“Tal como fez durante toda a sua vida, Kamala Harris está a candidatar-se à Presidência para lutar pelas pessoas e construir uma economia que proporcione estabilidade, segurança e oportunidades a todos os americanos - para hoje e para a próxima geração”, lê-se no site da sua campanha eleitoral.
Filha de Shyamala Gopalan, natural da Índia e investigadora num laboratório de estudos do cancro da mama, e de Donald J. Harris, vindo da Jamaica para os Estados Unidos para estudar Economia, Kamala nasceu a 20 de outubro de 1964 em Oakland, no Estado da Califórnia.
Os seus pais imigrantes eram defensores dos direitos civis, pegadas que a filha acabou mais tarde por seguir. “[A minha mãe] era forte, corajosa, uma pioneira na luta pela saúde das mulheres. Ensinou-nos a nunca nos queixarmos acerca de injustiças, mas sim a fazer algo em relação às mesmas”, partilhou Kamala numa das ocasiões em que relembrou Shyamala.
Um dos focos de controvérsia nesta campanha presidencial diz respeito à descendência da candidata, com Donald Trump a questionar se “é indiana ou é negra”.
“Não sabia que ela era negra até há uns anos atrás, quando de repente se tornou negra, e agora quer ser conhecida como negra. Portanto, não sei: é indiana? É negra?”, questionou o republicano numa convenção em julho.
Kamala Harris tinha já partilhado que cresceu ligada à sua herança indiana, juntando-se à mãe nas suas visitas ao país natal. No entanto, contou ter sido envolvida na cultura negra ao longo da vida e educada para ser “uma confiante e orgulhosa mulher negra”, honrando as raízes paternas.
Kamala ao colo do pai, Donald Harris, em 1965, na Califórnia. Foto: AFP – Cortesia de Kamala Harris
De procuradora a senadora a vice-presidente
Harris estudou Ciências Políticas e Economia na Universidade de Howard, seguindo depois Direito na Universidade da Califórnia.
“Ainda jovem, Kamala decidiu que queria seguir uma carreira na luta pelas pessoas vulneráveis depois de uma amiga próxima lhe ter confidenciado que estava a sofrer abusos em casa”, lê-se no site da campanha.
Kamala Harris é casada desde 2013 com Doug Emhoff, que tem dois filhos de um casamento anterior. Os enteados deram-lhe a alcunha de “Momala”, junção da palavra “mom” (mãe) com o nome Kamala.
O seu primeiro cargo de destaque foi enquanto vice-procuradora, entre 1990 e 2004, período durante o qual se especializou em casos de abuso sexual de crianças. Ao longo desses 14 anos, Harris acusou os suspeitos um a um, vincando que “existem crimes, e existem problemas de crimes”.
Em 2004 venceu a eleição para procuradora distrital no Estado de São Francisco, “passando a abordar questões como a violência doméstica e a violência com armas de fogo, aumentando a taxa de condenação para violadores e assassinos e criando programas inovadores para garantir que os infratores de baixo risco e não violentos não voltassem a cometer crimes e pudessem retomar as suas vidas”, refere a campanha da candidata, que se destacou ainda por lutar pela causa LGBTQ+.
Neste período, porém, foi alvo de duras críticas devido à sua posição quanto à pena de morte. Mesmo antes de ser eleita, Kamala já tinha dito opor-se à pena capital. Mas quando, enquanto procuradora, disse que não iria procurar obter a pena de morte para um membro de um gangue que matou um polícia, gerou uma revolta no mundo político que levou vários democratas a distanciarem-se de si.
Em 2011, tornou-se a primeira mulher e a primeira pessoa negra a sentar-se no lugar de procuradora-geral do Estado da Califórnia. Durante os seis anos no cargo, “reprimiu as organizações criminosas transnacionais que traficavam drogas e migrantes vulneráveis através da fronteira”.
