Quão maduro está o abacate? Solução tecnológica calcula maturação de frutas e legumes

6 meses atrás 81

Há uma linha muito ténue que separa uma pera-abacate adocicada e macia de uma fruta que não sabe a nada e tem a consistência de sabão em barra. Esta linha é o seu grau de maturação, muito difícil de avaliar. Por conta disto, todos os dias, por estes supermercados fora, 5% dos abacates vão parar ao lixo, desfeitos que ficam depois de serem apertados, cheirados, esmagados pelos clientes que tentam adivinhar-lhes o estado. Em alguns supermercados dos Países Baixos, Suíça e Alemanha há um pequeno aparelho que dispensa adivinhações. Basta passar o abacate pelo scanner, portátil, e no leitor aparece uma de três hipóteses: pronto e macio (adequado a guacamole); pronto e firme (adequado a salada); muito firme (deixe na bancada).

Este dispositivo, que em breve estará também disponível em Portugal, é um dos aliados do empreendedor de origem holandesa, Marco Snikkers, na luta contra o desperdício alimentar. Fundador e CEO da One Third tem na ponta da língua o dramático número que dá o nome à empresa: um terço (one third, em inglês) da produção alimentar é perdida e desperdiçada a nível mundial. Depois de uns anos de atividade na área médica, decidiu virar-se para o setor alimentar, em particular combatendo o que descreve como uma realidade de “partir o coração”. 

Ao longo de seis meses auscultou a indústria alimentar e facilmente percebeu que o dito ‘tempo de prateleira’ era o problema mais sério. “Ninguém sabe exatamente o que é o tempo de prateleira”, nota. “Em 70% das vezes, é na realidade superior ao que vem indicado na embalagem”, exemplifica. Contrariamente às carnes, em que os prazos são definidos e tabelados pelas entidades reguladoras, as frutas e legumes estão nesta espécie de terra de ninguém em que cada supermercado ou até cada funcionário estima a validade com base na sua perceção.  

O medidor do estado do abacate será o produto mais visível para os clientes. Mas os elementos essenciais desta ‘guerra’ ao desperdício são os equipamentos destinados à cadeia de produção e que permitem ao agricultor, às equipas de logística e aos funcionários das cadeias de supermercados avaliar com rigor o estado de conservação de frutas e legumes. A espectroscopia – uma técnica de análise molecular muito usada em Medicina – está na base da solução desenvolvida pela One Third e que permite detetar o teor de água, açúcar e amido. Uma medição que ocorre por infravermelhos, sem destruição dos alimentos, portanto. Acrescentando ao sistema um algoritmo de Inteligência Artificial (IA) torna-se possível então prever, com muito maior exatidão, o prazo de validade dos produtos frescos. Aqui entrou em cena a equipa da Hitachi Digital Services, do escritório em Portugal, que participou na componente da nuvem, onde ficam alojados os dados. Esta tecnologia permite chegar a uma resposta em tempo real, disponível em toda a cadeia de abastecimento alimentar. A informação é apresentada numa aplicação.

Com a portabilidade e a simplificação dos processos em mente, o sistema é constituído por um scanner de luz infravermelha que permite então analisar a estrutura molecular dos produtos frescos, medindo a alteração na relação entre os seus constituintes, uma enorme base de dados com informação acerca dos produtos que permite criar um gémeo digital e uma plataforma com a qual as equipas de logística interagem. “É tudo muito fácil de usar”, sublinha o developer da Hitachi, Valter Neves. “As pessoas não querem aplicações complexas”, justifica. O sistema tanto pode ser usado em estufas como em centros de distribuição. Dados protegidos, guardados em segurança, com acesso imediato e fidedigno são outras das garantias oferecidas pela solução da responsabilidade da Hitachi. “Para o utilizador é simples e intuitivo, mas nos bastidores há grande complexidade”, nota Pedro Rebelo, também da equipa da Hitachi. 

Morango, tomate, banana e manga

Morango e tomate foram os primeiros alimentos contemplados. Pela comparação com o gémeo digital é possível determinar a vida de prateleira. Nos Países Baixos esta solução já está a ser usada numa das cadeias de supermercados mais conhecida, a Albert Hein. E também  pelos produtores.  “A solução permite evitar o desperdício de, pelo menos, 25% dos produtos frescos, poupando ao mesmo tempo nos custos associados a essas perdas”, nota o fundador da One Third. 

Cada novo produto associado exige a construção de uma base de dados de raiz. O que se tornará cada vez mais simples. “Já sabemos como fazer e com a IA podemos criar dados sintéticos”, nota Marco Snikkers. Com a validade definida desta forma rigorosa e precisa, todas as partes envolvidas na cadeia ficam mais capazes de tomar decisões sobre o destino final dos produtos frescos, redirecionando para outras formulações, como a congelação a seco ou a transformação em sopas e molhos. Também permite que os retalhistas otimizem as rotas de distribuição com base no prazo de validade dos produtos; reorientar os artigos para bancos alimentares ou para processamento, em vez de serem rejeitados pelos compradores devido ao prazo de validade reduzido; fornecer datas de validade e de consumo com base em prazos de vida útil reais e não em valores predefinidos e até aplicar descontos na loja se a validade dos produtos estiver próxima do fim e gerir melhor o stock, ajustando a disposição de artigos.

A seguir aos frutos vermelhos e aos abacates, virão os melões, as uvas, bananas e mangas, ainda durante este ano. “Com a adoção do nosso sistema verifica-se uma redução de 50% no desperdício e um aumento nas vendas de 10 por cento”, revela o CEO. “É ver para crer”, diz, referindo-se à experiência dos clientes. Depois de uma fase em que faziam demonstrações, já são agora os potenciais clientes a procurarem a One Third. A comercialização é feita por subscrição, baseada em valor. “Recebemos uma percentagem do valor das frutas poupadas”, diz. O seu sonho? Ser obrigado a mudar o nome da empresa.

Os números do desperdício alimentar 

1/3

da produção alimentar, a nível mundial, é desperdiçada

1,3

mil milhões de toneladas de desperdício alimentar por ano

1000

milhões de euros são

os custos anuais aproximados

do desperdício alimentar

40%

do desperdício

alimentar são frutas e legumes

10%

das emissões de CO2 anuais

são associadas à produção

de alimentos não consumidos

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