Pedro Malheiro: «Estava preparado para dar o salto para o Benfica»

3 meses atrás 82

Esteve perto do SL Benfica em Janeiro mas viu o negócio ruir. A história futebolística de Pedro Malheiro, lateral-direito do Boavista FC, foi sempre um pouco assim, sempre perto de não se cumprir: Os inúmeros «quases», as negas, as lesões em momentos-chave, tudo isto lhe poderia ter tirado o sonho de ser profissional de futebol.

O jovem de 23 anos forçou a porta de entrada e encontrou no Bessa o contexto que o afirma como uma das grandes promessas do campeonato nacional. Uma entrevista nos estúdios do zerozero com um dos bons nomes do nosso campeonato nacional. 

Pedro Malheiro fez a terceira época como profissional @Peter Spark / Kapta+

 Zerozero (ZZ): Pedro, não se já recuperou das emoções daquela última jornada? Como foi viver aquele dia?  

Pedro Malheiro (PM): Já recuperei. Foi um misto de emoções, um sentimento inexplicável de que me vou lembrar para o resto da minha carreira e o resto da minha vida. 

ZZ: Estava na bancada com o Vizela, devido à expulsão no Dragão. É um jogo com contornos difíceis: perdem o Seba, o Luís dos Santos, a si, ao Makouta, o Bozenik joga a recuperar de lesão, muita gente importante de fora. Nunca duvidaram que seria possível ficar na primeira liga? 

PM: Não, nunca duvidámos. Já estou no Boavista há alguns anos, o Boavista é isto mesmo. Nas dificuldades é um clube especial, diferente dos outros. Eram jogadores importantes que estavam de fora, mas quem entrasse tinha de fazer melhor para garantir a manutenção e foi isso que aconteceu. 

ZZ: O estádio estava cheio. Quando entrou e viu assim o estádio, o que pensou? 

PM: Primeiro fiquei com pena de não estar presente no jogo. Tinha de apoiar de outra forma e sempre acreditei na equipa. Tentei dar-lhes as melhores palavras para o jogo e ver de fora o golo do Reisinho foi um momento único. Mas antes disso foi muito sofrimento. Quando o Reisinho fez golo saiu-me muito peso de cima. 

q O golo do Reisinho foi um momento único. Mas antes disso foi muito sofrimento. Quando o Reisinho fez golo saiu-me muito peso de cima."

  

ZZ: Ouvimos dizer que não quis ver o penálti. 

PM: Não quis, não quis. Vi assim de lado, só. Quando foi golo, foi um misto de emoções, uma loucura total. 

ZZ: Voltando atrás, ao jogo do Dragão, que também tem contornos incríveis. Vocês precisavam de pontuar para garantir a manutenção, estão a ganhar, e o Pedro é expulso. O que pensou quando viu o cartão? Que ia ser difícil? 

PM: A partir do momento em que vais jogar com uma equipa como o Porto e estás com menos um, tudo se torna mais difícil. Da maneira que o Porto estava a carregar, apesar de nos estarmos a defender bem, ia ser difícil defender 15 minutos. 

ZZ: Sobre o Jorge Simão. Ele falou muito na tal «mala de entusiasmo» que trouxe, mas a verdade é que não venceu nenhum jogo. Como é que ele vos foi alimentando esse entusiasmo? 

PM: Foi muito claro naquilo que nos transmitiu quando chegou e essa foi mesmo a palavra que ele usou sempre: entusiasmo. Foi importante para nós porque precisávamos daquele clique. Trabalhámos sobre duas, três ideias que ele trouxe e acho que foi uma das pessoas muito importantes na manutenção do Boavista. 

PM: O facto de não terem conseguido nenhuma vitória, nunca vos tirou a crença da manutenção? 

ZZ: Não, a equipa estava bem. Independentemente de nunca termos ganhado com ele, o importante era pontuarmos, porque as outras equipas também não iam ganhar os jogos todos. Claro que queríamos ganhar e, por exemplo, contra o Gil Vicente tivemos a infelicidade de falhar o penálti que nos dava os três pontos. Mas veio daí a nossa união enquanto equipa, para trabalhar semana após semana para tentar vencer algum jogo. 

ZZ: Na primeira volta vocês ficam a meio da tabela, mas se contássemos apenas a segunda volta, o Boavista desceria de divisão. Qual foi a grande diferença da primeira para a segunda volta? 

PM: É futebol. O nosso plantel era o mesmo, são coisas que acontecem. Não sabemos explicar o porquê de teres ganho as primeiras cinco jornadas a praticar bom futebol e depois teres ali uma fase menos positiva, mas o futebol é mesmo isso. O importante foi a nossa união enquanto equipa, darmos todos as mãos e acreditarmos que seria possível. 

ZZ: Pesou alguma coisa a instabilidade do clube que veio a público? Ou isso não entrou no grupo? 

