Onésimo Teotónio Almeida vê Estados Unidos sob a “ameaça de cair sob uma ditadura”

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Livro

18 out, 2024 - 06:15 • Maria João Costa

Onésimo Teotónio Almeida vive há 52 anos nos Estados Unidos. O filósofo português admite nunca ter visto “uma situação tão dramática” como a atual. A pouco mais de 15 dias das presidenciais, o autor de “Diálogos Lusitanos” alerta para o perigo de violência que pode emergir com a eleição ou derrota de Trump.

Vive há 52 anos nos Estados Unidos e diz que nunca pensou que o país chegasse a onde está. Onésimo Teotónio Almeida que se reformou há 3 meses da Universidade de Brown, onde lecionou no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros, acaba de lançar, em Portugal, o livro “Diálogos Lusitanos”.

Num aviso aos leitores, em jeito de prefácio da obra, o autor lembra que o seu novo livro reúne uma coletânea de textos que foi escrevendo para conferências. Muitos dos capítulos são sobre as suas afinidades literárias e a modernidade da literatura portuguesa.

Contudo, com as eleições presidências norte-americanas de 5 de novembro no horizonte, o filósofo de origem açoriana diz à Renascença que também incluiu textos políticos sobre Donald Trump, porque sentiu necessidade de “intervir”.

Sobre a candidata Kamala Harris admite que “não é um génio, mas é o que temos”, já sobre Trump fala numa “figura nojenta, horrível e capaz de mentir profissionalmente”. Onésimo Teotónio Almeida considera que há um perigo da América cair numa ditadura e alerta para a “violência” que pode surgir caso Trump ganhe, ou não. Esperançado em que prevaleça o “bom senso”, o autor não deixa de sublinhar a seriedade da situação.

Este é um livro que começa com um aviso ao leitor. É uma coletânea de textos de encomenda, há alguns deles que são textos que revelam as suas afinidades literárias?

Isto é uma coletânea de textos que são continuação de escritos meus anteriores. São desenvolvimentos. Eu era jovem e um dia um amigo meu disse-me na Brown: "Cuidado com o que tu escreves, porque aquilo que fica escrito, fica para sempre e daqui a 30 anos alguém vem atrás de ti e quer que tu fales sobre aquele assunto mesmo que já não estejas interessado.

Aconteceu exatamente assim! Alguém sabe que eu já escrevi sobre aquilo e diz-me porque é que você não vem falar sobre isso? Claro que não vou dizer as mesmas coisas e este livro é uma espécie de continuação de conversas anteriores que tive.

São autores, a maior parte deles que eu conheci pessoalmente e que li. Alguns dos temas, são também temas sobre os quais tenho escrito e refletido ao longo da vida. Porque me pedem para falar nesta ou naquela ocasião, eu tenho que dizer alguma coisa nova, porque não vou repetir-me.

Então, este livro avança o meu modo de pensar sobre essas questões, sobre esses autores, sobre esses livros. Não é de maneira nenhuma uma repetição do que eu disse, mas nós na vida temos algumas ideias que nos agarram, que nos prendem, que nos movem, valores que temos, e portanto, é um passo adiante no meu modo de ver as coisas, de ver a realidade.

Porque sentiu essa necessidade?

Há uma coerência de fundo em todos estes textos, é o mesmo autor a pensar. Muito do que escrevo vem das aulas que vou lecionando.

Não vou lecionando sempre as mesmas coisas ao longo dos anos. Vamos evoluindo, pensando, alargando, refletindo melhor, concentrando-nos mais intensamente ou mais aprofundadamente sobre este ou aquele tema. Este livro reflete isso, são textos, todos eles, dos últimos seis, sete anos.

Nos seus textos percebemos que há uma grande modernidade na literatura portuguesa seja com José Saramago ou Fernando Pessoa, com o Eduardo Lourenço ou José Rodrigues Miguéis e Antero de Quental. Quis colocar essa tónica?

Sim, a questão da modernidade é uma questão central na cultura portuguesa nos últimos 150 anos. Não é toda a gente, é um grupo pequeno que se vai alargando. A geração de 70 é o caso mais relevante, e Antero de Quental, no meio do grupo traz uma chamada de atenção para a importância de Portugal abrir-se para a modernidade.

No século XX, vários autores se empenharam particularmente, e o meu diálogo tem sido, sobretudo, com eles. No caso do Antero de Quental, apenas tenho um ensaio, por causa do Eduardo Lourenço, mas a questão de Antero de Quental e a questão posta por ele fará parte de um outro livro que tenho pronto, mas que falta apenas uma introdução e a longa conclusão, precisamente sobre a questão teórica da modernidade.

