Período da revolução em Fátima ainda é lugar de inquietações, segundo Historiador do Santuário

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"O 25 de Abril de 1974 é um tempo que está ainda por estudar e que, a partir das fontes ligadas à Igreja, continua ainda a ser um lugar de muitas inquietações", diz em entrevista à agência Lusa Marco Daniel Duarte, acrescentando: "sabemos que a Conferência Episcopal estava reunida em Fátima. E não sabemos exatamente o que se passou naquela reunião. Esses arquivos têm de ser explorados nesse sentido".

O que se sabe é que em maio seguinte houve a tradicional peregrinação de dia 13, desta vez presidida pelo cardeal António Ribeiro, patriarca de Lisboa, e verifica-se que "não tem uma diminuição de fiéis, a esplanada está cheia".

Na homilia, António Ribeiro "vai aproveitar o grande tema que a Igreja estava a trabalhar do ponto de vista universal, que é o Ano Santo, que tinha palavras-chave como Redenção, Reparação, Reconstrução", recorda Marco Daniel, para explicar que o patriarca "vai aproveitar essas palavras e usá-las no contexto político que se está a viver".

"Podemos quase dizer que é a primeira grande intervenção dirigida à massa dos fiéis para mostrar que a Igreja estava disponível para, a partir de uma renovação dos espíritos, construir e ajudar a construir um mundo novo. Expressões como mundo novo, liberdade, consciência, reconstrução, mas também responsabilidade, aparecem nessa homilia", sublinha o historiador.

Sobre o ambiente vivido por esses tempos em Fátima, Marco Daniel Duarte afirma que, "ao olhar para trás, percebe-se que há uma serenidade muito grande do ponto de vista do santuário e dos seus decisores, ao mesmo tempo que essa serenidade não deixa de estar eivada de preocupação".

"Sendo Fátima um ícone religioso por excelência, estando nessa tradição de leitura conotada com o Estado Novo, sentir-se-ia em Fátima essa necessidade de estar atento às movimentações do novo regime que se estava a tentar encontrar", explica.

Após o 25 de abri 1974 e até ao ano de 1975, "são meses com preocupações relativamente à forma como a Igreja seria tratada do ponto de vista do novo regime democrático e, dentro da Igreja, obviamente o fenómeno Fátima como um fenómeno importantíssimo", lembra.

Ao mesmo tempo, pelo que "está escrito - porque, na verdade, muitas das decisões não ficaram escritas e não as há documentadas nos arquivos -- [o que se assiste] é, de facto, [a] uma grande serenidade, uma presença muito clara, sem temor, ainda que com receio de que algo pudesse acontecer, mas sem temor para dialogar e enfrentar a adversidade".

Apesar disso, foi possível vislumbrar que a Voz da Fátima -- órgão oficial do Santuário, através da palavra do seu reitor monsenhor Luciano Guerra, "vai ter muitos pontos de ligação às preocupações humanitárias que decorrem do 25 de Abril, nomeadamente (...) sobre a descolonização e sobre a forma como os irmãos - ele chama-lhes assim - que vêm das colónias devem ser recebidos por aqueles que estão na chamada antiga metrópole, como que a dar uma nota muito clara sobre o comportamento" que os católicos dessa época devem ter.

"E ele não tinha de falar senão e apenas sobre Fátima, mas ele toma esse assunto, que é um assunto nacional, um assunto muito difícil, a questão dos retornados, e a partir da sua palavra encoraja a que essas pessoas sejam enquadradas de forma feliz na sociedade que se está a reerguer", aponta Marco Daniel, que sublinha a consolidação que Fátima assumiu no panorama nacional e internacional após o 25 de Abril.

"Fátima, de facto, não é subserviente do Estado Novo, nem está colada ao Estado Novo. E a prova máxima disso é que o seu desenvolvimento não é apenas durante o Estado Novo. Esse desenvolvimento não está relacionado com o Estado Novo, mas está relacionado com a política religiosa do mundo contemporâneo, sobretudo a partir do pontificado de Pio XII. É uma questão religiosa já de escala universal", afirma o diretor do Departamento de Estudos do Santuário.

É a partir do 25 de Abril, "se quisermos marcar aqui uma barreira política, que Fátima se desenvolve ainda mais, no pontificado de João Paulo II e em todos os pontificados seguintes. Portanto, de forma muito evidente, Fátima tem dentro de si um motor que não é um motor que dependa da política nacional".

E, no horizonte, vislumbra uma Fátima viva dentro de outros 50 anos, pois "o fenómeno Fátima é um fenómeno que interessa à Humanidade, porquanto tem na sua génese uma temática que nunca estará vencida, que é a temática da Paz".

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