OPINIÃO | Paulo Fonseca merece esta maravilhosa história

2 meses atrás 66

«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

* Chefe de Redação 

«Escolhi o Paços de Ferreira para voltar a ser feliz.»

Frente a frente com Paulo Fonseca na sala de imprensa da Mata Real, questionei-o sobre a passagem dura e infeliz pelo FC Porto, percebendo também os motivos e a estratégia que o tinham levado a dar um passo atrás: regressar aos castores e reiniciar a subida ao topo.

Dez anos depois, Fonseca é o novo treinador do AC Milan.

Sinto-o injustiçado. Não pelo trabalho, pois os resultados e o percurso estão à vista, mas pela mínima cobertura da imprensa especializada. Se outros nomes, mais vaidosos e menos ajuizados, estivessem a chegar a San Siro, quantas emissões televisivas e diretos de amigáveis não se teriam já gasto?

Nada me liga a Paulo Fonseca, a não ser duas ou três entrevistas e um par de mensagens trocadas. É um senhor, um cavalheiro, respeitador e conhecedor também do trabalho do jornalista.

A maravilhosa história deste antigo defesa central espanta-me. Pela coerência e convicção. Muitos não sobreviveriam ao falhanço no Dragão, estariam agora em palcos menores e clubes anónimos, mas Fonseca soube respirar fundo e perceber que um passo atrás lhe daria o impulso certo para voltar a saltar.

Acertou em cheio.

Paulo Fonseca não é um treinador artificial. Não recorre a trabalhos de pós-produção, alinhamento de chakras ou riffs conceptuais de soundbytes estafados. É um homem de convicções e ideias fortes, um estudioso do futebol, hábil no laboratório e no trabalho de campo.

Dos pequeninos 1º Dezembro, Odivelas e Pinhalnovense terá levado a capacidade de adaptação aos meios de pele e osso. Do Aves e do Paços, provavelmente a paixão rija das suas gentes. Do FC Porto um mestrado em gestão de egos e do SC Braga a certeza de ser encartado no código tático.

Já poucos se lembram, mas seguiram-se três anos de casa às costas num Shakhtar sem abrigo e outros dois no clube mais difícil de treinar em Itália, a AS Roma - pelos tiques de grandeza incompatíveis com a leveza de recursos.

O Lille confirmou-lhe a certeza da sabedoria e o AC Milan, o gigantesco AC Milan, é um maravilhoso prémio de carreira para um treinador habilitado em todos os itens da função.  

O treinador do AC Milan é português, senhores! Nascido em Moçambique, criado no Barreiro a partir do primeiro ano de vida, um antigo defesa central contratado em 1995 pelo FC Porto ao Barreirense.

É no AC Milan, no extraordinário Milan de Maldini, Costacurta e Baresi, de Gullit, Van Basten e Rijkaard, de Rivera, Pirlo e Donadoni, que a partir de agora veremos Fonseca.

O AC Milan de Paulo Fonseca.

Dez anos depois de aceitar o insucesso no FC Porto, dez anos depois de perceber que o futebol dá sempre mais uma oportunidade a quem lhe é fiel.

O AC Milan de Paulo Fonseca. Merecem-se um ao outro.

PS: sensibilizou-me o pin da bandeira da Ucrânia na lapela de Fonseca. Para quem não sabe, a esposa do treinador é ucraniana e deixou no país mártir familiares e amigos. Paulo não se esquece de quem tão bem o tratou, mesmo que em parte da Europa já pareça ser mais fácil olhar para o lado e esquecer os massacres diários da ideologia russa.  

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