Patrões e as novas regras: Imigrantes sim, mas qualificados

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Entidades patronais aplaudem medidas anunciadas pelo Governo, assim como os principais setores visados: Agricultura, Turismo e Construção, mas alertam para riscos e referem que todos fazem falta.

O Governo apertou o cerco à imigração, com Luís Montenegro a falar em portas «abertas», mas não «escancaradas». Com as novas regras, qualquer cidadão estrangeiro que queira vir para Portugal terá de apresentar um contrato de trabalho ou um documento que comprove a existência de uma promessa de trabalho em Portugal.  E os imigrantes que queiram trabalhar em Portugal vão ter de pedir nos consulados portugueses um visto específico para o efeito, caso contrário, não vai ser possível regularizarem-se. Ao Nascer do SOL, entidades patronais e responsáveis dos setores mais atingidos – Turismo, Construção e Agricultura – aplaudem as medidas anunciadas, mas alertam para a necessidade de agilizar processos.

O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Álvaro Mendonça e Moura, admite ao nosso jornal que as alterações lhe parecem « globalmente positivas» face à preocupação de haver um maior controlo sobre a imigração. Mas lembra que «é preciso ter a consciência da importância da imigração para Portugal para vários setores económicos», em que a agricultura é um deles, mas não é o único.

«Não podemos pensar em desenvolver um país sem imigração, mas deve ser controlada e, para ser controlada, temos de ter a garantia que o Estado está disponível para pôr os meios necessários para que este plano funcione, o que exige mais recursos humanos. O nosso receio é que haja mais democracia e sem os recursos humanos necessários os processos irão atrasar-se ainda mais» .

De acordo com este responsável, a solução para que haja um maior controlo passa por um reforço ao nível dos consulados ou da Direção-Geral dos Consulados. «Atualmente, temos um sistema que está a funcionar com dificuldades, mas que vai funcionando e pode melhorar se dispuser de recursos humanos».

Já em relação aos casos de imigrantes que trabalham no setor sem condições, como aconteceu recentemente em torno da polémica das estufas de Odemira, Álvaro Mendonça e Moura disse que «é uma imagem absolutamente errada», afirmando que há casos lamentáveis em qualquer profissão. «Na Ordem dos Médicos, na Ordem dos Engenheiros, entre outras, infelizmente há profissionais que a Ordem sanciona. Na Agricultura é a mesma coisa. O setor tem feito um esforço enorme em termos de responsabilidade para acolher bem os imigrantes, muitas vezes, sem ter o apoio das câmaras municipais da zona onde as empresas estão instaladas, em que fazem muitas vezes um esforço solitário».  E não hesita: «Os imigrantes são necessários, mas têm de ser acolhidos de uma forma digna, não só eles, mas as suas famílias».

Escravatura contemporânea

O presidente do sindicato da construção em Portugal, Albano Ribeiro, defende que esta nova decisão do Governo é melhor que a anterior, mas chama a atenção para o facto de não acabar «com a dor, com o sofrimento e com a escravatura contemporânea». O responsável vai pedir à ministra do Trabalho uma audiência com caráter de urgência para apresentar uma comissão tripartida composta pela associação de empresários do setor, sindicato e Governo para encontrar uma solução para a falta de mão-de-obra na Construção, mas que o foco terá de passar por trabalhadores qualificados. «Sabemos que Portugal tem falta de mão-de-obra e agora a situação é tão grave que precisa de mais de 80 mil trabalhadores qualificados, mas têm de chegar a Portugal com qualificação», diz ao nosso jornal.

De acordo com as contas do responsável, mais de 70% dos trabalhadores no setor são operários, isto é, serventes, e, como tal, não apresentam as qualificações necessárias. Se este cenário se mantiver, Albano Ribeiro afirma que as grandes obras que têm sido anunciadas, como o novo aeroporto, o TGV, a terceira ponte sobre o Tejo ou até mesmo a construção de 30 mil habitações por ano não vão passar de uma «miragem».

Por outro lado, o presidente do sindicato acredita que, se houver mais trabalhadores qualificados, vai acabar com os acidentes e mortes que têm ocorrido na Construção. «Somos dos melhores operários do mundo e isso é reconhecido em vários países do mundo. Em Portugal têm chegado trabalhadores sem qualificações e esses não fazem falta nenhuma. É preciso ter mão-de-obra qualificada para que as obras tenham qualidade e durabilidade», disse, acrescentando: «Dos 24 trabalhadores que morreram no ano passado em obras cerca de 95% morreram trabalham para patrões e não para empresários. Precisamos de empresários de pequena, de média e grande dimensão, porque cumprem com o Estado e com os trabalhadores. Os outros não cumprem nem com o Estado, nem com os trabalhadores».