Além disso, “enfrentou os grandes bancos e responsabilizou-os por terem atacado os proprietários de casas, ganhando 20 mil milhões de dólares para os americanos que estavam prestes a perder as suas habitações devido à Grande Recessão”.
A pronúncia do nome “Kamala” tornou-se outro tópico de controvérsia durante a campanha presidencial. A candidata explicou que se pronuncia “cama-la”.
Entrou mais ativamente na cena política americana ao tornar-se senadora em 2017, altura em que defendeu legislação para aumentar os salários e reduzir os custos para as famílias, especialmente na área da Saúde. Tomou ainda medidas de combate à crise climática e criou um programa “que investiu milhares de milhões de dólares para expandir o acesso ao capital a pequenas empresas e empresários em comunidades carenciadas”, refere a campanha.
Em 2019, pouco depois de publicar o livro de memórias Uma Vida Americana, Kamala Harris anunciou a intenção de concorrer às eleições presidenciais de 2020. No entanto, acabou por desistir da corrida às primárias do Partido Democrático após várias críticas sobre a sua prestação e o seu papel enquanto procuradora.
Apesar da desistência, permaneceu uma figura de destaque, ganhando especial atenção em 2020, quando insistiu numa reforma judicial após a morte do cidadão afro-americano George Floyd às mãos da polícia.
Vice-presidência focada nos direitos das mulheres
A 20 de janeiro 2021, quebrou por fim a longa linha de homens brancos na vice-presidência dos Estados Unidos, tomando posse como braço direito de Joe Biden. Desde então, trabalhou para “promover oportunidades, lutar pelas famílias e proteger as liberdades fundamentais em todo o país”, destaca a Casa Branca.
Durante estes últimos anos representou os Estados Unidos no estrangeiro, viajando para mais de 20 países e reunindo-se com mais de 150 líderes mundiais para reforçar alianças.
Desde que o direito constitucional ao aborto, conhecido como Roe v. Wade, foi revertido, Kamala tem manifestado o desejo de restaurar a liberdade reprodutiva, percorrendo o país para defender o acesso das mulheres aos cuidados de saúde.
“Liderou a luta pela liberdade das mulheres de tomarem decisões sobre os seus próprios corpos, pela liberdade de todos viverem a salvo da violência das armas, pela liberdade de votar e pela liberdade de beber água potável e respirar ar puro”, acrescenta a Administração Biden.
Kamala Harris em 2022, numa reunião com prestadores de cuidados de saúde sobre direitos reprodutivos. Foto: Mandel Ngan - AFP
“Parceira de confiança do presidente Joe Biden”, o trabalho de Kamala na área da economia “levou à criação de mais pequenas empresas num período de dois anos do que durante qualquer outra Administração anterior”.
Como vice-presidente, foi também atribuída a Kamala Harris a tarefa de dar resposta às causas do problema da crescente presença de imigrantes na fronteira com o México. Foi, no entanto, alvo de críticas por não obter progressos suficientes. Tanto republicanos como democratas apontaram o dedo à vice-presidente por demorar seis meses a planear uma visita à fronteira depois de ter tomado posse.
Harris também supervisiona o primeiro Gabinete de Prevenção da Violência Armada da Casa Branca, trabalhando para “enfrentar a epidemia de violência armada”.
As propostas para os norte-americanos
Em julho deste ano, aconteceu o que muitos previam. Joe Biden, na altura candidato democrata à Presidência norte-americana, teve um fraco desempenho no debate televisivo contra Donald Trump e, após uma enorme pressão vinda de todas as direções, desistiu da corrida.
Kamala Harris, a sua vice, foi a escolhida pelo Partido Democrático para o substituir. No mês seguinte, Harris anunciou Tim Walz, governador democrata do Estado do Minnesota, como o seu vice-presidente em caso de vitória.
