Julgamento por violação em França. Gisèle Pelicot "totalmente destruída" mas determinada "a mudar a sociedade"

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"Não quero que elas se sintam mais envergonhadas. A vergonha não é nossa, é deles", declarou Gisèle Pelicot. Avignon, França, 23 de outubro Guillaume Horcajuelo - EPA

A francesa Gisèle Pelicot, de 71 anos, declarou esta quarta-feira ser "uma mulher totalmente destruída", depois de ter sido drogada pelo ex-marido e violada por dezenas de homens desconhecidos recrutados por este na Internet ao longo de uma década, em Mazan, no sudeste de França. Na audiência do julgamento no Tribunal Penal de Vaucluse, em Avignon, que decorre à porta aberta por escolha da vítima, Gisèle Pelicot explicou que não quer que as vítimas de violação se sintam mais envergonhadas. "A vergonha não é nossa, é deles", afirmou.

Após quase dois meses de julgamento do processo de violação de Mazan, que deverá prolongar-se até ao dia 20 de dezembro para ouvir os 50 homens acusados de a terem violado, Gisèle Pelicot falou alto e em bom som: "Não estou a exprimir a minha raiva ou o meu ódio, mas a minha vontade e a minha determinação de mudar esta sociedade".

"Queria que todas as mulheres que foram violadas pudessem dizer a si próprias: "Se a Srª. Pelicot conseguiu, nós conseguimos". Quando somos violadas, sentimo-nos evergonhadas, mas não somos nós que temos de nos sentir envergonhadas, são eles que têm de ter vergonha", explicou a razão pela qual decidiu mediatizar o seu caso.

"Era o homem perfeito"

Esta quarta-feira de manhã, 23 de outubro, Gisèle Pelicot confessou no seu depoimento intercalar "não sei como me vou reconstruir, como vou ultrapassar tudo isto". Após uma vida ao lado de Dominique Pelicot, com quem disse ter sido "uma mulher feliz e realizada" durante "50 anos juntos", Gisèle admitiu que "não conseguia olhar para ele".

"Preparei-me para este julgamento, mas ainda não percebi porquê. Estou a tentar perceber como é que este marido, que era o homem perfeito, pode ter chegado a este ponto. Como é que a minha vida pode ter sido virada do avesso. Como é que deixou entrar estas pessoas em nossa casa quando sabia da minha aversão ao swing (prática sexual de troca de casais). Para mim, esta traição é incomensurável", declarou.

Dominique Pelicot, de 71 anos, admitiu ter drogado a sua mulher Gisèle Pelicot entre 2011 e 2022, sem o seu conhecimento, para a violar e orquestrar violações de outros homens recrutados na Internet. "Sou um violador como todos os que estão nesta sala. (...) Arrependo-me do que fiz, peço perdão, mesmo que seja imperdoável", afirmou o principal arguido no processo de violação de Mazan, a 17 de setembro, referindo-se aos outros co-arguidos do processo. 

Os 50 homens que estão a ser julgados com Dominique Pelicot, têm idades compreendidas entre os 30 e os 74 anos de idade, e enfrentam uma acusação por violação e em alguns casos por violação agravada, com uma pena de prisão que poderá ir até 20 anos. 

Muitos dos arguidos que já foram ouvidos não negam terem sido recrutados por Dominique Pelicot e terem participado em atos sexuais com a sua mulher, que se encontrava inconsciente, mas afastam a acusação de violação

Em sua defesa, alegam que não tinham conhecimento do estado de inconsciência da vítima, que o consentimento tinha sido dado pelo marido, substituindo-se ao da própria, ou ainda que acreditavam estar a participar em atos de swing com o casal.

O veredito do processo que está a chocar o país, e que Gisèle Pelicot decidiu mediatizar para "mudar a sociedade", é esperado por volta de 20 de dezembro.

c/ agências

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