"Não reconhecer a Palestina é premiar Netanyahu." Representante palestiniano em Portugal critica Montenegro

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Entrevista ao embaixador da Palestina em Lisboa

25 jul, 2024 - 19:37 • José Pedro Frazão

No dia em que Netanyahu se reúne com Biden, o representante da Palestina em Lisboa considera que o Presidente dos EUA teve um mandato falhado na Casa Branca em relação ao processo israelo-palestiniano. O diplomata crítica o Governo de Montenegro por não reconhecer o Estado Palestiniano que, diz, lhe foi prometida pelo antigo ministro João Gomes Cravinho.

O representante da Palestina em Lisboa diz que o reconhecimento do Estado palestiniano é uma corrida contra o tempo. Em entrevista à Renascença, o diplomata acusa a comunidade internacional de nada fazer para travar a morte indiscriminada de pessoas em Gaza na intervenção militar israelita.

Nabil Abuznaid considera que Donald Trump está atento aos palestinianos: o exemplo é a divulgação, há dois dias, pelo candidato republicano, de uma carta de Mahmoud Abbas em que este se revela solidário para com Trump após o atentado e onde condena o uso da violência. No plano interno, Abuznaid defende a realização de eleições na Palestina num prazo de um a dois anos. Havendo eleições, garante, Mahmoud Abbas sai da presidência da Autoridade Palestiniana.

Ao fim de 100 dias de trabalho do novo Governo, regista alguma mudança da posição portuguesa em relação à Autoridade Palestiniana?

Tínhamos a promessa do Governo anterior de que reconheceria o Estado da Palestina com outros países europeus, mas, infelizmente, com a mudança de Governo, tal não aconteceu. Foi uma promessa do anterior Governo. O que ouvimos do novo Governo é que é importante dar-lhes tempo e que reconhecerão a Palestina talvez mais tarde. Gostaríamos de ver isso acontecer agora e não mais tarde. Gostaríamos de ver Portugal ao lado de países vizinhos, como a Espanha. E gostaríamos que Portugal tivesse em conta o que diz o Tribunal Penal Internacional, o Tribunal Internacional de Justiça e as suas opiniões sobre a ocupação, que deve acabar. Gostaríamos de ver Portugal numa posição mais elevada entre os países que, em todo o mundo, apoiam o Estado da Palestina, porque Portugal é considerado amigo dos palestinianos e — o que é mais importante — o povo português apoia à Palestina e marcharam pelo seu reconhecimento pelas ruas de Lisboa, do Porto, de outras cidades. Por isso, não reconhecer não é o que gostaríamos de ver, mas se precisarem de mais alguns meses, poderemos compreender.

Qual é o argumento que o Governo lhe transmite?

Dizem que talvez o momento não seja perfeito agora, prometendo usar os seus esforços em mediação, provavelmente falando com os israelitas, para ver se podem ser facilitadores para a paz e, assim, ajudar os palestinianos, mais do que o reconhecimento neste momento. Portanto, se forem sérios e se consideram realmente envolver-se no processo de paz no Médio Oriente, vamos ver isso. Mas também não é justo dizer que não vão reconhecer a Palestina porque vão envolver-se no processo de paz.

"Bombardear é o melhor para mudar o regime em Gaza? Não, faz parte de um processo"

Talvez pensem que os israelitas não irão falar com eles se reconhecerem a Palestina, mas também não devem dar um presente a Netanyahu ao não reconhecer na Palestina, considerando assim que os israelitas poderiam conversar com eles como mediadores.

Considera que Portugal está a dar um presente a Netanyahu neste momento?

Penso que não reconhecer a Palestina é um presente para Netanyahu, não para os palestinianos oprimidos em Gaza ou na Cisjordânia, onde a situação é problemática. No artigo 7.º da vossa Constituição está inscrito o princípio de apoio a países que lutam pela liberdade. Penso que a ausência da posição portuguesa em reconhecer o sofrimento palestiniano, ou a aspiração de ter paz no seu próprio país, não é uma boa coisa para Portugal, que consideramos um bom amigo, um país de pessoas que acreditam na justiça e na imparcialidade, porque testemunharam a opressão e a ditadura. Penso que deviam estar no topo da lista, reconhecendo a Palestina. Por mim, não gosto de ver Portugal no 15.º lugar dessa lista.

Acha que o povo português apoia a causa palestiniana?

