Mão de Abel Xavier? Onde, quando, porquê?

3 meses atrás 47

«Palavras à Sorte» é a rubrica diária dos jornalistas do zerozero durante o Euro 2024. Todos os dias, na Alemanha ou na redação, escrevemos um apontamento pessoal sobre a competição e todas as sensações que ela nos suscita.

Não me lembro de alguma vez ter disparado tantos insultos por centésimos de segundos. Eram os meus dias do futebol à flor da pele. Autorizava-me a comportamentos menos pedagógicos, uma associação estúpida entre irreverência e boçalidade.

Fiquem todos sossegados: esses tempos já lá vão. Há muitos, muitos anos.

Ora, dizia eu não me lembrar de tamanho vitupério sair da minha boca. Culpa, jurava eu e a restante gangada naquela sala portuense, do senhor Gunther Benko.

Benko, um austríaco de expressões severas, assinalara penálti contra Portugal. Ao minuto 117, nas meias-finais de um Europeu, num jogo contra a França.

Herr Benko, num contexto destes, nem uma agressão de punho fechado eu consideraria faltosa, quanto mais aquela mãozinha marota do bom do Abel.

Há atenuantes para a raiva desmedida.

Em 2000, a Seleção Nacional estava a disputar o seu terceiro Europeu. Só. Do de 84 tinha memórias nubladas, do de 96 ainda me afligia a chapelada do Poborsky e ali, em terras gaulesas, a vitória era o único fim aceitável.

Por isso, sim. Claro. Mas que mão? Onde? Quando? Porquê?

Essa participação arrancou com a mais épica das reviravoltas. De 0-2 para 3-2 contra Inglaterra, e o direito a ver uma bomba de Luís Figo a deixar Seaman pregado à relva, antes do baixinho João Vieira Pinto se antecipar a Adams e Campbell, egrégios matulões, e cabecear como só ele cabeceava.  

Seguiram-se o golo de Costinha nos suspiros finais vs Roménia, em Arnhem e com este que vos escreve atrás da baliza, e uma lição à Alemanha dada de cor e salteado por um tal de Sérgio Conceição, autor de um hat trick.

Ultrapassada a Turquia sem grandes embaraços, restava passar pela França de Zinedine Zidane. Foram noites e noites a devorar os programas na Eurosport carregados de elogios a Portugal.

Nunca tal coisa antes eu vira ou ouvira.

Não estávamos preparados emocionalmente para a mão de Abel Xavier. Cair daquela maneira, com um Golo de Ouro abominável tão perto do fim, não era o epílogo justo para uma seleção que inspirava e jogava um futebol fantástico.

Foi, a larga distância, o meu mais negro momento em Europeus.

Mão de Abel? Nunca, jamais. Para quê?

PS: escrevo este Palavras à Sorte no comboio de Leipzig para Frankfurt. Pela janela entra um verde inspirador, planícies onde a vista se perde. A Saxónia é uma região alemã interessantíssima, colada à Chéquia e onde ainda se pressente a herança pesada de uma ditadura abolida apenas em 1989. Que o Muro jamais se volte a erguer para este povo gentil. 

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