Kroos pendurou as botas: recorde a carreira do Iceman

2 meses atrás 75

Dá pela contar pelos dedos de uma mão o total de jogadores que, no mundo do futebol, conseguiram alcançar um currículo tão bom como o de Toni Kroos. Na Alemanha, nenhum chega aos seus calcanhares.

No seu país chamavam-lhe de sniper, devido às quase clínicas finalizações de fora da área que se tornaram imagem de marca. No Brasil ficou conhecido como garçom, depois de uma prestação sem paralelo no serviço aos avançados durante o Mundial de 2014. Em Madrid, colegas de equipa referiam-se ao germânico como iceman, por ser o que menos sentia os momentos de maior pressão.

Chamem o que lhe chamarem, todos reconhecem a qualidade e legado de um jogador que teve sucesso em todas as posições do meio-campo e conseguiu influenciar quase todos os jogos em que participou, mesmo sem ter as características físicas que lhe foram exigidas durante vários anos. Kroos foi, e sempre será, um exemplo de mestria técnica e tática no centro do campo e de todas as decisões

A promessa de golos teve de recuar

Quando Toni Kroos nasceu, em janeiro de 1990, ainda existiam duas Alemanhas. O muro caiu 10 meses depois, dando aso à reunificação, mas o desequilíbrio entre as duas metades do país continuou a notar-se durante décadas. Notou-se particularmente no futebol, onde a Alemanha Oriental raramente levou clubes à Bundesliga e jogadores à seleção - Kroos foi, durante largos anos, a exceção.

Começou por destacar-se ofensivamente @Getty /

Nasceu na cidade de Greifswald e por lá começou a pontapear a bola, no Greifswalder SV, antes do talento o levar até ao Hansa Rostock. Foi aí que este jovem se apercebeu de que poderia fazer da bola uma carreira. A ideia ganhou força e em 2006 tornou-se praticamente uma garantia, quando foi eleito o melhor jogador do Euro Sub-17.

A distinção foi um bilhete para a formação do Bayern München, o melhor clube da Alemanha. Lá representou as equipas de formação durante um ano, antes de mais um verão de afirmação internacional: melhor jogador do Mundial Sub-17, com cinco golos em seis jogos. À segunda, valeu-lhe o bilhete para a equipa A dos bávaros, onde se estreou com duas assistências em apenas 18 minutos de jogo. 

Tinha 17 anos e começava a ganhar algum nome no país, mas isso não tornou a sua afirmação fácil. Foi um ano e meio de escassos minutos na equipa principal do Bayern, antes do sucesso num empréstimo (também de um ano e meio) ao Bayer Leverkusen. Somou tempo de jogo, consistência e importância numa boa equipa, mas o regresso a Munique levantou algumas questões...

Ascensão na Baviera @Getty /

Kroos, um médio que conseguiu até acumular muitos golos nesse capítulo inicial da carreira, assumiu-se como médio mais adiantado de um Bayern que celebrou a tríplice coroa em 2012/13, mas que nunca se assumiu como titular absoluto e inquestionável. Parte disso devia-se à comum opinião de que o futebol dele era demasiado lento e metódico para conquistar os adeptos. Faltava-lhe o fogo de outros grandes do futebol alemão.

Felizmente, Pep Guardiola não viu as coisas da mesma forma. Quando chegou à Alemanha, no verão de 2013, o célebre treinador catalão fez de Kroos a sua estrela maior. Recuou no campo e o envolvimento em golos caiu a pique, mas o Bayern ganhou um metrónomo de classe mundial. Foi a afirmação absoluta de um jogador que logo de seguida abandonou a Alemanha, com três Ligas, três Taças e uma Liga dos Campeões no currículo.

Atingiu estatuto de lenda em Madrid @Getty / Gonzalo Arroyo Moreno

 

Brasil, a afirmação absoluta

Foi só depois do sucesso na Bundesliga com as cores do Leverkusen que Toni Kroos foi convidado a trocar as seleções jovens pela principal. Estreou-se pela mannschaft em janeiro desse ano e no verão foi chamado por Joachim Low ao Mundial de África do Sul. Desempenhou um papel secundário nessa campanha que terminou nas meias-finais. 

Aos 24 anos já era um dos melhores na sua posição @Getty / Martin Rose

Começou a assumir-se como titular da seleção na fase de qualificação para o Euro 2012, mas quando a competição chegou, o médio acabou por voltar a recuar para um papel mais secundário. Jogou 108 minutos de um torneio no qual a Alemanha voltou a tombar nas meias. Foi só em 2014 que a sorte mudou, tanto para Kroos como para a Alemanha.