Sim, vejo isso nas ruas, nas marchas, nas cartas que recebo de pessoas de todo o país. Sabe, estava a passar o passaporte no aeroporto de Lisboa para um segurança que me disse: 'Espero que o meu país reconheça a Palestina muito em breve.' Pelo sentimento das pessoas, pelas cartas que recebemos de apoio, quando ando pelas ruas e as pessoas reconhecem-me, Portugal abraça-me e diz-me: 'Estamos convosco.'

Dizem que gostariam de ver a liberdade chegar até nós, que gostam de ver-me aqui. Gostariam de ver o nosso reconhecimento e desejam que o país o faça. Esta questão está a tornar-se um debate público em Portugal. O reconhecimento da Palestina está a ser discutido em todos os lugares — e penso que a favor da Palestina. Os portugueses não vão apoiar a operação em Gaza, a matança de pessoas inocentes, a destruição de hospitais. Não vi isto em Portugal. O que vi foi simpatia pelo povo palestiniano.

Quem lhe prometeu o reconhecimento da Palestina no anterior Governo?

O ministro dos Negócios Estrangeiros [João Gomes Cravinho].

Ele disse-o como tal?

Sim. Tivemos uma reunião, como decano dos embaixadores árabe. Ele disse, em 2024, que Portugal seria um dos oito países da Europa a reconhecer a Palestina.

António Costa será agora presidente do Conselho Europeu. Quais são as expectativas da Autoridade Palestiniana sobre o papel de Costa neste assunto?

Espero que ele siga os passos do senhor Guterres na ONU, onde é o campeão da paz, da justiça e da proteção do direito internacional, e está ao lado dos povos oprimidos. Na verdade, vemos Guterres não apenas como um português, mas como um homem de dignidade, um homem de paz, que acredita na justiça. E espero que Costa siga Guterres nesta posição.

Espera que António Costa esteja na primeira fila dos esforços diplomáticos?

Sim. Estamos numa nova era, depois de 10 meses de destruição e guerras no Médio Oriente. Penso que a nossa responsabilidade é acabar com a guerra, é trazer justiça aos palestinianos, e acabar com a ocupação das terras palestinianas pelos israelitas. Não se pode fazer justiça com a ocupação.

No artigo 7º da vossa Constituição está inscrito o princípio de apoio a países que lutam pela liberdade. Penso que a ausência da posição portuguesa em reconhecer o sofrimento palestiniano ou a aspiração de ter paz no seu próprio país não é uma boa coisa para Portugal, que consideramos um bom amigo

Têm de deixar claro a sua posição de que a ocupação tem de acabar e que reconhecem o Estado palestiniano. Esta mensagem deve ser enviada diretamente a Netanyahu, de que estas são as terras palestinianas e que deve tirar as mãos delas. Devem parar de confiscar terras e de construir colonatos.

Se a Europa acredita na solução de dois Estados, se reconhecem um, deveriam reconhecer o outro. A falta de reconhecimento de um deles, dá a Netanyahu mais tempo para confiscar terras ao Estado palestiniano. Isto significa que os europeus não teriam terras para dar o Estado palestiniano. E isso, por sua vez, significa que a solução dos dois Estados já não será uma opção, talvez daqui a um ano, quando não sobrar terra para a Palestina. É por isso que a responsabilidade é deles. Deveriam fazer isso mais cedo do que mais tarde.

Isso significa uma contagem decrescente. Daqui a um ano não será possível implementar na prática a solução de dois estados?

Cada momento conta. Espero que o Governo português perceba isso e que veja as declarações vindas da ala direita de Israel, de Smotrich, de Ben-Gvir e do Parlamento, aquelas em que disseram que não permitiriam um Estado palestiniano. Estão a destruir agora a Cisjordânia. Ainda esta terça-feira cinco pessoas foram mortas em Tulkarem, na Cisjordânia. Os campos de refugiados destruídos não estão só em Gaza. A guerra contra os palestinianos pela ala direita de Israel continua.

Não sei qual foi a mensagem do Governo português à direita e ao Governo de Israel, quando estes disseram que nunca aceitarão um Estado palestiniano. A única solução que resta é a solução de dois Estados, o que significa um Estado palestiniano deve ser reconhecido. A falta de um reconhecimento da Palestina significa atirar-nos para as mãos da direita. E significa dizer-lhes que, provavelmente, devem conquistar terra o mais que puderem. E, no final, não teremos terra. Portanto, a questão da solução de dois Estados deixa de ser uma opção.