Por isso, não inclui aqui vários dos textos que tenho escrito nas últimas décadas sobre Antero de Quental. Eu tratarei a questão da modernidade diretamente nesse livro que será o próximo, espero!

E neste Diálogos Lusitanos?

Neste, a temática da modernidade aflora-se sempre, porque os cursos que eu leciono na Universidade são muito à volta desse tema. Quando é um curso sobre temática portuguesa e lusófona, porque eu incluo o Brasil e África, é a questão da modernidade aplicada. Nos textos teóricos que leciono, é a questão da modernidade mais do lado teórico. É sobre a questão dos valores da modernidade, o quê, porquê, como é que ela nasce, qual é a importância dela, etc.

Claro que essa visão reflete-se em tudo o que eu digo, o que falo, o que escrevo, e por isso mesmo, ao falar ou de Virgílio Ferreira ou de Eduardo Lourenço, ou mesmo de Natália Correia, como acontece neste livro, ou de Saramago estou indiretamente a refletir aquilo que penso sobre essas questões.

No entanto, não deixa de levantar a questão da internacionalização desses autores. Pergunto-lhe o que tem faltado para que um nome, por exemplo, como Natália Correia dê-se salto de mais visibilidade. Falo de Natália, mas poderiam ser outros.

É muito difícil. É uma modernidade nossa. A Natália Correia, no nosso contexto, é uma mulher muito moderna, mas no contexto internacional, outras mulheres muito à frente dela já disseram e escreveram coisas. Só as pessoas mais diretamente interessadas nas questões lusófonas se interessam por ela.

Não quer dizer que ela não tenha nada que não sirva ou que não interesse a outra gente! Mas a competição internacional é tão grande que as pessoas querem saber não o que há de novo em Portugal, mas o que há de novo que ajude as pessoas lá fora a compreender, a ver qual é o contributo deles para esse diálogo, ou para essa gente fora do nosso espaço.

No caso de Natália tem uma dificuldade também, porque tem uma linguagem um bocado barroca, o vocabulário da Natália, as metáforas dela tornam a poesia dela um bocado difícil de ser traduzida. Também há outra coisa que é, a poesia não é aquilo que tem mais impacto.

E a ficção?

A ficção tem muito mais saída do que a poesia que não é fácil de traduzir. Não é fácil interessar um grupo de leitores de poesia que é diminuto. Não imagina o que é que tem sido a luta na qual tenho participado, no caso de Fernando Pessoa.

Daria um longo ensaio sobre o esforço que tem sido feito para tornar Pessoa no mundo anglo-americano. Foi muito difícil! Finalmente, a New Directions, em Nova Iorque, está a publicar a obra dele, graças ao esforço do Jerónimo Pizarro, mas foi muito difícil, foram anos e anos.

Eu publiquei quando tinha uma pequena editora no departamento na Brown, em 1980, um livro de uma coletânea de poemas de Pessoa. Foi mesmo abrir uma nesga da porta e levou imenso tempo. Foi o caso de Pessoa.

Hoje há muito mais gente portuguesa a ser traduzida. As pessoas em Portugal vivem um bocado obcecadas com essa ideia, de ser traduzido para inglês. O mundo anglo-americano é muito fechado. As traduções, no mundo americano são muito poucas. Acho que apenas 3% do que se publica nos Estados Unidos é tradução de obras estrangeiras.

Imagine os autores do mundo inteiro quererem ser traduzidos, é às vezes uma ilusão. "Está traduzido, muito bem, está acessível", mas o que acontece muitas vezes é que os autores portugueses que são traduzidos ficam traduzidos em inglês e são lidos pelas pessoas que já são capazes de ler português, porque são gente do mundo lusófono, ou que sabe português.

Portanto, às vezes é um bocado ilusório essa ideia, e eu tenho um artigo sobre isso. Quem é que tem vingado no mundo anglo-americano? O Saramago tornou-se muito lido, mas os outros autores dificilmente têm conseguido. Têm sido traduzidos e editados, tem sido grande e bastante acentuada a mudança.

Há hoje várias editoras que incluem nos autores estrangeiros, autores portugueses. Agora, daí até terem um grande público, isso é outra história.

Este livro também tem um caráter político. Escreve no prefácio, que os autores da Constituição norte-americana "jamais terão imaginado as circunstâncias como aquelas com que nos defrontamos hoje". Estamos a pouco tempo das eleições norte-americanas, de 5 de novembro. Serão provavelmente "as mais importantes do último século naquele país", como diz, mas também para o mundo. O que está em causa?

Pode parecer estranho, como é que num livro deste se inclui isso. A razão é muito simples. Tenho escrito bastante e falado sobre a situação política nos Estados Unidos, e pensei, bom, o livro vai sair antes das eleições, é a única oportunidade de intervir mais uma vez.

Sentiu essa urgência?

