Os Pedros

7 meses atrás 71

Pedro Nuno Santos fez a sua primeira deslocação ao estrangeiro na qualidade de secretário-geral do Partido Socialista. Foi a Espanha para se encontrar com Pedro Sánchez. Dir-se-á que é uma escolha normal, tendo em conta os laços que, nos mais diversos planos, nos ligam ao país vizinho. Lamento discordar. Até porque não é essa proximidade entre os dois Estados que explica a sua decisão.

Desde a campanha eleitoral interna que o agora líder socialista nos tem querido convencer que é aquilo que não é: um moderado, um verdadeiro social-democrata, quase um centrista. E, nessa encenação, conta até com a prestimosa colaboração de camaradas seus, que sempre estiveram nos antípodas daquilo que ele representa, mas que agora, por uma razão ou por outra, decidiram, tacticamente, apoiá-lo.

Todos sabemos, porém, que este não é o verdadeiro Pedro Nuno Santos. Verdadeiro é aquele que não queria pagar a dívida que o governo por ele apoiado se viu obrigado a contrair em 2011, sem qualquer preocupação quanto às consequências catastróficas que isso teria para Portugal. Verdadeiro é aquele que se sente realizado em projectos políticos que envolvam a esquerda radical.

Não me causa, por isso, qualquer espanto, que tenha querido conversar com Pedro Sánchez em primeiro lugar. Porque também este se sente bem na companhia de radicais. Sejam os de esquerda, que lhe são ideologicamente próximos, sejam os independentistas, que querem acabar com Espanha.

Pior ainda, Pedro Nuno Santos não arranjou melhor altura para ir a Madrid do que o dia em que, nas Cortes espanholas, se discutia a lei da amnistia, uma das condições colocadas por Puigdemont para apoiar a eleição de Sanchéz como presidente do Governo.

O projecto em discussão vai ao ponto de amnistiar certas formas de terrorismo, para garantir que os diversos processos em que Puigdemont e outros independentistas catalães estão envolvidos sejam encerrados sem qualquer punição. O terrorismo que, reiteradamente, o PSOE prometeu nunca amnistiar. O mesmo PSOE que, também reiteradamente, garantiu que nunca partilharia o Executivo com o Podemos. O mesmo PSOE que, ainda reiteradamente, jurou a pés juntos que jamais faria acordos com Puigdemont.

Ontem, ainda não houve acordo, porque nem todas as exigências de Puigdemont foram aceites. Mas, com o histórico de cedências de Sánchez, estou convicto que será, tão só, uma questão de tempo.

Para os verdadeiros democratas, os princípios do Estado de Direito são inegociáveis. Por isso, não podem aceitar leis feitas à medida, com o único intuito de defender conveniências políticas. Por isso, não podem compactuar com tentativas de, por meios ilegais e inconstitucionais, subverter a ordem constitucional. Por isso, não podem rever-se em campanhas visando fragilizar a separação de poderes e pôr em causa a independência dos tribunais.

Este último aspecto, de resto, tem estado na ordem do dia em Espanha. Irritado com o facto de os tribunais não cederem a agendas oportunistas, o partido de Puigdemont tem criticado, de forma desbragada, os juízes, por cumprirem o seu dever, isto é, averiguar se ocorreram violações da Constituição e da lei, independentemente de quem são os investigados e das consequências, políticas ou outras, que daí poderão advir.

O PSOE, por seu lado, não lhe fica atrás. A semana passada, a terceira vice-presidente do Governo veio a público (evidentemente com autorização de Sánchez) para questionar a (suposta) tendência de um juiz, responsável por um processo em que um dos visados é Puigdemont, para anunciar decisões com “implicações políticas” em “momentos sensíveis”. E, no início da semana, fontes anónimas do partido acusaram os juízes de querer condicionar as decisões do Congresso sobre a amnistia.

Os ataques foram de tal ordem que todos os protagonistas do sistema judicial – juízes, advogados, Conselho Superior do Poder Judicial – se sentiram na necessidade de os rejeitar com veemência (incluindo aquilo que em Espanha se designa como “sectores progressistas”).

Mas também neste domínio Pedro Nuno Santos se deve sentir perfeitamente à vontade na companhia de Pedro Sánchez. Porque o Partido Socialista, inclusive através da voz de alguns dos seus mais autorizados militantes, não se coibiu, umas vezes mais assumidamente, outras de modo mais velado, de lançar suspeitas sobre o poder judicial a propósito da operação que levou António Costa a pedir a demissão. Só faltou mesmo dizer que o que se passou foi um golpe dolosamente organizado contra o PS (sendo que aquilo que agora se passou na Madeira só sublinha o primarismo dessa postura).

Segundo os próprios, na conversa entre os dois chefes socialistas esteve também presente a questão do combate à extrema-direita.

Em Portugal e em Espanha, embora desmentindo-o sempre, os socialistas optaram, objectivamente, por uma estratégia de valorização da extrema-direita, vendo nisso uma forma de enfraquecer a sua mais directa concorrência – o PSD entre nós, o PP lá.

Por outro lado, os populismos alimentam-se de insatisfação, tantas vezes resultado da incapacidade daqueles que governam para ir ao encontro dos receios, das necessidades e das aspirações dos cidadãos. Ora, quem é que está no poder em Madrid há cinco anos e meio e em Portugal há mais de oito: os socialistas!

Primeiro, alimentam o monstro. Depois, gritam “aqui-d’el-rei”, que é preciso combatê-lo. É preciso ter topete!

Tudo visto, Pedro Nuno Santos sente-se feliz ao lado de Pedro Sánchez. Não admira. Como ensina a sabedoria popular, “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”.

Ler artigo completo