O tempo é importante. Há que parar a opressão sobre os palestinianos. O confisco das terras dos palestinianos deveria terminar imediatamente, pelo que não deveriam esperar mais. E não estou a ver quaisquer declarações vindas de Lisboa a apelar realmente aos israelitas para que parem com a sua opressão e com o confisco de terras.

Sendo António Costa a favor do reconhecimento do Estado da Palestina, isso fará a diferença em Bruxelas?

Esperamos que sim. Esperamos que o consiga. O impulso hoje é para o reconhecimento e, por isso, ele deveria seguir os passos do seu 'irmão' Guterres, que realmente liderou o mundo no sentido da justiça e da paz. É a hora de o fazer. Vamos esperar, não queremos julgar antecipadamente, mas a nossa esperança é que ele seja um campeão da paz e da justiça, e assim seria reconhecido, pois a História julga positivamente as pessoas que se posicionaram com justiça contra a opressão. Não queremos ter presidentes que continuem as políticas anteriores e não façam nada.

Os últimos desenvolvimentos na arena política europeia comprometem ou reforçam ainda mais a posição palestiniana?

Vemos mudanças noutros meios em França, em Inglaterra. Vemos também mudanças positivas. Há questões contra a imigração e, por conseguinte, alguns países europeus querem o isolamento, não querem abrir fronteiras, não se querem misturar com outros.

Podemos ver que há algumas mudanças em Portugal.

Nos Estados Unidos hoje em dia vemos metade dos israelitas ou dos judeus a exigir que deixem de fornecer armas a Israel. Esta é uma nova era, um tempo novo. As pessoas foram realmente ensinadas nos anos 1950 e 60 sobre o Holocausto. Na altura, na Europa, os pais conversavam com os seus filhos sobre o Holocausto. Chegou agora a hora de estas crianças contarem aos pais que têm de ouvir a história dos palestinianos. Temos histórias suficientes sobre o Holocausto. O momento é de ouvir a história dos palestinianos. Isto está a mudar.

Estas posições afetaram realmente as eleições norte-americanas, mudando mesmo a posição de Biden, porque eram a maioria dos jovens, outras minorias como os latinos, os afro-americanos, os árabes ou os muçulmanos, decidiram boicotar as eleições. Vemos mudanças que ocorreram na América porque as pessoas pensam que a América tem a chave para a paz no Médio Oriente.

O que pensa da Presidência Biden em termos deste processo?

Acho que foi um fracasso total. Não fez nada do que prometeu. Prometeu abrir a embaixada palestiniana em Washington. Prometeu abrir a embaixada americana em Jerusalém Oriental. Ele prometeu muitas coisas e não fez nada. Mas foi a Israel e deu-lhes um apoio militar ilimitado, esteve ao lado deles contra todas as posições internacionais e no Conselho de Segurança. E em todo o lado não fez nada pela paz ou pela justiça. Não tenho nada que me lembre do que Biden fez pela humanidade. Na minha opinião, será considerado um falhado e um apoiante da guerra.

E quais são as suas expectativas em relação ao papel da vice-presidente Kamala Harris neste processo?

Kamala Harris uniu o Partido Democrata porque havia um problema sobre a substituição de Biden. A escolha deu-se por ser vice-presidente, é uma mulher, vem do grupo de afro-americanos. Salvou o partido e a coligação — porque agora havia uma coligação para boicotar as eleições. Provavelmente, a visão destes está a mudar, a maioria dos estrangeiros que foram contra a guerra e que são cidadãos da América, apoiariam realmente o Partido Democrata e votarão nele agora. Penso que a questão palestiniana está a desempenhar um papel nas eleições americanas, sabendo historicamente que o apoio de Israel é um elemento principal nas eleições americanas. As coisas mudaram e a Palestina tornou-se um assunto importante.

Penso que a nossa responsabilidade é acabar com a guerra, é trazer justiça aos palestinianos e acabar com a ocupação das terras palestinianas pelos israelitas. Não se pode fazer justiça com a ocupação. Têm de deixar claro a sua posição de que a ocupação tem de acabar e que reconhecem o Estado palestiniano. Esta mensagem deve ser enviada diretamente a Netanyahu, de que estas são as terras palestinianas e que deve tirar as mãos delas.

