Nova lei europeia da liberdade dos media trava moderação de conteúdos aos algoritmos

9 meses atrás 95

Diretores de informação da RTP, SIC e TVI/CNN debateram esta quarta-feira o European Media Freedom Act, o regulamento de imprensa que chegará no próximo ano à Europa. As medidas, apesar de poucas, são vistas de forma positiva pelo sector nacional.

A União Europeia (UE) prepara-se para endurecer as regras de liberdade de imprensa, pluralismo e independência dos meios de comunicação social no próximo ano, no âmbito do European Media Freedom Act (EMFA), um regulamento proposto em 2022 e que deverá entrar em vigor ainda antes das eleições europeias.

Os diretores de informação dos três principais canais televisivos em Portugal veem-no com bons olhos, embora reconheçam que os maiores problemas do sector sejam o capital e o cumprimento das regras e não a falta delas.

“Não há cumprimento de regras, compliance, nos media. Em Portugal não há um problema com a lei, mas com o cumprimento da lei e o facto de a ERC não ter meios. Não esqueçamos que Álvaro Sobrinho teve um jornal em Portugal e Isabel dos Santos não foi dona de um quinto canal por um triz”, afirmou o diretor de informação na SIC, Ricardo Costa. “Um dia um Cartel de Cáli compra aqui um jornal e ninguém diz nada”, ironizou, num debate organizado esta quarta-feira pela APDC e Vieira de Almeida (VdA).

O diretor de informação na RTP vê o EMFA “de forma genericamente positiva”. “O que se puder fazer para garantir mais transparência editorial traz confiança ao mercado. A sustentabilidade [dos media] também depende disso”, começou por explicar António José Teixeira. “A ideia de que podemos ter atores no mercado cuja razão de ser não conhecemos (capitais, objetivos editoriais…) prejudicam a saúde e convivência dos vários projetos. Nas empresas públicas e privadas, é preciso quem são os donos, que contas têm, como é que sobrevivem…”, defendeu.

Para o diretor de informação da TVI / CNN Portugal, serão dados “passos importantes”. No entanto, Nuno Santos ressalvou que não crê “que tenhamos os mesmos problemas que encontramos noutras geografias, mesmo europeias, como a propriedade dos meios ou a liberdade de imprensa”.

“Também não temos um problema de capacidade do jornalismo para fazer o seu trabalho. Temos um problema de receita. Não temos o dinheiro que tínhamos há três ou cinco anos para não dizer há dez”, referiu, quando questionado pelo presidente da APDC, Rogério Carapuça, sobre se o foco desta lei na independência editorial, garantias de independência e reforço da proteção respondem aos grandes desafios da indústria neste momento.

Direitos e deveres no ‘European Media Freedom Act’

Afinal, quais as proibições que o EMFA traz? Medidas que envolvam: interferências ou tentativas de influência nas políticas e decisões editoriais; revelação de informações editoriais, incluindo fontes utilizadas; deter, sancionar, intercetar, sujeitar a vigilância ou buscas e apreensões, ou inspecionar os jornalistas ou seus familiares relativamente à sua atividade profissional; acesso a dados encriptados e instalação de mecanismos de vigilância ou de espionagem, nomeou o advogado Tiago Bessa.

Já as exceções à independência editorial só são admitidas em casos muito excecionais, como a suspeita da prática de crimes graves), com base em requisitos muito apertados (proporcionalidade, proteção de fontes, medida de último recurso, por exemplo) e sempre com a intervenção prévia e revisão periódica por parte de uma autoridade judiciária, segundo o sócio da VdA.

Tiago Bessa explica ainda que os Estados-membros designam uma autoridade ou entidade independente, como o Provedor de Justiça, para tratar “com urgência e prioridade” as reclamações feitas pelos media quando os seus direitos não sejam a ser respeitados.

Na opinião do sócio do departamento de Comunicações, Proteção de Dados, Tecnologia e Propriedade Intelectual Transacional da VdA, a EMFA é uma proposta relativamente reduzida, com cerca de 30 medidas, cuja “pedra angular” é a independência editorial. Tanto que “qualquer moderação de conteúdos nas plataformas digitais não poderá influenciar a liberdade de imprensa nem se poderá basear exclusivamente em algoritmos, portanto é necessário existirem decisores humanos”.

Sobre esse ponto, Ricardo Costa mostrou-se cético: “Não acredito que estejam lá pessoas a controlar. Não estou a dizer que o algoritmo é vírus fatal, não tenho nada contra, mas ninguém acredita que não serão eles a moderar. É impossível”, argumentou.

O diploma prevê que deve ser assegurada a divulgação dos proprietários diretos ou indiretos (e da estrutura acionista) cujas participações permitam exercer uma influência significativa, incluindo do Estado e empresas públicas, deve ser divulgado qualquer conflito de interesses, real ou potencial, que seja suscetível de afetar a independência editorial e o financiamento recebido do Estado deve ser reportado, assim como o financiamento recebido de Estados terceiros, caso em que deve ser identificada a entidade que gerou o financiamento e o montante total atribuído.

Neste último caso, o especialista considera que a aplicação é “menos relevante” em Portugal devido à lei nº 78/2015 e ao regulamento da Entidade Reguladora da Comunicação Social nº 835/2020, contudo a interação com EMFA poderá ser “complicada”, inclusive no que diz respeito ao cumprimento de prazos).

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