Morreu Norman Lear, um dos mais importantes criadores televisivos de sempre

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Alguma da melhor, mais memorável e influente televisão americana do século XX saiu da pena de Norman Lear, que não tinha medo de pôr o dedo na ferida e abordar vários lados de questões sociais e políticas complicadas dentro da fórmula antiga de uma sitcom familiar. Lear, que morreu esta terça-feira, aos 101 anos, dominou, sem dúvida, o pequeno ecrã nos anos 1970, e continuou a trabalhar até aos dias de hoje – entre 2017 e 2018, por exemplo, apresentou um podcast de entrevistas. A morte foi confirmada pela porta-voz da família Lear ao The New York Times.

Uma Família às Direitas, a sua obra mais famosa, deu-nos o dia-a-dia de uma família de Astoria, Queens, dos anos 1970, com o pai, um adorável reaccionário chamado Archie Bunker, a quem era dada vida por Caroll O'Connor, com dificuldade em entender os tempos modernos e as ideias mais progressistas representadas pela filha e o marido, que moravam com ele. A série dizia ao que ia logo na canção do genérico, com Archie e Edith, a sua esposa interpretada por Jean Stapleton, a cantarem sobre como "antes é que era".

Essa sitcom era baseada num original britânico, Til Death Do Us Part. Lear pegou na premissa e na vontade que havia de debater temas polémicos, mas trouxe bastantes alterações. Por exemplo, as histórias eram novas e alguns contornos políticos eram atenuados – o genro, no original, era socialista, não democrata, e a esposa era tão preconceituosa quanto Bunker. Havia também uma inspiração maior da sua própria família (dizia que Bunker e Edith, a sua esposa, eram inspirados nos seus próprios pais). Foi um sucesso enorme, especialmente após a primeira temporada. Não havia só fãs da série e da família Bunker no geral: muitos fãs viam o próprio Archie como um herói e não um alvo de sátira.

Ainda com Uma Família às Direitas no ar, seguiu-se Sanford and Son. Era outra versão de um original britânico (Steptoe and Son, que geraria, anos mais tarde, um remake português, Camilo & Filho Lda.), transposta do mundo de classe trabalhadora de Londres para Watts, Los Angeles, com um elenco afro-americano composto por Redd Foxx e Demond Wilson e memorável música composta por Quincy Jones.

Entre os anos 1970 e 80, os tempos de maior domínio de Lear sobre a televisão, o produtor foi também responsável por Maude e Good Times, spin-offs dessa série – houve ainda mais, sem Lear aos comandos – bem como The Jeffersons, One Day at a Time, que foi alvo de um reboot Netflix em 2017 – vem aí um, desta feita animado, de Good Times –, ou a telenovela satírica Mary Hartman, Mary Hartman, uma paródia ao consumismo de onde saiu o influente spin-off Fernwood 2 Night, um altamente influente anti-talk show.

Nascido no Connecticut em 1922, Norman Milton Lear cresceu durante a Grande Depressão. No início dos anos 1940, alistou-se no exército e combateu, como artilheiro e operador de rádio, na Segunda Grande Guerra, participando em bombardeamentos na Alemanha. Trabalhou em relações públicas e mudou-se para Los Angeles para seguir publicidade. Foi aí que começou a trabalhar em comédia, a escrever sketches com o seu parceiro Ed Simmons. Escreveram para Dean Martin e Jerry Lewis e para o duo Rowan and Martin.

A primeira série criada por Lear não faria prever o que viria depois. The Deputy, de 1959, co-criado com Roland Kibbee, era um western de meia hora centrado em Henry Fonda. Em 1967, co-escreveu Como se Divorciam os Americanos, filme de Bud Yorkin, com Dick Van Dyke e Debbie Reynolds. Yorkin e Lear, numa parceria que durou até 1975, tinham fundado, no final dos anos 1950, a produtora televisiva Tandem Productions, responsável por esse e o único filme de Lear como realizador. O Vício das 'Beatas', também com Van Dyke, estreou-se em 1971 e é uma comédia sobre a corrida a um prémio de uma tabaqueira dado a uma cidade cujos habitantes consigam deixar de fumar durante 30 dias.

Antes desses dois filmes, no início dos anos 1960, Dick Van Dyke era a cara de uma comédia televisiva mais antiga, mais banal, The Dick Van Dyke Show, criação de Carl Reiner. Era uma sitcom em que os dilemas eram, no geral, trivialidades do dia-a-dia. O que Lear veio a fazer na década seguinte foi mudar a forma como a televisão olhava para a vida das pessoas, mostrando os problemas e o caminho que ainda havia para percorrer.

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