Até Trump está a dizer que procura trabalhar com o Presidente da Palestina para alcançar a paz no Médio Oriente. E disse esperar que os israelitas acabem com a guerra antes de ele chegar à presidência. A questão palestiniana é importante, e é uma questão onde as pessoas decidem se estão com a ocupação e a opressão, ou se estão com a paz e a justiça. Tornou-se uma posição internacional.

A possibilidade de Kamala Harris poder nomear um governador judeu para candidato a vice-presidente é uma preocupação?

Esta guerra mudou muitos pensamentos sobre o passado e sobre a história do conflito. Esta não é uma guerra entre judeus e palestinianos. É uma guerra entre a opressão e a ocupação. Esta questão mudou o pensamento das pessoas. Trezentos judeus foram presos esta semana junto ao Capitólio. O marido de Kamala Harris é judeu, a sua filha foi uma das ativistas da campanha pelos palestinianos e a sua sobrinha apoiou as ações para impedir os israelitas de confiscar as terras palestinianas em Jerusalém.

As coisas mudam depois da guerra em Gaza, não são como eram antes de 7 de outubro. Estamos numa nova era em que o mundo inteiro está unido para alcançar a paz no Médio Oriente e penso que acreditam que não há paz sem justiça para os palestinianos. Por isso, não estou preocupado se forem judeus. Vou analisar as suas ações, porque a religião não é um problema para mim.

O candidato Donald Trump publicou uma carta do seu presidente, Mahmoud Abbas, que escreveu ao candidato presidencial republicano para condenar a tentativa de assassinato. E Donald Trump respondeu que tudo vai ficar bem e, de alguma forma, recebeu bem esta carta de Mahmoud Abbas. Está à espera de uma mudança na abordagem de Trump a este processo, se for eleito?

Se pensarmos no passado, não esperamos muito. Mas também temos de pensar na realidade, de que as coisas mudaram depois do 7 de outubro. Vamos dar-lhes o benefício da dúvida de que farão alguma coisa. Consigo perceber que algo acontecerá em breve.

Além disso, a nossa experiência passada com Trump, e também com Biden, foi a de que não cumpriram as promessas feitas aos palestinianos. Agora as coisas estão a mudar. Trump fez declarações positivas, dizendo que Israel deveria terminar esta guerra e promete acabar com a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente quando for eleito. As pessoas pensam que ele é capaz de fazer isso.

Conhecer esta carta do Presidente Abbas no dia em que Netanyahu chega aos Estados Unidos, e sabendo que se vai encontrar com ele, penso que Trump está a enviar uma mensagem, como que a dizer: "Muito bem, também existem os palestinianos, senhor Netanyahu. Estou em contato com eles. Estou a referir coisas sobre os palestinianos com esta carta que recebi do Presidente Abbas." É uma mensagem política.

O plano de Trump em 2020, chamado 'Paz para a Prosperidade', é algo que se pode aceitar, numa versão revista, para avançar no processo?

Os palestinianos estão esperançosos. Sem esperança, não tínhamos feito nada, nem sequer existíamos. Estamos esperançados também nas eleições norte-americanas. Na questão da Palestina e do conflito, ouvimos sempre declarações, mas vamos ver se as coisas mudam na realidade, porque o interesse americano e a sua credibilidade depois desta guerra, é um desafio.

Eles têm de pensar nas suas políticas, pois há algo que podem perder em credibilidade, ao nível da política externa americana, com o apoio a Israel nesta guerra. Vamos dar-lhes uma oportunidade e ver.

A questão palestiniana está a chegar. Nas questões sérias, quando se fala da Ucrânia, fala-se em Gaza e na Palestina. Portanto, é uma questão internacional que tem de ser tratada imediatamente. Como palestinianos, sabemos que a nossa questão será discutida ao mais alto nível internacionalmente, não está escondida. Não desapareceu como antes, está hoje em cima da mesa e muitas opiniões no mundo estão a mudar.

Na primeira presidência de Trump, ouve uma tentativa de corte de fundos, por exemplo, para Agência de Assistência das Nações Unidas, UNRWA. Muitas partes querem agora cortar laços com a UNRWA por causa do papel desempenhado na situação de Gaza e alegadas filiações no Hamas e na Jihad Islâmica Palestiniana. Espera um corte de fundos de Trump?

Israel inventou muitas histórias nesta guerra. Uma delas foi sobre esta agência, dizendo que os funcionários da UNRWA eram combatentes do Hamas. Houve uma comissão de elementos europeus que descobriram que não era verdade. Muitos países que disseram que não apoiariam a Palestina mudaram de ideias e garantiram apoio à UNRWA. É também uma mudança por causa dos media e do fabrico de histórias do lado israelita.

