"Ñu sta djunto, nós é forte". Milhares de pessoas pedem "justiça por Odair"

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Morte de Odair Moniz

26 out, 2024 - 23:00 • Filipa Ribeiro , Lara Castro

Na véspera do funeral de Odair Moniz, morto por um agente da PSP, milhares de pessoas desceram a Avenida da Liberdade a pedir "justiça". As contradições da polícia na comunicação social alimentaram o descontentamento de quem diz que o abuso de poder da polícia não é de agora. Para muitos, esta foi a primeira vez que foi possível sair do bairro para pedir o fim da "violência da polícia" e do "racismo".

"Ñu sta djunto, nós é forte". Milhares de pessoas pedem "justiça por Odair"
"Ñu sta djunto, nós é forte". Milhares de pessoas pedem "justiça por Odair"

Emocionadas, milhares de pessoas ajoelharam-se e cumpriram um minuto de silêncio por Odair Moniz no centro de Lisboa este sábado. A fotografia do homem que morreu depois de ser alvejado pela polícia está colocada no centro dos Restauradores, num espaço montado para uma última homenagem. Junto à fotografia, velas e dezenas de flores foram deixadas pelos manifestantes.

Um homem, com a bandeira de cabo verde às costas, fica ajoelhado em silêncio de cabeça para baixo. As lágrimas que lhe correm pelo rosto são o espelho do sentimento das milhares de pessoas que desceram a Avenida da Liberdade.

A rua principal de Lisboa recebeu os moradores dos bairros e não só, quase todos vestidos com roupas de cores escuras e com expressões de revolta e muita tristeza. Os únicos sorrisos que se viam eram acompanhados pelas palavras "saímos à rua para pedir justiça". Muitos sentiam que até este sábado nunca houve oportunidade para o fazer.

Entre a multidão, Verónica Gomes de 30 anos diz que vive num bairro social, à Renascença conta que "já assistiu a vários episódios" de abuso na abordagem da polícia. Sublinha que o que aconteceu com Odair Moniz não é novo e que decidiu vir à manifestação para lembrar "todas as vítimas". Verónica Gomes diz que basta recordar todos os nomes para perceber "que isto (violência da polícia) já acontece há muito tempo e que nada é feito".

No meio da multidão, também Crizman Leal lamenta a forma como o "resto" da sociedade olha para os bairros sociais. Com 30 anos conta que as 10 veio de Cabo Verde para a Cova da Moura. Não compreende a falta de intervenção do Governo no bairro porque considera que as "coisas que acontecem" vão lá parar. Crizman diz que a única intervenção do Governo na Cova da Moura é o envio de polícia. "Eles não nos deixam sair para mostrar o que temos", diz.

Crizman Leal sublinha que no bairro há "chefes de cozinha, jogadores de futebol, jovens que estudam para deputados" que não conseguem sair.

Para além do movimento Vida Justa que organizou a manifestação, várias associações de moradores de bairros sociais juntaram-se à marcha assim como organizações anti racismo. Entre os participantes há vários que dizem ter já sofrido diretamente algum episódio de violência por parte da polícia.

Um grupo de mulheres negras destaca-se na multidão por estar a levantar um cartaz com fotografias de nódoas negras. As imagens são de Karina de Paulo, uma brasileira que vive em Portugal há mais de dez anos. Conta à Renascença que a percepção que tem é de que a tensão com a polícia cresceu desde a pandemia e que sendo de cor ela e o filho já passaram por algumas situações.

A última foi há três meses. Karina diz que a 2 de julho estava num bar quando a polícia entrou com um homem algemado. Karina conta que questionou sobre o que estava a acontecer e que acabou agredida ficando com as nódoas negras que expôs este sábado num cartaz. Karina diz que decidiu vir à manifestação "defender a cor" e a "liberdade de existir, sem levar porrada". Conta que também o filho com 20 anos chegou a ser "espancado" por seis polícias - um caso que diz estar entregue ao DIAP.

"Ñu sta djunto, nós é forte" que quer dizer "nós estamos juntos, nós somos fortes" foi um dos gritos que mais se ouviu esta tarde no centro de Lisboa.

Apesar do reforço de segurança com vários agentes da PSP a polícia respeitou o decorrer da manifestação fazendo um perímetro de segurança nas ruas laterais da Avenida da Liberdade.

Ao centro da avenida, a liderar a marcha além dos organizadores, estava Cláudia Simões, que há quatro anos esteve envolvida num episódio com um agente da PSP. O caso foi investigado e o polícia que a agrediu foi absolvido da agressão, enquanto Cláudia foi condenada a oito meses de prisão, com pena suspensa, por ter mordido a mão do agente enquanto este a sufocava. Carlos Canha viria a ser condenado a três anos de prisão, também em pena suspensa, por dois crimes de ofensa à integridade física e dois de sequestro, relativamente aos cidadãos Quintino Gomes e Ricardo Botelho

Sempre protegida pelos membros da organização, no final, Cláudia Simões discursou em cima da carrinha de caixa aberta que tinha um sistema de som que permitiu que ela fosse ouvida pelas milhares de pessoas. Quatro anos depois do caso que viveu, Cláudia Simões afirma que "foi tratada como um animal" e que "não é fácil" depois de tudo o que aconteceu "sair de um tribunal ainda castigada".

Cláudia Simões questiona o que é que a "polícia portuguesa pensa dos negros". "Nós somos tratados como lixo, temos que apanhar e estar calados como me disseram na noite em que apanhei", diz Cláudia Simões.

Aplaudida por milhares, assume que a "luta tem que continuar" para que o Governo "olhe" para a comunidade e que não aceita "que os filhos e netos passem pelo mesmos".

Depois de vários intervenientes a discursar terem afirmado que os incêndios e tumultos dos últimos dias não são responsabilidade de quem luta pela justiça, Cláudia Simões reforçou que a população africana é uma "classe trabalhadora". "No comboio que saí às 4 horas da manhã, vai apenas com africanos", grita.

Odair Moniz morreu na madrugada de segunda feira depois de ser alvejado por agente da PSP.

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