REPORTAGEM | Luta policial e o futebol: «Fogem para preservar a situação mental e física»

7 meses atrás 63

Famalicão - Sporting; Leixões - Nacional; Feirense - Académico. O futebol profissional, em Portugal, voltou a viver um fim de semana longe da normalidade: adiamentos, protestos, caos e, claro, polémica.

Os holofotes voltaram a colocar-se longe dos relvados e o primeiro capítulo deste filme teve início em Famalicão, mais precisamente no Estádio Municipal de Famalicão.

q Eles têm aguentado tudo, por vezes em troca de pouco mais que 40 euros (...) os colegas estão numa situação limite

Paulo Santos, presidente ASPP

Alegando baixa médica, vários polícias não marcaram presença em Famalicão e o jogo não reuniu condições de segurança para se realizar, o que levou ao - inevitável - adiamento, mas não só. Nas imediações do Estádio, milhares de adeptos foram impedidos de entrar no recinto e o «desconforto» [n.d.r: veja aqui as imagens] rapidamente se transformou em alvoroço e desordem. 

Com o episódio de Famalicão na memória, o zerozero foi em busca de entender os fatores chave que eclodiram toda esta turbulência e, acima de tudo, perceber se este cenário poderá voltar a repetir-se.

Para tal, o nosso portal falou com Paulo Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Policia, que começou por explanar, de forma resumida, o que aconteceu em Famalicão.

«13 polícias colocaram baixa médica e cai o carmo e a trindade»

Questionado se o Famalicão - Sporting foi um protesto, Paulo admitiu que o futebol tem um «impacto muito grande» na sociedade portuguesa e desvalorizou as baixas médicas dos polícias.

«13 polícias colocaram baixa médica e cai o carmo e a trindade e está colocada em causa a segurança interna e os polícias são isto e aquilo... De facto o futebol tem um impacto muito grande na sociedade portuguesa, mas não sei se foi esta a forma dos polícias protestarem», começou por introduzir ao nosso portal.

«Eu quero acreditar que os polícias estão a recorrer a este expediente, não por protesto, mas por cansaço/fadiga total. Eles têm aguentado tudo, por vezes em troca de pouco mais que 40 euros. Hoje, os colegas estão numa situação limite e fogem para preservar a situação mental e física desses serviços», patenteou.

Os três jogos adiados nos campeonatos profissionais: 

Na sequência do adiamento inevitável do jogo, a Liga Portugal deixou, em comunicado, duras críticas aos polícias por terem «colocado em causa a paz pública e a integridade física dos milhares de adeptos que aguardavam a entrada no recinto».

«Não considero um comunicado duro, mas é ingrato e injusto. É desajustado porque a Liga não tem de se pronunciar sobre fenómenos fora dos Estádios. A Liga deve sim abordar situações de organização do jogo, porque tudo o que é colocado fora do estádio não é da competência da Liga. Mesmo que proceda do jogo.»

«A Liga deveria perceber o que tem de fazer para criar condições de seguranças que não obrigue os polícias a estar nos estádios: isso sim», enfatizou.

@Rogério Ferreira / Kapta+

Sobre possíveis futuros protestos/greves, que possam colocar em causa a realização de alguma partida do futebol profissional, Paulo Santos realçou que é «algo espontâneo», mas que há «predisposição» para tal.

«Esta situação não é programada pelos sindicatos. É algo que é espontâneo. Eu tenho acompanhado algumas situações e há uma predisposição clara de continuar a fazer isto até que o governo pare com estes atentados contra os polícias. Peço responsabilidade ao governo, porque os polícias estão com vontade de continuar esta luta.»

Em relação a uma possível designação de «campeonato da PSP» por parte dos adeptos, dado ao relevo dos adiamentos em causa, o presidente da ASPP mostrou-se tranquilo.

«Os adeptos e os clubes têm percebido as motivações da nossa luta. Sérgio Conceição - técnico do FC Porto -, assim como Frederico Varandas - presidente do Sporting - mostraram isso mesmo, sendo que Varandas admitiu que isto não iria servir como justificação para o rendimento desportivo. Está nas mãos dos polícias, também, não dar argumentos para que possam ridicularizar a nossa luta», rematou.

«O futebol colocou-nos numa situação difícil»

O que tem motivado todo este desagrado e insatisfação por parte dos polícias? O futebol é um dos principais problemas nesta luta?

Paulo Santos explanou, de forma resumida, as motivações por de trás do descontentamento policial, em específico no futebol.

«O que está a acontecer na segurança interna, na PSP e na GNR - principalmente - não é um problema de agora, nem deste governo. Isto já tem alguns anos. Nos últimos anos houve uma desvalorização do pessoal, não só salarial e de suplementos, como também das condições de trabalho», referiu.

«Simultaneamente, aumentaram valências, funções e missões. E depois surgiu o fenómeno do futebol, em que todas as cidades, todas as vilas têm a sua equipa e nós, dada à realidade do futebol e à paixão que leva a comportamentos exagerados por parte dos adeptos, começamos ter presença policial», prosseguiu.

Não é nenhum segredo: o futebol despoleta emoções e, em alguns casos, leva a ações irrefletidas e pouco benéficas de alguns adeptos. Consequência? Insegurança, medo e caos - palavras fortes que traduzem exatamente o que aconteceu em Famalicão. Para Paulo, o futebol colocou os polícias numa posição «difícil» que leva a um «grande desgaste».

«O futebol colocou-nos numa situação difícil, porque em quase todos os jogos de futebol os polícias - que estão de serviço - estão em caráter obrigatório e estão nos dias das suas folgas, em serviço remunerado. Ou seja, nos dias em que os polícias precisavam de descansar para restaurar energias e estar com as famílias, são exatamente nos dias em que vão fazer jogos de futebol, com policiamento exigente, complexo e em dias de folga.»

«A polícia começou a canalizar esses recursos nos dias de folga para fazer futebol, seja futebol distrital, ou profissional. Isso provocou um cansaço e uma fadiga enorme nos profissionais. E eu falei no futebol, mas também poderia destacar o futsal, basquetebol, andebol ou outras modalidades. Mas o futebol tem uma especificidade e um risco muito acrescido», finalizou.

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