PM: Não, uma das nossas coisas boas é que fechávamos bem o balneário. Sabemos aquilo que passámos durante o ano mas são coisas que fazem parte do futebol. Focámo-nos naquilo que tínhamos de fazer e fomos à luta. 

q O Fary é o Boavista. É muito boavisteiro, vive daquilo e vive para aquilo. foi uma mais valia para o clube."

ZZ: Foi público que tiveram algumas dificuldades, sobretudo com os salários em atraso. Como é que passaram por isso a render dentro do campo? 

PM: São coisas que não podes controlar. A única coisa que podes fazer é treinar no máximo e render no jogo para que ninguém te possa apontar nada e teres alguns trunfos na mão.

ZZ: Nunca o desmotivou, esse lado extra campo?

PM: Não. Quando entro para o treino ou para o jogo, o meu foco é dar o melhor de mim. Acabando o treino ou o jogo as coisas resolvem-se.   

Fary foi eleito presidente da SAD em Março @Catarina Morais / Kapta +

  

Novo presidente, novo clima 

ZZ: O Fary assumiu a presidência e teve algumas ações de aproximação com os adeptos. Notaram alguma diferença desde que ele entrou? 

PM: Notámos, porque o Fary é o Boavista. Jogou no Boavista, é respeitado por todos os boavisteiros e sempre foi muito próximo do grupo de trabalho. Isso ajuda-nos. Ter uma relação mais aberta com o presidente foi muito importante para nós. Ele gosta de estar no dia-a-dia, ver os treinos, brincar connosco, essa relação é importante.  

ZZ: Teve alguma conversa específica com vocês, sobretudo nestes últimos jogos? 

PM: Ele sempre transmitiu a mesma coisa. É o presidente do clube mas é muito boavisteiro, vive daquilo e vive para aquilo. Foi uma mais valia para o clube. 

Petit, o treinador especial 

ZZ: Tiveram três treinadores na época, mas com o Petit tinha uma relação especial. O que é que ele dava ao Boavista, sobretudo naquele início de época? 

PM: Tínhamos uma boa relação. Fiz uma época inteira a jogar com o mister Petit, era um treinador à imagem do Boavista. Praticou muito bom futebol este ano no clube, mesmo na época passado. É uma pessoa importante, que me ajudou muito cá. É um treinador à imagem do clube e o Boavista vai-lhe estar sempre grato, certamente. 

Petit saiu do Boavista à 13ª jornada @Filipe Amorim / Kapta+

A saída abortada para o SL Benfica  

ZZ: Foi público que houve o interesse do SL Benfica no Malheiro. Como foi essa situação para si? Quão perto esteve de acontecer? 

PM: Foram coisas que aconteceram, agora o meu foco tem de estar em trabalhar todos os dias no máximo, sou jogador do Boavista no momento. Claro que eu e qualquer jogador queremos dar o salto para um dos clubes grandes. Agora quero continuar a trabalhar para, se acontecer, eu estar tranquilo.

qEstava preparado para dar o salto para o Benfica. Agora já passou, é continuar a trabalhar e quando surgir a oportunidade estou aqui para agarrar."

 ZZ: Sentia-se preparado para dar esse salto em Janeiro? 

PM: Sim, estou preparado. 

ZZ: Percebeu porque falhou o negócio? 

PM: Sim, eu sei o que se passou, mas são coisas que acontecem no futebol. São coisas que nem sempre posso controlar. Agora já passou, é continuar a trabalhar e quando surgir a oportunidade estou aqui para agarrar. 

ZZ: Como é que se ultrapassa a desilusão de estar tão perto de representar um grande e não acontecer?

PM: É difícil, claro. Mas o Boavista é o clube com o qual eu tenho contrato, o clube que represento, e eu tinha duas opções: ou desanimava e deixava de trabalhar e o comboio acabava por passar, ou fazia o que podia controlar que é o meu foco diário, o meu trabalho, para depois surgirem mais oportunidades. Foi esse caminho que quis levar, continuar a trabalhar para quando surgir a oportunidade estar aqui para agarrar. 

O lateral no jogo contra o Benfica em 21/22 @Kapta+

ZZ: Curiosamente fazes os teus primeiros dois golos como profissional esta época. Qual foi o segredo para esses golos aparecerem? 

PM: Comecei muito bem o campeonato com o trabalho do Petit. Preparei-me muito bem antes de começar a época e as coisas começaram a surgir naturalmente, com a equipa a praticar um bom futebol e começas a ganhar confiança e as coisas a sair bem.  A equipa estava muito bem, os resultados falam por si. É para isso que eu trabalho, para fazer golos e assistências, e acabou por correr bem. 

ZZ: Há uma história na sua estreia a titular em Famalicão que foi decisiva na sua carreira... 

PM: Foi uma história engraçada. Eu sabia que tinha ali a minha oportunidade porque o Petit tinha acabado de vir para o Boavista e lembro-me que me meteu a lateral esquerdo, porque o Reggie Cannon tinha vindo da seleção. Aos 15 minutos senti uma lesão na coxa, virei-me para o Filipe Ferreira e disse que ia pedir para sair. Mas sabia que se pedisse para sair naquele momento podia estragar a minha vida na equipa e não ter mais minutos. Então decidi aguentar e foi aí o ponto de viragem. 