Tenho aproveitado todas as oportunidades para falar nessa grande questão!

Eu vivo nos Estados Unidos há 52 anos, nunca na minha vida vi uma situação tão dramática como a que estamos a viver.

O mundo mudou a partir do 11 de setembro de 2001, mas a partir de 2016, com a eleição de Trump, eu senti os Estados Unidos mudarem.

Costumo dizer que a democracia é uma metáfora antiga. Antigamente os barcos no rio Tamisa, antes do tempo do barco no motor, eram puxados por dois cavalos, cada um em margens opostas. Cada um amarrado ao barco e os barcos caminhavam contracorrente e puxando o barco cada um para o seu lado, e o barco avançava no meio.

Eu digo que agora, o que acontece, é que o barco está no meio do rio, contracorrente, mas está parado, porque os dois cavalos puxam nas direções opostas e não se move. Neste momento os Estados Unidos estão assim.

A situação polarizou-se, há um grupo de um lado que não lê o que o outro escreve, não ouve e não vê as notícias do outro lado, e está fechado, completamente obcecado. É incapaz de negociar, de "compromise", que é o termo americano para o qual não existe um termo português.

Nós estamos com a ameaça de cair sob uma ditadura. Eu nunca imaginei que na minha vida isto fosse possível. O texto mais importante que tenho no livro é sobre isso.

Eu procurei ler muitos livros escritos apenas pelas pessoas que trabalharam com Trump na Casa Branca. E tirei passagens deles sobre Trump. O retrato que eles, membros do Partido Republicano, que faziam parte do seu gabinete e da sua equipa da Casa Branca, dizem sobre ele, como é que ele é, o que é que ele pode fazer, os males que ele pode causar, porque eles viram-no atuar, o que eles dizem é absolutamente horrível e assustador.

Usa uma citação no final do texto em que diz "enough is enough". É a ideia de que chega de Trump?

Não há memória de uma figura tão nojenta, horrível e capaz de mentir profissionalmente!

Há uma piada de um indivíduo que está a entrevistar o Trump e pergunta-lhe: "Diga-me lá, qual é a sua mentira preferida? E o Trump diz: "Eu nunca disse mentira nenhuma!" E o entrevistador diz assim: "É, também para mim, essa é a melhor!"

Tal como diz o Mike Pence, e cita neste livro "Não podemos voltar a dar a Trump as chaves da Sala Oval"?

É, foi o seu próprio vice-presidente que disse isso. O antigo chefe de Estado das Forças Armadas dele, um homem do Partido Republicano, acaba de publicar um livro que está a sair estes dias, e vem dizer do perigo que é o poder nas mãos deste homem.

Se me perguntam qual é a previsão, ninguém sabe, está tudo tão imprevisto. É muito provável que ele ganhe, mas também, é provável que não ganhe. Vemos sondagens de um lado e do outro, ninguém sabe as margens de erro das sondagens, não nos permitem ter a segurança e garantia de nada.

O Trump ganhou por 77 mil votos, quando ganhou. Perdeu o voto popular, mas nos votos que contam no colégio eleitoral, os 77 mil votos fizeram a diferença.

Tudo está imprevisível. É uma situação que pode ser dramática para os Estados Unidos, mesmo que ele perca. Ninguém sabe o perigo da violência e dele incitar gente à violência. O caso é seríssimo. Eu nunca na minha vida imaginava isto.

Já pensou o que fará se Trump ganhar?

O que é que eu posso fazer? Não posso fazer nada. Estou aposentado, o meu nível de intervenção mudou bastante. Tenciono passar mais tempo em Portugal, porque sempre quis fazer isso.

Passarei mais tempo nos Estados Unidos, mas demorarei mais tempo cá. A única coisa que eu posso fazer é continuar a protestar e a escrever, a refletir, mas não vou pegar em armas!

Ganhou, ganhou, a única coisa que há que fazer é controlar, como os americanos dizem, "control the damage", fazer o máximo possível para controlar os efeitos negativos de uma eleição Trump, e usar todos os meios legais possíveis para impedir que ele perca completamente as estribeiras e se transforme no ditador que ele é

Ele está a perder capacidades de inteligência. Já nunca se interessava por ler nada, não lia relatórios, não queria reuniões, não reunia o gabinete, nada! Só toma decisões intempestivas, sem refletir, não obedece a ninguém. Ninguém que o confronte dura muito tempo, ia logo para a rua.

Ainda assim várias pessoas aguentaram ficar no gabinete, por exemplo o Ministro da Justiça. Ficaram, como eles diziam, para evitar que a situação ficasse pior, e portanto acharam que ficando lá dentro podiam aguentá-lo. Ele agora vai para dentro com uma equipa que é uma equipa de palhaços, completamente! Até porque a maior parte das pessoas sérias não querem colaborar com ele.