Turismo apreensivo

Também a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) aplaude o plano aprovado pelo Governo, uma vez que entende que as medidas agora anunciadas «possibilitam às empresas colmatar as suas necessidades de mão-de-obra com garantias de legalidade e, por outro lado, constituem como que um garante de condições mínimas de inclusão para os migrantes que procuram o nosso país para trabalhar».

 No entanto, a entidade liderada por Francisco Calheiros lamenta não ter tido oportunidade de contribuir para o Plano para as Migrações, já «que o Governo não auscultou a CTP». Ainda assim, admite que «o que importa assegurar neste momento é a execução do plano e que daqui para a frente este traga previsibilidade e segurança para a contratação de trabalhadores estrangeiros e que as medidas agora aprovadas, algumas delas já em vigor, permitam reativar investimentos parados por falta de trabalhadores e fazer face, desde já e no imediato, às necessidades de recrutamento para a época alta que se avizinha».

 Mas alerta para riscos. «Preocupa-nos a aplicação das novas regras de implementação dos novos sistemas de controlo de fronteiras (EES, ETIAS) que pode ser um dissabor para o turismo se este tema não for discutido com os agentes do setor», salienta, referindo que o setor olha com expectativa «para a intenção de melhoria da capacidade de resposta e processamento nos postos consulares, para a reestruturação das competências e organização interna da AIMA e para a vontade de mitigação dos elevados níveis de congestionamento e atrasos que se verificam nos postos de fronteiras dos aeroportos de Lisboa e Faro».

Quando questionado sobre se as novas regras do Governo vão dificultar a contratação de imigrantes, Francisco Calheiros refere que «o Turismo perdeu muitos trabalhadores em 2020 e 2021», mas que em 2022 , 2023 e 2024 já quase os recuperou todos. Assim, considera que «com a regularização das 400.000 pessoas que falta regularizar,  o assunto fica ultrapassado».

Já Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP, admite que a situação que se tem vivido nestes últimos tempos ao nível dos cidadãos migrantes e dos seus processos de legalização, nomeadamente em relação à regularização laboral, estava a tornar-se absolutamente insustentável e ,«até, de alguma forma, descontrolada, o que justificava a implementação de medidas, de caráter urgente, o que aconteceu com a apresentação, por parte do Governo deste plano». No entanto, reconhece que o plano mostra-se «bastante ambicioso», daí mostrar algum receio quanto à sua concretização, especialmente no que diz respeito à regularização dos trabalhadores imigrantes, referindo ainda que «esta mão-de-obra é absolutamente determinante para o funcionamento dos negócios» e, ao mesmo tempo, para a sustentabilidade da Segurança Social.

Mas, apesar de considerar que estes imigrantes são essenciais, a responsável defende que a sua entrada deve ser feita de forma regulada, ordenada, proporcionando ao trabalhador imigrante condições dignas de trabalho, mas também de vida, nomeadamente ao nível da problemática questão da habitação. E quanto ao futuro, refere ao nosso jornal que, «se as (boas) intenções do plano forem concretizadas de forma célere, eficiente e eficaz, estamos em crer que podemos estar no bom caminho, mas há um conjunto de preocupações que não podemos deixar de ter». E justifica: «Com a legislação que tínhamos, os processos de entrada estavam facilitados e a intenção até poderia ser boa, porém, a falta de resposta por parte do Estado e o deficiente funcionamento de alguns mecanismos e procedimentos administrativos, fazia com que os processos não avançassem e demorassem anos até ser decididos». Lembrando ainda que a AHRESP tem um Centro Local de apoio à Integração de Migrantes (CLAIM).

Ana Jacinto diz que está a par das dificuldades que os imigrantes e as empresas que os querem contratar enfrentam até que o trabalhador fique absolutamente legalizado.

Ana Jacinto lembra também que estamos praticamente na época alta e as empresas têm uma necessidade acrescida de contratar ou já têm atualmente muitos trabalhadores que recorreram ao procedimento de Manifestação de Interesse e que ainda não têm a sua situação regularizada, «fazendo com que se deva ter uma atenção especial para com estes processos, quer ao nível da celeridade e agilidade com que devem ser tratados».