Penso que as coisas vão agora numa direção melhor do que estava no início da guerra. Nos dias e nas semanas após o 7 de Outubro, as pessoas começaram a ver quem é o agressivo e o ocupante.

Vimos os habitantes de Gaza e as pessoas a moverem-se da esquerda para a direita, de norte para sul, de um lugar para outro, sem hospitais, sem comida, sem nada. E uma vergonha que durante 10 meses a comunidade internacional veja isto e a única coisa que faz é chorar e mandar os israelitas parar de o fazer. Por conseguinte, penso que a comunidade internacional não conseguiu impedir a matança do povo palestiniano, porque a posição americana ou a posição de Biden ficou do lado dos israelitas.

Olhando agora para a política palestiniana, o Hamas e a Fatah assinaram em Pequim esta semana um acordo para estabelecer um governo de reconciliação nacional provisório para governar Gaza do pós-guerra. O que se passa?

Às vezes temos um acordo, mas há problemas nos detalhes. As primeiras declarações vindas dos israelitas criticam e dizem que esse acordo não será aceitável. E também se estivermos divididos, os israelitas dizem que a Autoridade Palestiniana é fraca e não representa os palestinianos.

Por isso, concordámos em ter um novo governo para, juntos, termos uma nova política sobre a guerra. Concordámos em acabar com a ocupação e em ter um Estado. Mas não basta apenas os palestinianos, porque os israelitas têm de se portar bem na aceitação dos direitos dos palestinianos. Se os israelitas dizem que não apoiam de forma alguma este acordo, os europeus também não o apoiam. Então ficamos bloqueados. Precisamos de ver mudanças na posição dos israelitas. É muito importante que o mundo inteiro diga que queremos a paz quando os israelitas dizem que não estão interessados na paz.

Esperamos que as coisas sejam diferentes se houver uma posição internacional no Conselho de Segurança ou algo que realmente obrigue os israelitas a aceitar a Palestina.

Estou a falar de uma posição dos movimentos políticos palestinianos, Hamas e Fatah. Qual é o objetivo disto?

As pessoas que estão divididas não conseguem atingir os seus objetivos. A unidade é o primeiro passo para a paz e esta é a decisão que tomaram. Vieram de todas as facções sinalizando que vamos seguir estes passos que, na minha opinião, para serem práticos, têm que ser apoiados e acompanhados pela comunidade internacional e pelos israelitas.

Os europeus talvez digam que a Fatah ou a Autoridade Palestiniana estão agora do lado do Hamas e não aceitam isso. Vamos então ver a reação internacional e a reação israelita. Não vamos dançar sozinhos, precisamos de ver os outros a juntarem-se. Vamos esperar qual a posição europeia.

Mas a Autoridade Palestiniana é a autoridade reconhecida pelo povo palestiniano. Agora anunciam que vão estabelecer um governo interino de unidade nacional. Isso significa que vai partilhar o poder com o Hamas?

Não, não tem de ser o Hamas. Mas o Hamas concordaria com os escolhidos de um novo governo para que não tenham de fazer parte do governo, nem mesmo a Fatah precisa de fazer parte do governo. Temos de escolher um governo que seja aceitável para todas as partes.

Mas é esse o problema. Não conseguiram fazer isso durante muito tempo na Palestina.

Sim, porque temos opiniões diferentes. Como depois de Oslo falhámos a alcançar a independência e a liberdade para os palestinianos, com mais confisco de terra pelos israelitas, 600 vezes mais do que antes, o Hamas escolheu outro caminho e escolheu usar a luta armada. Disseram-nos que falhámos a alcançar os objetivos dos palestinianos e disseram-lhes que, por meios militares, não podem resolver isto, têm de o fazer politicamente. Portanto, talvez neste momento pudéssemos ter uma só voz para sermos realmente aceitáveis para os europeus e para os americanos na resolução desta questão. Mas temos de estar de acordo sobre uma só lei em termos de segurança. Politicamente, aceitamos Oslo e os acordos que assinámos. Agora, os israelitas também têm de aceitar.

Aceitaria que a Fatah não estivesse no governo?

