Papões não faltam

7 meses atrás 80

Faz dois anos e uns trocos que morreu Olavo de Carvalho, o papão dos académicos, artistas e jornalistas brasileiros. Quanto aos portugueses que dele se esqueceram, ou fingem não se lembrar, aqui ficam algumas expressões e palavras-chave, para avivar a memória: “fascista”, “supremacista-branco”, “guru da extrema-direita”, “ideólogo de Bolsonaro”, “pró-Trump”, “teórico da conspiração”.

Captei a vossa atenção? Repulsa, talvez? Repúdio moral? Temor reprimido? Ou simplesmente raiva, consciente e descarada?

Lamento informar-vos. Mas Olavo nunca foi vosso inimigo (refiro-me aos autênticos democratas). Jamais lutou contra a sociedade moderna, alicerçada na democracia representativa, tal como a sua geração (os boomers) a entende. A mesma cujos valores continuam a gerar relativo consenso nas consoadas de Natal ou em jantares de amigos. Refiro-me, por exemplo, à liberdade de expressão, de imprensa, ou ao princípio da subsidiariedade. Quem os respeitava mais, Olavo de Carvalho ou aqueles que o chamavam fascista?

A intervenção pública de Olavo, no foro da cultura, sociedade e política, teve por finalidade despertar as pessoas, para que se dessem conta da destruição dos valores que restam ao Ocidente. Justamente por isso se preocupava com o facto de os movimentos revolucionários se terem apropriado deles e alterado o seu sentido linguístico, usando as suas novas significações para manipular as emoções e as consciências das massas.

Do mesmo modo, também se preocupava com o conluio explícito do grande capital internacional com as redes de instituições públicas e privadas, tanto a nível global quanto local.

Olavo compreendeu, como poucos, o movimento revolucionário no seu todo; formado por diferentes clusters e patamares, que vão desde o mundo financeiro às culturas ideológicas que têm tomado conta das “instituições democráticas” e dos diversos organismos da sociedade civil. Então, precisamente por ser antifascista, denunciou a transformação das nossas sociedades livres em regimes hegemónicos que, de maneira progressiva, vão adotando pragmáticas totalitárias.

Estaria a exagerar? A forma como as referidas estruturas dominantes o tentaram denegrir mostrou que tinha, efetivamente, razão. O mesmo sucedeu com outras figuras que têm surgido no século em que vivemos. Por exemplo, Andrew Breitbart, que mudou por completo a dinâmica mediática nos EUA; Jordan Peterson, que causou uma reviravolta no debate em torno das questões woke; ou Joe Rogan, que introduziu no mundo dos Podcasts a sede de questionar livremente o que dávamos por adquirido, custe o que custar.

Independentemente do seu nível intelectual, área de conhecimento ou influência, todas estas figuras causaram uma reação que somente confirmou a autenticidade da sua denúncia. Nenhuma delas é um papão. E tratá-las como tal foi, e continua a ser, o maior erro que se pode cometer.

Quando Olavo de Carvalho dizia que veio para “acabar” com tudo, referia-se à terrível situação no Brasil. E, em parte, no mundo. Mas não lhe passava pela cabeça “deitar fora o bebé com a água do banho”. Se ele tivesse de escolher, por exemplo, entre a extinção da ONU e a sua reforma, caso fosse possível, ele optaria pela segunda hipótese. O mal não está nas instituições em si, mas nas pessoas que as compõem e as redes de poder que as sustentam. Daí que o professor tenha dedicado a sua vida a formar pessoas, não sistemas.

O problema é que inventar falsos papões acarreta um risco tremendo, o de que apareçam verdadeiros. Quando Olavo repudiava os insultos que lhe faziam, sobre ser um suposto “guru da direita” ou “ideólogo de Bolsonaro”, ele não estava a defender-se, mas apenas a dizer a verdade. Isto é, a transmitir uma mensagem que precisava de ser ouvida e levada a sério.

O que, de facto, o preocupava era a hegemonia cultural e ideológica que dominava as instituições do seu país, as quais se alicerçavam internacionalmente no Foro de São Paulo, na Rússia e no Partido Comunista Chinês. Ora, isso nem 20 Bolsonaros poderiam resolver.

Ao invés de perderem tempo com insultos e verem extremismos onde eles não existem, os próprios detratores de Olavo poderiam ter escutado os seus argumentos, adotando-os como um conselho. Se o tivessem feito, logo teriam percebido que não vale a pena acenar bandeirinhas da Ucrânia para, depois, apoiar Lula. É verdade que Lula havia virado a casaca e parecia ter-se aliado aos EUA. Mas, e depois?

O que se aplicava a 20 Bolsonaros também a 20 Lulas se aplicaria. Por mais acordos que tivesse com Biden, nenhum Presidente poderia dominar, com uma caneta e um papel, toda a hegemonia subjacente ao poder que o sustenta. Resultado: o Brasil é hoje uma ditadura judicial, com presos políticos, e reforçada por um malabarista que vigariza, dia sim dia sim, não só os pobres dos brasileiros como os seus supostos aliados ocidentais.

Queriam um papão, aí o têm. Mas, há mais. Se a Administração Biden lesse Olavo de Carvalho, jamais hostilizaria a Rússia a este ponto. Não por se tratar de um país inofensivo, mas justamente por ter um poder muito superior ao que aparenta.

Uma vez mais, isso é confundir a face visível do poder com o corpo que realmente o sustenta. A Rússia é um dos principais alicerces de todo um conjunto de forças antiocidentais, disseminadas pelo mundo, que ninguém no seu perfeito juízo quer despertar. De acordo com Olavo, é um dos três esquemas globais de poder, juntamente com o Islão. Agora, imagine-se, despertarem ambos, a propósito do apoio incondicional dos EUA a Israel.

O que o Ocidente está a fazer, até pode ter uma relativa (muito relativa) justificação moral, mas é extremamente temerário. O risco que corremos não é apenas nuclear, mas o de uma implosão generalizada, capaz de desembocar na primeira guerra civil mundial da história.

Como veem, papões não faltam. Uns mais reais, outros mais especulativos. Mas, todos bastante mais perigosos que um homem bom, corajoso, inteligente, pedagogo de exceção, e que deixou ao mundo uma obra valiosa e bem merecedora da nossa estima.

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