No verão que se seguiu à tal campanha singular sob o comando de Guardiola. Kroos, de 24 anos e acabadinho de adaptar a um novo papel em campo, foi peça fulcral de uma das melhores seleções de que há memória.

A campanha alemã no Mundial do Brasil começou com uma assistência de Kroos no 4-0 sobre Portugal. Depois do passeio que foi a fase de grupos, os alemães ainda eliminaram a Argélia (2-1 a.p.) e a França (0-1), com o médio em destaque.Contra os franceses, foi o seu pontapé livre, direitinho à cabeça de Hummels, que decidiu o jogo.

Deixou a seleção em 2020, após o Euro, mas regressou em 2024 @Getty Images

Mas os momentos verdadeiramente históricos só começaram a ser escritos daí para a frente. Nas meias-finais, que nos anos anteriores tinham sido tão duras para os germânicos, estaria pela frente a seleção anfitriã, o Brasil. Era o jogo grande da competição e ninguém se atreveria a escolher favoritos antes da bola começar a rolar, mas a verdade é que aos 26 minutos o marcador já mostrava 0-4 e Kroos contava com dois golos e uma assistência...

No fim, um 1-7 no marcador. Humilhação brasileira no inesquecível Mineiraço, e a Alemanha na grande final, que acabaria em vitória sobre o outro gigante da América do Sul: 1-0, após prolongamento.

Kroos, totalista na prova, levantou o troféu e saiu do Brasil com o reconhecimento que até aí lhe faltava: aos 24 anos, era considerado um dos melhores médios do planeta!

Década de sonho em Madrid

Depois de tudo alcançar na Bavária, Kroos procurava um novo desafio. Chegou a ter acordo com Moyes no Manchester United, mas a mudança de treinador dos red devils empurrou o médio alemão para outros caminhos. Por um preço de saldo de 25 milhões de euros, uma vez que o contrato estava a um ano do fim, Kroos rumou ao Real Madrid.

Conquistou cinco Ligas dos Campeões em Madrid @Getty /

Logo nesse verão juntou-se a Modric para formar um dos miolos mais talentosos de que há memória no futebol mundial. O sucesso foi imediato. Estreou-se com um triunfo na Supertaça Europeia e em dezembro já tinha levado os blancos à conquista do Mundial de Clubes, com o máximo de assistências na prova. Antes do virar do ano, foi colocado no onze do ano da UEFA e da FIFA pela primeira de muitas vezes na sua carreira.

Depois de duas conquistas, bem como dois golos e 13 assistências a nível individual, 2015/16 trouxe coisas ainda melhores. Já com Zidane ao leme, a formação merengue sagrou-se campeã europeia pela 11ª vez na sua história e Kroos, titular absoluto, tornou-se no primeiro alemão a levantar a orelhuda por dois clubes diferentes.

Mas não ficaria por aí. Com o alemão a ditar o tempo de jogo, sendo o mais utilizado numa equipa de craques como Cristiano Ronaldo, Benzema, Modric, Casemiro ou Ramos, o Real Madrid sagrou-se bicampeão europeu em 2017. Um ano depois, em 2018, foram tricampeões! Tratava-se de uma das forças mais dominantes da história do futebol e Toni Kroos, metrónomo construído em Greifswald, estava no centro de toda a ação!

Parte de um meio-campo para a história @Getty / David S. Bustamante/Soccrates

Pelo caminho, os troféus foram-se acumulando e multiplicando. Parecia fácil. Seis Mundiais de Clubes, quatro Supertaças Europeias, Quatro Ligas Espanholas, uma Copa del Rey e quatro Supercopas. Bateu o recorde alemão quando chegou às três medalhas da Liga dos Campeões, mas não quis parar e só pendurou as botas depois de chegar às seis! 

Foi em Wembley, com um 2-0 frente aos compatriotas do Borussia Dortmund, que Kroos se despediu do futebol a nível de clubes. Assistiu o primeiro golo, tal como tinha feito nas meias frente ao seu Bayern, e saiu de cabeça erguida, com uma medalha no peito. Os últimos jogos só não seriam esses porque lhe faltava um último troféu, o Campeonato da Europa, e podia atacá-lo, em solo alemão, para a despedida perfeita.

Enquanto muitos têm dificuldades na hora do adeus, um homem mostrou uma sabedoria exemplar, em entrevista à Kicker: «Simplesmente quero ser lembrado como o Toni Kroos de 34 anos, que no fim fez a sua melhor temporada pelo Real Madrid. Se as pessoas pensam que é cedo demais, vejo isso como um elogio».

Deixava estádios inteiros a seus pés @Getty / Michael Regan

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