Sim. Hoje o governo não é da Fatah, são 'profissionais', portanto aceitamos isso. Mas não é apenas isso. Como pode este governo levar os israelitas a aceitarem-nos? Estarão eles dispostos a retirar-se das terras palestinianas? Os israelitas estão dispostos a fazer isso? Nunca deram nada à Autoridade Palestiniana. Tiveram um governo em Israel em que mataram o seu próprio líder, Rabin, que assinou o acordo de paz por Israel. Mataram-no porque assinou um acordo com a Palestina. Pensaram que ele desistia das terras do Grande Israel. Os israelitas controlam o poder, a terra, a opressão, e tudo.

Dê-me algumas declarações dos israelitas encorajando os palestinianos pela paz, estando dispostos a viver a um centímetro dos territórios palestinianos. Gostaríamos muito de ver uma declaração sobre a cimeira vinda dos israelitas que pelo menos considerariam isso. Israel diz não ao Estado Palestiniano. O que esperam que os palestinianos façam?

A popularidade do Hamas na Cisjordânia aparentemente continua a aumentar. Reconhece que o Hamas é o movimento político mais popular também em toda a Palestina?

Não concordo que a sua popularidade esteja a aumentar. Por vezes, as pessoas votam realmente contra a Autoridade Palestiniana porque ela não conseguiu alcançar os direitos dos palestinianos. Os israelitas continuam a opressão na Cisjordânia e a sua destruição. Como é que, neste momento, quer que as pessoas votem na Autoridade Palestiniana, se não conseguem alcançar qualquer coisa? Em qualquer partido político, as pessoas votam no partido que irá alcançar os seus direitos ou o que desejam. A Autoridade Palestiniana falhou em tudo, porque os israelitas confiscaram mais terras em vez de as devolverem aos palestinianos.

Mas a Autoridade Palestiniana também recebe críticas da sociedade palestiniana.

Pode ser que sim, com esta situação e também a falta de eleições, que não está nas nossas mãos Quando os israelitas impedem o nosso povo de Jerusalém de votar, matam realmente a democracia. E também não se pode perguntar às pessoas que estão sob ocupação, quando não têm liberdade, para praticar a democracia, porque ela tem de andar lado a lado com a liberdade. Se nos é negada a liberdade, como espera que pratiquemos a democracia? Como espera que tenhamos eleições sem o povo em Jerusalém? Israel diz que não deixará as pessoas em Jerusalém irem votar.

Precisamos também de construir as nossas instituições. Acreditamos na democracia, mas dêem-nos uma oportunidade. Mas hoje não temos isso. Temos esta situação que continua com a presidência e sem parlamento. Poderia imaginar isto a acontecer em Portugal? Há 15 anos que não temos parlamento. Temos de lidar com estas questões e dar à Palestina a oportunidade de se reconstruir.

Estou na Cisjordânia. Sabia que se quiser viajar 18 quilómetros de Hebron para Ramallah, demoro 5 a 6 horas, circulando à volta das cidades cujos portões estão abertos? No outro dia, cheguei a dois lugares onde o exército estava a fechar o portão, por isso tive de procurar outro portão e conduzir mais meia hora.

O primeiro-ministro palestiniano demitiu-se e apelou a uma nova realidade do lado palestiniano, com alguns acordos que tenham em conta a situação na Faixa de Gaza. Disse que há uma necessidade urgente de um consenso entre palestinianos. O que mudou com a sua demissão?

Nada mudou e as coisas estão a piorar. Estão a mudar de mal para pior.

Ele demitiu-se, falando também sobre o trabalho dos palestinianos neste domínio.

Como podem fazer isso? Sabe o que se passa em Gaza. Na Cisjordânia, é a mesma coisa. Vivemos em cidades em que, à noite, o exército ataca e todos as cidades são fechadas por portões. Pode imaginar se fosse esse o caso em Portugal? Se cada cidade fechasse as portas? Se uma entidade estrangeira e os ocupantes o fizessem? Não sei que vida teria para as pessoas. O governo de direita em Israel está a crescer por duas razões. Primeiro, Trump deu a Israel o que eles queriam e, em segundo lugar, a falta de posição dos governos europeus para pressionar e tomar medidas contra o comportamento israelita. Portanto, acho que [o problema] não são os palestinianos, mas sim os israelitas e o seu crescente governo de direita, por causa deste apoio dos americano e pela falta de posição dos europeus.

Houve uma declaração do novo primeiro-ministro, Mohammed Mustafa, que quer estabelecer um plano para muitas coisas. Uma delas é um fundo, ou algo semelhante, para lidar com a reconstrução, pretendendo também uma agência transparente para a recuperação de Gaza. Qual é o plano?