A candidata “acredita num futuro em que cada pessoa tem a oportunidade não só de sobreviver, mas de progredir”, menciona a sua campanha. “Ela sabe que os preços ainda são demasiado elevados e, como presidente, a sua principal prioridade económica será continuar a baixar os custos”.
Defensora dos direitos reprodutivos das mulheres, Kamala Harris promete proteger o acesso das mesmas a cuidados de saúde e avançar com uma nova lei que garanta o direito ao aborto em toda a nação.
“Quando o Congresso aprovar uma lei que restabeleça as liberdades reprodutivas, como presidente dos Estados Unidos, eu vou assiná-la”, assegurou num comício em Atlanta, Geórgia.
“Consegue lembrar-se de alguma lei que dê ao Governo o poder de tomar decisões acerca do corpo masculino?”, perguntou Kamala ao juiz conservador do Supremo Tribunal Brett Kavanaugh, em 2018.
No discurso na Convenção Nacional do Partido Democrático, em agosto, Kamala deu enfâse à liberdade das mulheres e acusou Donald Trump e outros republicanos de serem os arquitetos de um plano para pôr fim ao acesso ao aborto. “Resumindo, estão loucos”, declarou, prometendo restaurar o direito constitucional à interrupção voluntária da gravidez.
No mesmo discurso, anunciou os planos para atribuir apoios nos empréstimos à habitação para quem compra a primeira casa, um crédito fiscal para os pais de recém-nascidos e a proibição de preços excessivos nos bens alimentares, para ajudar a combater a inflação.
Assegurou ainda que, se for eleita, irá “aprovar uma redução de impostos para a classe média que beneficiará mais de 100 milhões de americanos”. No passado, defendeu também uma subida significativa dos impostos das grandes empresas, para que “os ricos paguem a sua parte justa”.
No campo da imigração, Harris acredita que “deve haver consequências” para as pessoas que atravessam a fronteira ilegalmente. Enquanto vice-presidente, ajudou a angariar três mil milhões de dólares para financiar investimentos regionais destinados a incentivar os residentes a permanecerem nos seus países de origem.
Durante a campanha eleitoral, reiterou o seu apoio ao projeto de lei interpartidário sobre segurança fronteiriça que, a ser aprovado, destinará centenas de milhões de dólares para a construção de muros.
O uso de armas é outro tema sempre quente nos Estados Unidos e Kamala Harris tem vindo a defender regulações para garantir a segurança. Não é, no entanto, contra o uso de algumas armas, e admitiu no frente-a-frente com Trump que tanto ela como o seu escolhido para a vice-presidência, Tim Walz, as possuem.
“Não vamos tirar as armas a ninguém”, declarou. Uma semana depois, numa entrevista a Oprah Winfrey, disse: “se alguém invadir a minha casa, vai levar um tiro”.
A democrata promete também pressionar as empresas de seguros de saúde que considera “gananciosas”, obrigar as grandes farmacêuticas a reduzir os preços dos medicamentos e eliminar milhares de milhões de dólares de dívidas médicas dos americanos.
Quer ainda reforçar a Segurança Social, “assegurando que as pessoas que trabalharam toda a sua vida possam reformar-se com dignidade”.
No clima, defende que os Estados Unidos “têm de investir em fontes de energia diversas” para reduzir a dependência de petróleo estrangeiro. Quer ainda baixar os custos da energia doméstica e responsabilizar os maiores poluidores, de modo a garantir “ar e água limpos”.
A nível das relações internacionais, nomeadamente dos grandes conflitos em curso, Kamala já prometeu apoiar a Ucrânia “durante o tempo que for preciso” e tem defendido uma solução de dois Estados, israelita e palestiniano, vincando a necessidade de pôr fim à guerra em Gaza.
No discurso na convenção democrata, comprometeu-se, se for eleita presidente, a procurar “a segurança de Israel, a libertação dos reféns [do Hamas], o fim do sofrimento em Gaza e o direito do povo palestiniano à dignidade, à segurança, à liberdade e à autodeterminação”.