Cronologia
24 out, 2024 - 21:39 • Diogo Camilo
Versão da polícia diz que Odair tinha "tentado agredir" agentes com uma arma branca antes de ser baleado, mas os polícias envolvidos negam. Moradores reagiram à morte com caixotes do lixo e autocarros incendiados, e os desacatos estenderam-se pela Grande Lisboa. Para sábado estão marcadas duas manifestações ao mesmo tempo e com o mesmo ponto de chegada - uma em defesa da polícia e outra contra a violência policial nos bairros.
Começou por ser um comunicado, divulgado na manhã de segunda-feira, a dar conta da morte de um homem de 43 anos em fuga que tinha sido baleado por um agente da polícia na Cova da Moura, na Amadora, durante a madrugada.
Em menos de quatro dias, a morte de Odair Moniz por um agente da PSP no Bairro do Zambujal desencadeou desacatos e tumultos por toda a Grande Lisboa, foram reveladas versões contraditórias do que antecedeu os tiros fatais, realizou-se uma reunião entre autarcas e Governo, organizaram-se duas manifestações e foram proferidas muitas reações extremadas sobre o caso, da esquerda à direita.
Dentro do bairro, falam de Odair como um “coração bom que adorava crianças”. Do lado de fora, é visto como um “assaltante que ameaçava pessoas com faca”.
Veja a cronologia dos eventos dos últimos dias, desde a morte até à organização de duas manifestações, uma em defesa da polícia e outra contra a violência policial nos bairros em homenagem a Odair Moniz.
Dia 21 de outubro
A direção nacional da PSP anunciou que um homem de 43 anos morreu após ter sido baleado por um agente da polícia.Em comunicado, é referido que “estava em fuga” após “visualizar uma viatura policial” e que “entrou em despiste, abalroando viaturas estacionadas” e que "terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca".
Os agentes da PSP acabaram por intercetar Odair às 5h43 depois de “esgotados outros meios e esforços”.Odair foi assistido no local e transportado para o Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, onde veio a morrer pelas 6h20.
No mesmo dia, à tarde, o movimento Vida Justa contesta a versão da polícia sobre a morte de Odair, citando o relato de moradores do bairro da Cova da Moura para dizer que a versão dada pela PSP é “totalmente falsa”. O MAI abre um inquérito urgente à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) sobre a morte de Odair. À noite, acontecem os primeiros desacatos no Bairro do Zambujal, com moradores a incendiarem caixotes do lixo e arremessarem objetos contra a polícia. Em reação no local, a PSP diz que não vai “tolerar comportamentos de uma minoria que ponham em causa a segurança da maioria”.Dia 22 de outubro
De manhã, o cenário no Bairro do Zambujal é de caixotes do lixo queimados, uma paragem de autocarro destruída e pedras no meio das ruas. “Perdem a razão ao fazer isto”, queixa-se uma das moradoras à Renascença. O agente da PSP que matou Odair Moniz é constituído arguido, mas continua em funções. Segundo o Expresso, "não foi suspenso nem transferido", mas está a ser apoiado pelo Departamento de Psicologia da PSP e a gozar de férias. Durante a tarde, cerca de 100 moradores do Bairro do Zambujal concentram-se no coração do bairro para contestar a morte de Odair Moniz. No Parlamento, a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, anuncia um inquérito a decorrer no Ministério Público e classifica a morte de Odair Moniz como um “infeliz incidente”.Já André Ventura diz em plenário que “não devíamos constituir como arguido” o agente da PSP responsável pela morte de Odair Moniz, mas sim “agradecer o trabalho que fez de parar um criminoso”. A violência volta ao Bairro do Zambujal, sobe de tom e alastra-se a Sintra, outros bairros da Amadora, Odivelas e Lisboa. No Zambujal, um autocarro da Carris foi furtado e incendiado. O mesmo aconteceu na Portela de Carnaxide, no concelho de Oeiras, a poucos quilómetros da Cova da Moura. Foram ainda registados desacatos em Casal de Cambra, Damaia, Campo de Ourique e Carnide.
Dia 23 de outubro
Marcelo Rebelo de Sousa pede que a segurança e a ordem pública sejam preservadas, em nota na página da Presidência. No Parlamento, os restantes partidos partiram para a crítica, com o Partido Socialista a questionar o silêncio de Luís Montenegro sobre o assunto e a Iniciativa Liberal a referir que quem condena cidadãos está mal e quem imediatamente ilibe a polícias está também mal”.À esquerda, o BE pediu uma “polícia sintonizada com o Estado de Direito" e condenou o que a "unidade de polícia especializada fez ao invadir a casa de uma família enlutada".
E à direita, nova polémica. Ricardo Reis, assessor parlamentar do Chega, publica nas redes sociais: “Menos um criminoso, menos um eleitor do Bloco”, em referência a Odair Moniz. A sua conta é, mais tarde, apagada.
À tarde, a reação de Montenegro: "Se tivermos de endurecer essa contenção nós teremos de o fazer", disse, indicando que “a violência não é aceitável”.O primeiro-ministro indica que "a razão é totalmente perdida" quando as pessoas que se querem "manifestar, colocar as suas preocupações e eventualmente as suas revoltas", o fazem fora "do quadro legal".
Ao mesmo tempo, a PSP avança com “tolerância zero” e diz que irá responder a qualquer ato de violência ou de desordem. À noite, são divulgadas notícias de que os agentes da PSP envolvidos na morte de Odair Moniz admitiram que o homem de 43 anos não os ameaçou com uma faca, contrariando a versão da polícia anunciada na manhã da morte.A arma branca estaria dentro de uma bolsa e foi encontrada mais tarde. Um dos agentes admitiu ter feito três disparos, um para o ar e dois que atingiram Odair Moniz na zona da axila e no abdómen.
Segue-se mais uma noite de desacatos na Grande Lisboa, com duas pessoas detidas na Pontinha e em Odivelas, e dois autocarros e sete veículos incendiados. A PSP regista incidentes no Seixal, Amadora, Sintra, Oeiras, Odivelas, Barreiro, Lisboa e Almada.Em declarações na RTP3, o líder parlamentar do Chega afirma que “se polícias disparasse mais a matar”, o país estaria “mais em ordem”.