líderes e o Portugal do pós-25 de Abril, a que alude Paulo de Carvalho, terá sido uma dessas alturas da História, com figuras como Mário Soares, Francisco Sá Carneiro e Álvaro Cunhal a destacarem-se como pais fundadores da nossa democracia.

Porém, os seres humanos têm tendência para simplificar o passado, seja no sentido de o idealizar, seja de o demonizar. Temos tendência a esquecer algumas coisas e a centrarmos as nossas memórias em determinados aspetos que nos ajudam a explicar o presente, ajustando a narrativa de modo a que nos sintamos confortáveis. E quanto mais seguros e confortáveis estivermos, mais a nossa ansiedade e angústia existenciais estarão sob controlo. Não por acaso, alguns especialistas dizem mesmo que temos tendência a recordar os aspetos mais positivos e a esquecer todos os restantes, com exceção das memórias traumáticas.

Quem sabe, se esta explicação estiver correta, talvez dentro de 50 anos alguém confesse numa entrevista que os primeiros debates a que assistiu, nos longínquos anos 20, eram protagonizados por “gigantes da política como Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro ou André Ventura”. Já aconteceram coisas mais estranhas.

Na verdade, em termos gerais a democracia não está melhor ou pior do que em 1976, mas o país já não é o mesmo e a classe política acompanhou essa evolução. Temos os governantes que escolhemos em eleições livres e que, por essa razão, merecemos. E temos os políticos com os perfis adequados à atual situação do nosso país. Portugal tem muitos problemas para resolver, mas já não somos um país acabado de sair de 48 anos de ditadura e a sarar as feridas de uma guerra colonial e de uma descolonização que foram profundamente traumáticas para milhões de pessoas em três continentes. Já não somos um país semi-rural, pobre e atrasado, onde a agricultura de subsistência assegurava o sustento de centenas de milhar de famílias, o analfabetismo era comum e a mortalidade infantil uma das mais elevadas da Europa.

Apesar de todos os erros que se cometeram na governação das últimas décadas, Portugal avançou muito nos últimos 50 anos e, à medida que os nossos problemas passaram a ser idênticos aos do chamado mundo desenvolvido, também a nossa política se tornou aborrecida, não obstante o surgimento e a ascensão de movimentos populistas e extremistas que teve lugar nos últimos anos. A política “normal” é aborrecida por natureza, não provoca paixões nem sobressaltos de maior, mas isso não é necessariamente mau. Pelo contrário, é um sinal de estabilidade e maturidade democrática, por muito que, aqui e ali, assistamos a erupções de populismo que, se tivermos sorte, acabarão por funcionar para a nossa democracia como a inoculação de Jenner serviu para lidar com a varíola.

É altura de perdermos os complexos messiânicos que nos levam, enquanto povo, a ansiar por um salvador que venha pôr a casa em ordem. Se queremos que o nosso país se desenvolva e cresça de forma harmoniosa, comecemos por procurar fazer a nossa parte de um esforço que deve ser coletivo. Isto inclui trabalhar, contribuir positivamente para a sociedade, pagar impostos e votar de forma informada e consciente, escolhendo com sabedoria as pessoas que nos representam e procurar colocar o bem-comum em primeiro lugar.

Não coloquemos as culpas no Estado, nos outros em geral, nas empresas, nos investidores estrangeiros, nos imigrantes ou nos malandros dos políticos corruptos. Resolver os problemas do país só depende de cada um de nós e ninguém – o Estado, a sociedade ou as gerações passadas e futuras – nos deve o que quer que seja. Este seria, de resto, o conselho que daria um jovem insatisfeito: jovem, queres mudar o mundo? Começa por ti mesmo.

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