No país dos contos de fadas

6 meses atrás 59

No momento em que escrevo este texto, estamos a meio de uma campanha eleitoral desinteressante e pouco esclarecedora. Infelizmente, e não só nos momentos eleitorais, o debate político deixou de ser uma discussão da visão de cada uma das forças concorrentes sobre a sociedade que quer construir e sobre os projectos a desenvolver para atingir esse objectivo.

Hoje, usa-se o marketing político, que privilegia a criação e divulgação de pequenas frases ou slogans trabalhados por agências especializadas, facilmente memorizáveis, desenvolvidos a partir de percepções que transmitem ideias muito simples, interpretáveis sem necessidade de reflexão, para criar nos eleitores uma apetência por determinado sentido de voto. São os chamados “soundbites”.

Ora, o marketing político, como qualquer forma de marketing, pretende vender um produto. O problema está exactamente aí. É que o produto deixou de ser uma ideologia (no sentido de visão organizada de uma certa forma de organização social ideal, fundada num eixo de valores coerente), ou uma simples ideia, ou mesmo um projecto, para passar a ser uma pessoa que sintetiza em si toda a liderança do Partido, e que, consequentemente, passa a ser visto como o detentor do poder de decisão sobre a orientação política seguida por esse Partido, a par dos objectivos a atingir.

O papel do marketing político é “vender” esse líder ao eleitorado. Naturalmente, se esse líder não atingir os objectivos que definiu, então, não é o líder adequado, e tenderá a ser rapidamente substituído por outro que se apresente como um “produto” mais “vendável”. Há inúmeros exemplos de ex-líderes a quem sucedeu isto: António José Seguro, Francisco Rodrigues dos Santos, Rui Rio…

Esta situação traduz uma evolução que me parece extremamente negativa da forma como vivemos e vivenciamos a política.

Passámos de uma sociedade em que existia um real debate ideológico, em que os partidos se organizavam em torno de princípios ideológicos sólidos que constantemente se discutiam e comparavam, para uma situação em que se discutem as pequenas ou grandes virtudes ou falhas das pessoas, em que os critérios de decisão política passaram a ser medidos por critérios de simples gestão financeira, em que se privilegia uma pretensa meritocracia individual em detrimento de referenciais ideológicos (e até a própria noção de ideologia parece, actualmente, ser pejorativa, o que, como já disse, na minha opinião, também reflecte uma orientação ideológica).

Mas, para mim, tentar fazer política sem ideologia é o mesmo que tentar fazer economia só com contabilidade – falta a visão estratégica condutora da actividade.

Estamos, assim, a meio de uma campanha eleitoral em que não se discutem as questões substantivas das propostas em confronto, e se usa e abusa dos soundbites, sobretudo para criar impressões negativas sobre o outro. Como quando se afirma que o outro “vive num conto de fadas”.

Na realidade, não seria de esperar outra coisa, uma vez que, como muitos comentadores disseram, os projectos e programas dos dois principais concorrentes são quase coincidentes em inúmeros pontos. Ora, se as nossas propostas são iguais às do outro, não estaremos nós também no mesmo conto de fadas? E não devemos esquecer que nos contos de fadas há sempre uma bruxa…

A discussão passa assim para o nível das pessoas. É normal que assim seja, uma vez que ambos são co-responsáveis pela situação. Mas quem sofre com este estado de coisas é a democracia – e nós com ela.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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