Nómadas digitais, escritores, músicos, pintores, ambientalistas, empreendedores ou dissidentes, acorreram nos últimos anos a Dali, a milenar cidade da minoria étnica Bai, situada na província de Yunnan, no sudoeste da China.
Para trás ficaram as prósperas cidades do litoral, onde dezenas de milhões de chineses descrevem hoje a sua existência como 'neijuan' ("involução") - a sensação de estar preso numa corrida onde todos perdem.
"Era uma vida fria, robótica", lembra Zhe Wei, chinesa de 22 anos que rumou a Dali após trabalhar durante dois anos na cidade de Hangzhou, que é sede do grupo Alibaba, cujo fundador, Jack Ma, defendeu outrora que o horário de trabalho "996" (9h00 às 21h00, 6 dias por semana) é uma "bênção".
Sentada à sombra, no canto de um pátio tradicional da região, onde os antigos portões e as paredes brancas apontam para a milenar história dos Bai, Zhe acende um pau de incenso, antes de agarrar um livro.
"Senti-me em casa logo à chegada a Dali", descreve à agência Lusa. "As pessoas, o espírito comunitário, o ambiente. Era aquilo que eu procurava".
No Ababa, um bar de música ao vivo situado na zona antiga de Dali que recebeu o nome de uma interjeição comum no dialeto dos Bai, um cartaz fixado acima do palco declara: "A vida na cidade é uma treta".
De nação rural e agrícola, a China converteu-se na "fábrica do mundo", com uma sociedade predominantemente urbana, completando em quatro décadas uma transição que demorou 200 anos na Europa.
Séculos de vida social organizada em torno da família e comunidade foram interrompidos pela migração de centenas de milhões de trabalhadores rurais para as cidades costeiras. Agora, muitos dos chineses radicados em Dali estão a fazer o percurso inverso ao dos seus pais e avós.
"Em Xangai, não era uma pessoa tão amável", explica Li Na, uma chinesa de 30 anos, à agência Lusa. "Aqui temos tempo para nós e para os outros. Não estamos presos num ciclo de competição selvagem", nota.
Dois termos definem a população migrada em Dali: 'lüju' e 'taiping'. Aqueles que trabalham temporariamente em cidades dentro e fora da China, amealham algum dinheiro e voltam, aproveitando o baixo custo de vida em Yunnan, e os que optam simplesmente por não fazer nada.
Li Na é uma 'lüju': professora de língua chinesa, participa em campos de férias em universidades e escolas fora da China e vive o resto do ano em Dali.
Outros optam por abrir pequenos negócios: à noite, nas calçadas da Rua de Renmin, na zona antiga de Dali, jovens servem bebidas em bares de rua improvisados ou vendem bijuteria feita com sementes da floresta e artigos têxteis típicos dos Bai - tecidos brancos feitos à mão e tingidos com plantas.
"Aqui as pessoas podem viver com pouco e esticar as suas poupanças", explica à Lusa o dono de um café. "Com o custo de um mês de renda de casa em Pequim é possível viver aqui três meses", resume.
A pandemia da covid-19, o abrandamento económico e uma atmosfera política mais restritiva para intelectuais e artistas, aceleraram o fluxo de jovens para Dali, segundo os locais, que apelidam agora cidade de "Dalifórnia", num trocadilho com o Estado norte-americano conhecido também pelo bom clima e estilo de vida relaxado e em contacto com a natureza.
Mas para a liderança chinesa, a emergência de uma contracultura que rejeita a competição não será bem-vinda, num período em que o país enfrenta uma prolongada disputa com os Estados Unidos por influência geopolítica e liderança tecnológica e económica.
O Presidente chinês, Xi Jinping, aconselhou já os jovens a "deixarem de ser arrogantes e mimados" e sugeriu que "engulam a amargura" do trabalho árduo. Para ele, esta é a era do "rejuvenescimento nacional", que visa restaurar o estatuto pré-colonial da China, sem espaço para "fazer pausas".
"Para os jovens que não conseguem integrar-se na visão dominante, resta-nos procurar um sítio à margem", observa Li Na. "Como diz o ditado: 'As montanhas são altas e o Imperador está longe".
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