Uma possivel eleição de Trump agudizará o ambiente na América?

É uma situação dramática. Eu nunca, nunca imaginei que a sociedade democrática americana que eu conhecia, em que me criei e que tanto me impressionou, mesmo havendo exageros, mas havia um bom senso e havia uma maneira civilizada. Hoje não.

A gente vê nas ruas, há uma atitude ríspida, por vezes dura, mal-educada de muita gente, porque a ideia é, "tu sabes tanto como eu", "eu faço o que quero", "a verdade não existe", "a verdade é o que eu quero", esse tipo de coisas assim!

Isso não acontecia. Também tem a ver um bocado com os meios de comunicação social, porque antigamente a informação era toda filtrada, os factos eram verificados, um jornal, uma rádio, uma televisão, não vinham para fora com umas bujardas sem terem sido avaliadas, as bases verificadas. Agora não! Qualquer indivíduo tem um microfone, qualquer indivíduo entra na rede social, manda as bocas que quer, manda a informação que quer, e quando alguém vem demonstrar em livro ou numa grande reportagem que aquilo estava errado ou que era falso, já estão outras no mercado a serem lançadas.

Isto tornou-se uma autêntica selvageria. No livro falo disso. Thomas Hobbes, quando fala da importância do Estado Leviathan, a importância de um regime, de um Estado muito forte para controlar a besta, o animal que os seres humanos são; hoje, a besta está solta.

As instituições eram sólidas, e mesmo que houvesse pessoas que não fossem muito seguras, as instituições eram sólidas e atuavam. Hoje o prestígio do Supremo Tribunal foi-se abaixo com a denuncia por Trump de algumas pessoas que lá estão. A interpretação deles no caso da imunidade do presidente é um problema. John Biden, se fosse como o Trump, estava, pela Constituição, segundo a interpretação do Supremo Tribunal, autorizado a matar o Trump! Isso era impossível de acontecer nos Estados Unidos!

E o que será a América se Kamala Harris ganhar?

A Kamala Harris não é nenhum génio, mas é o que temos.

O que está a acontecer nos Estados Unidos, e no mundo inteiro, é muita gente jovem - e eu fui professor durante décadas de brilhantes alunos - não pensa na política.

Eles não querem política, porque toda a gente tem coisas na família, e os jornais e a rádio esfrangalham a vida de uma pessoa, e, portanto, hoje a política não apela, não entusiasma quase ninguém, e o que acontece é que vai gente para a política como o Trump!

Vai porque são mais destemidos, ou safados, ou não se importam, e vai gente sem escrúpulos. As pessoas mais sérias não se querem meter nisso, porque ninguém quer estar exposto a ter a sua vida privada lavada em público, e estar sujeito constantemente às críticas.

Nós não temos grandes políticos como tínhamos. Não estou a dizer que é toda a gente, mas a situação só se acentua.

A Kamala Harris não está sozinha. Tem um partido que segue regras democráticas, e, portanto, temos as instituições democráticas, e ela será, como presidente, uma garantia de que as instituições democráticas funcionarão seguindo a legislação democrática e as regras democráticas que são aquelas que têm feito a América avançar, como têm avançado até aqui.

Trump, se chegar lá, pelo contrário, vai imediatamente intervir e vai pôr fora gente dos tribunais, nomear gente para os tribunais, e vai pôr uma equipa de gente que depois não respeita.

Os casos dele que estão no tribunal estão mais que provados. A única razão por que ele não está na cadeia, é porque o Estado americano prevê sempre a possibilidade de um indivíduo recorrer para ter certeza que ele só é condenado se de facto tem a garantia absoluta de que ele cometeu um crime.

Porque ele recorre, está tudo em suspenso, mas não é por falta de evidência! A evidência dos crimes de que ele é acusado é tão, em americano, "overwhelming", está demostrada que deveria estar no tribunal.

Nos Estados Unidos há a Emenda 14, mas nunca se conseguiu ainda pô-la em prática, que é proibir um indivíduo que é criminoso, que é condenado por um tribunal, a concorrer. Isto, só porque nunca passou pela cabeça das pessoas que fizeram a Constituição e foram fazendo as emendas ao longo dos séculos, uma situação destas.

Há situações nos Estados Unidos que não estavam previstas. São completamente novas e não se pode tomar soluções de última hora em casos desses, porque as coisas têm que ser legisladas num congresso, e o Congresso está dividido.

Tudo isto é novo, e tudo isto deixa a situação nos Estados Unidos numa imprevisibilidade como eu nunca sonhei na vida.

Não quero ter uma visão catastrófica, tenho esperança que o bom senso vá vencer, espero, mas a situação é muito séria!

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