Lisboa napolitana

2 dias atrás 23

Páginas e páginas e páginas, minutos e horas de televisão e rádio e nem uma notícia sobre o que está a acontecer em Lisboa. Há meses que o assunto está no ar com o seu terrível fedor a lixo não recolhido e também nas calçadas, tão sujas como nunca, e ainda nas árvores descabeladas e nos canteiros mal ou não podados — tudo viscoso e porcalhão, sujo e encardido, a turística pocilga.

Tudo isto é contestável, mas imagino que Moedas não se sobressalte, já que dorme o sono dos inconscientes. Já a coluna de opinião demolidora de Miguel Sousa Tavares sobre o mesmo assunto, semanas depois reforçado por nova coluna – ainda mais arrasadora e factual – assinada por Manuel Salgado e José Sá Fernandes, mereceu uma primeira altiva resposta do edil. Escreveram eles que o atual presidente da Câmara se apropriou de várias obras já em curso e que faz de conta que são dele para brilhar. Fui verificar um par dessas obras e projetos – Salgado e Fernandes têm razão. Não há volta a dar: a apropriação existe, Moedas está a fazer pelo menos alguma batota – dou-lhe, naturalmente, algum benefício da dúvida. Há três possíveis razões para este plágio: Carlos Moedas fez muito pouco, ainda não conseguiu fazer o que quer ou então não tem ideia do que pretende para a cidade.

Não sou político, sou tão-só lisboeta, e talvez esteja a ficar velho e precise mais de lírios, hortênsias e passarinhos do que da antiga cidade branca; e que este meu amanhecer endiabrado encontre nos meus genes grisalhos parte do desgosto que me atormenta. Acontece que não sou o único a ver e cheirar a cidade assim, em decadência acelerada. Muita gente que conheço sente uma humilhante saudade de Fernando Medina – um dos políticos mais impessoais e altivos da pátria. Parece ficção científica – nostalgia de Medina, quem diria…? Acontece que Lisboa está um caco, regrediu tão depressa como a certa altura tinha florescido.

Bem sei que governar é difícil, cuidar de uma cidade talvez seja dos trabalhos mais complexos — e também dos mais excitantes. O desgaste, o atrito e o conflito são permanentes, são o modo de vida urbano. O turismo, que julgo fundamental e bem-vindo, multiplicou (digo: quadruplicou) as necessidades e a extraordinária chegada de expatriados fez disparar os preços. Apesar de descapitalizado, gosto de uma Lisboa cosmopolita e diversa que exigiria mais trabalho público, mais cuidado, mais esforço e mais liderança para estar à altura das circunstâncias. Nada disso aconteceu. Lisboa não tem só mar da palha, tem um mar de lixo com belas gaivotas lixeiras a condizer.

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