Lava Jato completa 10 anos com acordos das empresas investigadas em causa

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Grandes empresas envolvidas no escândalo de corrupção - como a Novonor (antiga Odebrecht), OAS, Andrade Gutierrez, Nova Participações (antiga Engevix), Camargo Correa, Braskem, UTC e Coesa -, que firmaram acordos de colaboração com órgãos públicos, começaram este mês uma negociação determinada pelo Supremo Tribunal Federal para tentar reduzir as multas que acordaram pagar, no âmbito de um movimento visando rever as sanções penais iniciado por delatores condenados, após os procedimentos da Lava Jato serem postos em causa. 

Cálculos atualizados pela Controladoria-Geral da União (CGU), órgão de controlo do Governo brasileiro, indicam que a dívida das empresas investigadas que fecharam acordos de leniência (clemência) para restituir os prejuízos causados pelos atos de corrupção que confessaram no âmbito da operação Lava Jato somam 11,7 mil milhões de reais (2,1 mil milhões de euros na cotação atual).

O acordo de leniência permite a redução das punições às empresas que confessam e revelam factos em investigações em que estão envolvidas.

Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, já foram recuperados 2 mil milhões de reais (368 milhões de euros) para os cofres públicos de acordos da Lava Jato homologados pelo tribunal.

À Lusa, Gustavo Justino de Oliveira, do Instituto de Desenvolvimento e Pesquisa da Universidade de São Paulo e advogado especializado em negociação com o setor público, explicou que as empresas envolvidas nas investigações da Lava Jato querem revisitar os acordos assinados com o Ministério Público Federal (MPF) para rever o cálculo do dano que têm que reparar integralmente.

Justino de Oliveira afirmou que muitos acordos firmados pelas empresas com os procuradores da Lava Jato foram fechados caso a caso e, portanto, as regras não eram conhecidas e foram decididas, muitas vezes, na mesa de negociação, o que as empresas alegam que as prejudicou.

"O que é o descontentamento das empresas? É, sobretudo, com relação ao procedimento com que esses acordos foram firmados pelo MPF, alguns excessos ou uma forma de agir que pode ser caracterizada como abusiva, em alguns aspetos, numa negociação", afirmou Justino de Oliveira.

A renegociação das sanções e multas ocorre após juízes do STF aceitarem pedidos para parar acordos firmados pela J&F e Novonor e um pedido de partidos políticos que integram a base do atual Governo para rever os acordos de leniência assinados pelos procuradores envolvidos na Lava Jato.

Em dezembro passado, o juiz do STF Dias Toffoli suspendeu o pagamento de uma multa do grupo J&F no âmbito da Operação Greenfield, que eclodiu ao mesmo tempo que a Lava Jato e se ligou, em alguns momentos, aos escândalos da Petrobras. O mesmo juiz acolheu, em fevereiro, um pedido da Novonor e suspendeu o pagamento de multas impostas à empresa no acordo assinado no âmbito da Lava Jato.

Também em fevereiro, o juiz do STF André Mendonça determinou a realização de audiências de conciliação em acordos com empresas celebrados na Lava Jato, aceitando um pedido apresentado em março de 2023 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Solidariedade.

A alegação foi que os pactos foram celebrados antes do Acordo de Cooperação Técnica (ACT), que sistematiza regras para o procedimento, e que, portanto, haveria ilicitudes na realização dos acordos.

Mendonça definiu o prazo de 60 dias para que empresas e órgãos públicos discutam a renegociação dos acordos, período em que ficam suspensos os pagamentos de obrigações decorrentes dos acordos.

Questionado sobre se os pedidos de revisão acolhidos por juízes do STF podem anular as multas impostas às empresas, Justino de Oliveira considerou que não e explicou que o que está a ser discutido atualmente é se houve ou não uma onerosidade excessiva nas sanções impostas.

Iniciada em 17 de março de 2014, a Lava Jato teve uma ascensão impressionante e colocou o Brasil no foco do combate à corrupção, mexendo com a correlação de forças na política interna ao investigar políticos como o atual Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que ficou preso 580 dias e teve duas sentenças contra si anuladas, e o ex-presidente Michel Temer, preso ao deixar o cargo, agremiações políticas e lideranças de renome do país, da América Latina e de África.

Grandes empresários do setor das infraestruturas, agentes do mercado financeiro e funcionários públicos brasileiros também foram alvo dos procuradores que tinham amplo apoio público até 2018, quando a operação começou a ser colocada em causa porque o ex-juiz Sérgio Moro, que liderou as investigações em primeira instância, deixou a magistratura para se tornar ministro da Justiça no Governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Em 2019 conversas em aplicativos de mensagem, que se tornaram públicas a partir de reportagens do site The Intercept Brasil, indicaram que os procuradores da Lava Jato mantiveram diálogos ilegais com Moro. Essas revelações deram início a uma avalanche de revisões de decisões judiciais, principalmente no STF, incluindo a libertação e a anulação dos processos contra Lula da Silva.

Um levantamento do jornal O Globo mostrou que pelo menos 61 réus da Lava Jato no Brasil conseguiram reverter a sua situação jurídica a partir de anulações e absolvições nas instâncias de recurso ou ao serem abrangidos por indulto presidencial. 

A Lava Jato foi encerrada oficialmente em 2021, mas muitos processos que iniciou ainda estão em curso.

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