OPINIÃO | Quatro julgamentos e um funeral

2 horas atrás 17

«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

* Chefe de Redação

O esvaziamento da credibilidade do futebol português foi um ato falhado. O precipício civilizacional das últimas três/quatro décadas indiciaria uma sentença oposta, mas cá estamos, em 2024, ainda apaixonados pela bola autóctone.

O pobre jogo tem uma resistência equivalente à da barata num apocalipse atómico. Suporta tudo, fascinado ainda e sempre pela era da Utopia, onde todos se respeitam e respeitam as mais elementares regras de civismo e igualdade. Um sonho lindo. 

Neste ecossistema de caciques e estupores, há um tom por vezes alucinogénico, de tão inverosímil e absurdo. Parece ficção, mas não é. 

Empregados do clube X que corrompem apenas e só em nome individual, líderes de claques mais abastados do que o Presidente da República, agentes de futebolistas empenhados na entrega de malas duvidosas e alarmes de terror.

Sobrevivemos, todos, ao ciclo de convívio e afronta entre personagens com o nível de Luís Filipe Vieira, Bruno de Carvalho e Pinto da Costa, orquestradores de uma disenteria de palavras e ameaças em nome não se sabe bem do quê.

Provavelmente, sentam-se agora à mesma mesa num restaurante qualquer, patrocinados por um empresário não menos dúbio, e sorriem às custas do pobre adepto e das lutas imaginárias do passado. Gente cujo amor se esgota no próprio umbigo.

Se fosse um filme, chamava a estes anos mais recentes «Quatro Julgamentos e um Funeral». O resumo arvora esta peça bufa composta por enganadores e discípulos.

Que se afastem definitivamente da modalidade. Para longe, muito longe.

Julgamento 1. A Operação Pretoriano mantém Fernando Madureira, aka Macaco, em prisão preventiva. Há mais 11 arguidos, todos digníssimos seguidores do anterior presidente do FC Porto. A fase de instrução está prestes a arrancar.

Julgamento 2. Só um mentecapto distinguirá a habilidade de um tal César Boaventura das empreitadas providenciadas pelos homens de recados de um gangster. Foi esse o entendimento do tribunal, cuja acusação ao homem inclui cinco crimes de burla qualificada, três de falsificação de documentos, um de fraude fiscal qualificada e outro de branqueamento de capitais. O juiz responsável considerou provado o aliciamento a três ex-jogadores do Rio Ave, de forma a que estes facilitassem contra o Benfica. Amigo próximo de Boaventura? O senhor Vieira, antigo presidente das águias e indivíduo experimentadíssimo nos labirintos da Justiça. Chama-se Operação Malapata e a 25 de novembro será lido o acórdão.

Julgamento 3. O processo E-Toupeira está fechado e em abril confirmou, já no Tribunal da Relação, a condenação do omnipresente Paulo Gonçalves. Dois anos e seis meses de prisão, suspensos como já é habitual, pelo crime de corrupção ativa. Apesar do magistrado ter sido capaz de separar o dirigente do nome do Sport Lisboa e Benfica, quem está atento ao mundo do futebol sabe que Gonçalves era um dos homens de confiança de Vieira. Um dos mais próximos e com lugar na mesa da cúpula.

Julgamento 4. Estão fartos destas personagens? Estão fartos de corrupção? Calma, ainda há mais. O Caso dos Emails continua ativo e os mesmos de sempre (Vieira e Gonçalves) estão novamente acusados de comportamentos ética e legalmente reprováveis. Aqui através da suposta compra e venda imaginária de futebolistas, além da subversão da verdade desportiva.

Funeral. O caixão enfeitado pela bandeira do FC Porto tem tanto de mórbido como de deprimente. O senhor Pinto da Costa, não satisfeito pelo apodrecimento do seu legado nos anos recentes, achou boa ideia embarcar num carrossel de roupa suja e mentiras. Muitas mentiras – o capítulo dedicado à Assembleia Geral de 13 de novembro goza com todos os que estiveram no pavilhão, muitos deles cheios de medo. A figura que deu mundos ao mundo azul e branco já não existe. Foi esmagado por amizades perigosas, uma gestão danosa e uma mitomania crónica. Perdeu o respeito de milhões de portistas e condenou-se, por opção, à irrelevância. A história e a auditoria da SAD azul e branca colocarão as peças soltas nos devidos lugares. Que viva muitos anos para assistir a estas consequências, apesar da lista para o enterro já estar feita.

PS: meus caros, o futebol em Portugal sobreviveu a estas caricaturas de homens. Só mesmo um Amor impossível é capaz de torcer assim e nunca quebrar.

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