‘Acabar com o faz de conta’

Ao Nascer do SOL, o diretor-geral da CIP, Rafael Alves  Rocha,  defende que o país precisava de uma política de imigração coerente, integrada e estruturada. «As dificuldades administrativas eram notórias, os atrasos dos processos eram a regra, realidades a que devemos juntar um sentimento generalizado: não havia uma ideia fundamentada sobre o que fazer, porque o fazer e como o fazer», afirmou, lembrando que a extinção do SEF veio expor «as tremendas dificuldades, e também os riscos, que o país enfrentava».

Alves Rocha entende que as novas políticas de imigração demonstram preocupação pelo facto de procurar atrair quer mais imigrantes qualificados, quer também mais jovens. Ainda assim, admite que este pacote de medidas «está longe de significar a exclusão dos imigrantes menos qualificados que são também necessários e que devem ser bem recebidos pelo país. Habitação, educação e saúde são obviamente eixos fundamentais que estas medidas parecem levar em conta».

De acordo com o responsável, os problemas de falta de mão-de-obra existem a todos os níveis, da mais à menos qualificada, mas mostra-se otimista. « O início de uma nova fase permitirá resolver os casos desumanos que temos hoje, com milhares de pessoas num limbo que desqualifica o Estado português. Também criará um desafio humano e administrativo para a nossa rede consular, obrigando as empresas a encontrar formas de trabalhar no mesmo sistema».

E não hesita: «É obviamente mais fácil contratar quem aparece à nossa porta, mas o custo para o país é grande e poderia tornar-se incomportável. Portanto, vamos avaliar qual a melhor forma de sistematizar, operacionalizar e materializar a contratação de pessoas. Surgirão problemas, mas caso sejam resolvidos rapidamente é melhor do que o ‘faz de conta’ que vivemos até agora».

Em relação às empresas, Rafael Alves  Rocha refere que poderá «haver algum afunilamento temporário» com as novas regras, mas acredita que «se os empresários se organizarem e se o Governo os ouvir é possível encontrar as soluções. Não há passos mágicos, mas há alternativas».

Uma opinião partilhada pelo presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro, apesar de reconhecer que tem como uma das suas prioridades os recursos humanos. «As empresas carecem de mão-de-obra, quer qualificada quer menos qualificada. Em si mesmo, o Plano de Ação para as Migrações está bem estruturado, ao identificar os principais problemas e desafios e ao enunciar os princípios subjacentes à política de migrações, com propostas de um conjunto alargado de medidas. Em parte, é prova do discurso de que a imigração é a ‘tábua de salvação’ para a falta de mão-de-obra. Porém, não podemos ficar apenas pelo plano, é preciso passar à ação imediata, dada a premência desta matéria», salienta.

E apesar de ver com bons olhos o plano proposto pelo Governo, lembra que qualquer aumento de burocracia na entrada de imigrantes gerará uma menor celeridade na sua integração no mercado de trabalho. «Queremos acreditar que algumas das medidas propostas, nomeadamente o aumento dos recursos humanos e tecnológicos em instituições públicas que assumem responsabilidades na integração dos imigrantes, poderão evitar tais constrangimentos», diz ao Nascer do SOL, acrescentando que, a partir do momento em que as regras entrem em vigor acredita que iremos assistir a uma resposta célere e eficaz, que permita regularizar os cerca de 400 mil processos/pedidos pendentes juntos da AIMA, assim como assegurar uma adequada integração dos imigrantes em Portugal.

Algumas das novas regras

→ Extinguir o procedimento de Manifestações de Interesse [intenção de obter um contrato de trabalho]

→ Criar Estrutura de Missão para resolver os +400 mil processos pendentes

→ Instituir um sistema de atração de capital humano alinhado com as necessidades do país

→ Melhorar o processo de reconhecimento de qualificações e competências

→ Promover a formação profissional e capacitação de cidadãos estrangeiros

→ Realizar um Levantamento de Necessidades Laborais, alinhando a oferta e a procura de trabalhadores estrangeiros e o seu acolhimento programado

→ Promover a integração profissional de imigrantes no mercado de trabalho nacional

→ Reforçar os recursos humanos e tecnológicos da AIMA, criando um incentivo à produtividade e desempenho

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