ZZ: E como é que aguentou? 

PM: Lembro-me de chegar ao balneário ao intervalo e nem conseguia levantar a perna. Pedi ao doutor para me dar um comprimido e joguei. Felizmente correu bem, sabia que era importante para mim aguentar esse jogo para não dar uma imagem de fracassado. Felizmente, correu bastante bem o jogo. 

ZZ: A sua carreira na formação é muito marcada por isso: lesões em momentos importantes, dispensas de alguns clubes. Até que ponto isso o marcou e foi decisivo? 

PM: São coisas que fazem parte do futebol e tens de saber lidar com elas. De outra forma, vais cair onde muitos jogadores caíram. Mas isso depende muito da tua cabeça e da maneira como tu pensas enquanto jogador. Lembro-me que na altura quando subi a sénior no Boavista, com o mister Vasco Seabra, as coisas estavam a correr bem e no último dia de estágio aleijei-me no joelho. Foi um momento de desilusão para mim, porque perdi logo espaço no plantel. Acabei por ir para os Sub-23, treinar com dores, sendo até emprestado ao Vilaverdense porque não estava bem do joelho. São coisas que te acontecem no futebol e quanto melhor lidares com elas, estás pronto para o que te acontecer. 

Pedro Malheiro tem masi uma temporada de contrato com o Boavista @Catarina Morais / Kapta +

ZZ: Beneficiou  de um momento débil do clube, impedido de contratar por três janelas de transferências, que lhe permitiu a afirmação mais cedo no Boavista. 

PM: Foi bom para nós. Falando por mim, sempre trabalhei para ter as oportunidades. Lembro-me que me estreei com o João Pedro Sousa contra o Marítimo e sabia que tinha ali a minha grande oportunidade. Era o tudo ou nada. Claro que aproveitámos um bocadinho o momento do Boavista, porque não podia inscrever jogadores, mas são coisas que não podemos controlar. Quando te lançam para jogo, ou amarras, ou, se deixas passar, as coisas tornam-se difíceis. 

ZZ: Sei que é um jogador que dá atenção aos detalhes, ao treino, ao descanso. Quanto, da sua afirmação, é talento e quanto é trabalho? 

PM: Diria 60% trabalho e 40% talento. Claro que tens de ter talento, mas hoje já ninguém descura a parte do trabalho. Ainda por cima agora, que o futebol está muito físico, quem se fia só na qualidade vai chegar a um momento em que vai sentir a fragilidade ou vai cair. 

qCheguei ao balneário ao intervalo e nem conseguia levantar a perna. Pedi ao doutor para me dar um comprimido e joguei. Sabia que era importante para mim aguentar esse jogo para não dar uma imagem de fracassado. "

ZZ: Sobre o seu futuro: tem contrato até 25/26 com o Boavista. Como é que imagina os seus próximos meses? 

PM: Depois do que vivi no jogo com o Vizela, o importante agora é estar com a família e descansar. Depois vou preparar a época da melhor maneira e o que tiver de acontecer, acontece. O que for melhor para mim e para o Boavista. Tenho contrato com o Boavista, tenho de me apresentar no clube e o que tiver que acontecer, se for bom para o clube e para mim, perfeito. 

ZZ: O interesse do Benfica, e provavelmente de outros clubes, deu-lhe a confiança de que pode jogar a um nível mais alto? 

PM: Sim, estou preparado para isso. Mas enquanto jogador do Boavista, tenho contrato, tenho que respeitar o clube pelo que visto a camisola. Os meus empresários certamente estarão a tratar da minha vida e o que tiver que acontecer, vai acontecer. 

ZZ: Da nossa Liga, há algum jogador que o tenha surpreendido? 

PM: Um dos mais difíceis que defrontei foi o Bruma. É um extremo chato, vem sempre para cima e tem muita qualidade. Outro é o Pepê, um dos mais difíceis que travei. 

ZZ: E do Boavista, quem o surpreendeu? 

PM: Miguel Reisinho, tem um pé esquerdo incrível. O Bruno Lourenço. Mas acho que, depois daquilo que passámos, todos. Uma equipa com grande caráter e uma paixão inigualável. 

qUm dos mais difíceis que defrontei foi o Bruma. É um extremo chato, vem sempre para cima e tem muita qualidade. Outro é o Pepê

Pedro Malheiro

ZZ: Por falar em Miguel Reisinho, teria assumido aquele penálti contra o Vizela? 

PM: Tinha assumido. Alguém tinha de assumir e ainda bem que o Miguel foi feliz, por tudo aquilo que passou ele merecia esse momento. 

ZZ: Contigo ou sem si, o que espera do Boavista nos próximos anos? 

PM: É um clube com uma mística incrível, um clube de primeira liga. Espero que lute por outros objetivos e que consiga, quem sabe um dia, voltar a ser campeão. 

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