Bem, o plano não existe porque não há dinheiro. Como é que os palestinianos vão construir Gaza se não podem pagar os salários do povo? Nas nossas escolas e nos nossos hospitais, as pessoas receberam menos de metade do seu salário nos últimos dois anos. As coisas estão tão mal que mal podemos sobreviver. Como podemos reconstruir Gaza? Cabe aos doadores e estes, sem uma visão para a paz, não vão dar nada para a construção de Gaza.

Mas os doadores apelam à transparência e à tolerância zero em relação à corrupção. Reconhece que este é um problema para a Autoridade Palestiniana?

Queremos ter um governo que possamos questionar, mas temos de ser realistas. Em Portugal, há o Parlamento e instituições, mas nós não as temos. Como podemos ir para a ruas, quando temos uma grande confusão com a ocupação? Temos falta de instituições palestinianas, nomeadamente um parlamento, sem o qual não se pode controlar um Governo. Quero combater a corrupção e viver em democracia. Para mim, é muito importante. Não podemos ter sucesso sem democracia. Não podemos ter sucesso com a corrupção. Fazemos o que podemos, mas não é fácil.

Está a falar sobre realismo. Não espera eleições do lado palestiniano nos próximos anos?

Espero, daqui a um ou dois anos, poder participar numa eleição ou candidatar-me a um cargo na Palestina nessa eleição. Durante 18 anos não tivemos eleições, só tivemos uma antes disso. Consegue imaginar que terminaria a sua vida sem participar na democracia, que basicamente se vê nas eleições?

Novas eleições criam novas gerações e novas pessoas. Ficámos com os dois partidos principais, Fatah e Hamas, porque não há eleições. Veja que, em Portugal, não havia o Chega há 8 anos quando o partido começou. Agora têm 50 membros no Parlamento. Se não houvesse eleições durante 20 anos, muitos partidos mantinham-se e não surgiam novas formações políticas.

Como avalia a possibilidade da popularidade do Hamas, que é considerado uma organização terrorista e que, por exemplo, matou e raptou pessoas em Israel?

Não é terrorista. Quando as pessoas vivem sob ocupação, até Guterres disse que o ataque de 7 de outubro não surgiu do nada, de um vácuo... Não acredito na luta armada hoje. Acredito em negociações pacíficas, mas como posso travar a resistência palestiniana se os palestinianos são oprimidos todos os dias?

O Hamas não é uma organização terrorista, na sua opinião?

Não sei como define 'terror'. Verifique o direito internacional e veja que as pessoas que vivem sob ocupação podem resistir.

Quando as pessoas vivem sob ocupação, até Guterres disse que o ataque de 7 de outubro não surgiu do nada, de um vácuo. Não acredito na luta armada hoje. Acredito em negociações pacíficas, mas como posso travar a resistência palestiniana se são oprimidos todos os dias?

Esta é a forma como o Hamas é reconhecido por muitas instituições internacionais, incluindo a União Europeia.

Os palestinianos da Fatah, que agora vivem em paz, eram considerados uma organização terrorista. A OLP que assinou a paz com Israel e com Rabin foi considerada uma organização terrorista — qualquer pessoa que conversasse com a OLP podia ir para a cadeia. Além disso, em Israel, Menachen Begin foi considerado inicialmente um terrorista.

Mas o Hamas não reconhece a existência do Estado de Israel.

Não é verdade. Israel não está a reconhecer os palestinianos, não são os palestinianos que estão a falhar o reconhecimento de Israel.

Não estou a falar dos palestinianos todos. Estou a falar simplesmente do Hamas.

Eu sou palestiniano. Quais as fronteiras que quer que eu reconheça? Diga-me onde ficam as fronteiras israelitas? Se não me disser quais são as fronteiras israelitas na Cisjordânia, como pode esperar que eu reconheça o meu opressor? Isso significa que eles podem ocupar indiretamente a minha casa hoje. Se me disser que as fronteiras israelitas são as de 1967, penso que o Hamas seria o primeiro a reconhecer Israel. Israel deveria declarar as suas fronteiras. Não há país no mundo inteiro sem fronteiras declaradas. A primeira coisa quando se faz o reconhecimento claro de um Estado é mostrar onde está a sua fronteira.

Israelitas, onde estão as vossas fronteiras? Se considerarem Hebron como parte de Israel, como fazem agora, sejam justos: como quer que eu reconheça o meu opressor? Se disser que são as fronteiras de 1967, o que é aceite pela comunidade internacional, vou aceitar. E, já agora, nas fronteiras de 1967, a Cisjordânia e Gaza são 22% da Palestina; 78% acreditamos que é terra palestiniana, mas, a bem da paz, vamos aceitar o reconhecimento de Israel deste lado como Israel. Tem de ser justo nas requisitos, não porque goste de desistir da Palestina — porque historicamente sou da Palestina, os meus pais eram imigrantes — mas tem de compreender que não podemos mudar o passado. Podemos mudar o futuro, para um futuro melhor para os palestinianos e para os israelitas.

Vimos o que aconteceu a Joe Biden, de 81 anos. Mahmoud Abbas tem 88 anos. Muita gente na Palestina quer que ele renuncie e abra um novo ciclo para os palestinianos. Poderíamos esperar um passo como estes por Abbas?

A questão é como é que podemos fazer isso. Provavelmente o Presidente Abbas gostaria de se demitir. Mas como o faríamos? Precisamos de eleições. Se não conseguirmos fazer eleições, teremos mais confusão. Em quem votar? Tomemos ,como exemplo, Portugal. Se não tivermos eleições, as pessoas nunca concordarão com uma situação em que o Presidente Abbas diz que quer que X ou Y representem os palestinianos. As pessoas não vão aceitar isto. As pessoas vão acreditar nas urnas.

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E se tivermos a oportunidade de votar, acreditem, seremos felizes e seremos os primeiros a colocar os nossos votos nessas urnas e a decidir a nossa democracia. Não queremos outra escolha, uma que alguém nos atribua. Precisamos de decidir por conta própria. Nós somos capazes. Somos educados, sabemos o que é a democracia. O povo palestiniano ensinou a maioria dos países e das pessoas do Médio Oriente. Por que razão isso nos é negado? Não somos pessoas iguais a vocês? Porque é que pode votar e escolher o seu governo e eu não posso?

Gostamos de acreditar na liberdade e na igualdade e não apenas de ler sobre o assunto. Precisamos de praticá-lo. Este é o problema. Deem aos nossos filhos uma oportunidade de realmente participar nas eleições. Nós somos as vítimas. Desejo que os israelitas tenham resposta. Gostava que dissessem que aceitarão a nossa liberdade.

E, vejam, o Hamas começou há 20 anos. Durante todas estas lutas, desde 1967, o Hamas não existia. Mas a questão de não quererem dar nenhuma terra e ocuparem mais terras, é o problema. Dê-me qualquer declaração oficial de qualquer israelita disposto a fazê-lo. Existem pessoas simpáticas, a falar da solução dos dois Estados, mas se o opressor e ocupante não quer nada para o povo oprimido, não se consegue obter nada, não importa o que eu diga.

Sobre as eleições, historicamente ouvimos a queixa de não ser permitido votar em Jerusalém Oriental. Mas agora temos Gaza em escombros, quase destruída. A situação é muito pior do que a de há um ano?

Não se preocupe connosco. Dê-nos a oportunidade. Nós vamos trabalhar nisso.

Mas a Autoridade Palestiniana e a Fatah disseram que não era possível conseguir eleições sem o recenseamento em Jerusalém Oriental, e que isso é importante para as eleições. O que mudou?

É importante. Não podemos ter eleições sem Jerusalém Oriental. Aceitar isto significa que estamos a aceitar o plano de paz de Trump para desistir de Jerusalém ou entregá-la a Netanyahu quando acreditamos que Jerusalém é a nossa capital. Não é a terra de Trump. É território palestiniano, reconhecido internacionalmente como território ocupado, tanto Jerusalém, como Hebron, como Nablus. É um território ocupado. Porque é que Trump deu isso aos israelitas? Quem é ele? Isto não é uma das suas torres. Poderia imaginar fazer eleições em Portugal sem Lisboa?

Mas Gaza, por exemplo, está agora quase destruída.

Agora está destruída. Mas se nos der uma oportunidade — não digo amanhã - se tiverem a possibilidade de voltar para as suas casas... Vivem em tendas. A identidade deles está lá. Os israelitas não os querem e esforçam-se por isso.

É possível ter eleições em Gaza?

Sim, porque não? Os palestinianos acreditam na democracia mesmo na guerra. Dê-lhes uma oportunidade e eles votarão. Temos sede disso.

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