Resistir ao medo, depressão e trauma através do teatro no campo de refugiados de Jenim

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O diretor artístico do coletivo mais famoso da Palestina, Ahmed Tobasi, esteve em Portugal para participar no Festival Periferias, que decorreu em Sintra de 01 a 08 de março, onde ministrou o `workshop` "The revolution`s promise" (A promessa de revolução).

Em entrevista à agência Lusa, recordou a destruição das instalações do teatro, em 12 de dezembro, a sua detenção na altura, e a viagem que empreendeu até Portugal, pouco mais de dois meses depois.

A companhia continuará a resistir, garantiu, uma vez que o teatro foi criado para responder ao medo, à depressão e ao trauma das crianças do campo de refugiados de Jenin, ainda que seja "muito difícil" realizar qualquer evento ou pôr uma peça em cena, algo de que estão impedidos desde agosto do ano passado.

Não há comida, nem água, nem eletricidade, não há serviços de saúde e as organizações de assistência humanitária são impedidas de entrar no campo, disse Ahmed Tobasi à Lusa. Os ataques dos militares israelitas podem acontecer em qualquer altura, "incomodam 24 horas por dia".

"Tudo é difícil de fazer", garante, com a entrada constante de `bulldozers` e a proibição de circulação de viaturas, tanto na cidade de Jenin, como no campo de refugiados.

Ahmed Tobasi foi detido no passado dia 12 de dezembro, com o diretor-geral e produtor do Freedom Theatre, Mustafa Sheta, e um jovem que estava com eles.

Havia crianças nas instalações, quando o teatro foi atacado e vandalizado por forças israelitas.

Amarrado nos pulsos e vendado, como descreve, Ahmed Tobasi foi levado até à entrada do campo de Jenin, atirado para um veículo militar e transportado com mais três dezenas de palestinianos.

Os soldados mantiveram-no preso durante 12 horas, sem culpa formada e sem que nada tivesse feito, como lhes explicou. Exigiram-lhe o passaporte. Depois de terem verificado a sua identidade, atiraram-no para a lama, com um simples "vai-te embora", como recorda.

No que respeita ao The Freedom Theatre, porém, a questão é seguir em frente e fazer com que os principais utentes do teatro, os mais novos, possam contar as suas histórias e vir a falar sobre os seus traumas.

A vinda de Ahmed Tobasi a Portugal só foi possível por ter estatuto de refugiado e passaporte norueguês.

Ainda que tenha vindo da Palestina, através do Vale do Jordão, passando fronteiras israelita, jordana e palestiniana, foi intercetado na estrada por autoridades israelitas e obrigado a aguardar, até que lhe devolvessem as malas de viajem.

"Como [as forças israelitas] sabem que o campo de Jenin tem resistência, o exército surge sempre de forma muito pesada, com forças especiais, veículos pesados e bombardeamentos. E disparam. [Não] páram para pensar duas vezes. Disparam contra tudo. Seja um gato, um cão, uma mulher ou uma criança", frisou o diretor da companhia.

Quando chegou a Portugal e viu pessoas "caminharem normalmente pelas ruas, os jovens a divertirem-se e a comprar coisas", sentiu-se a "ficar louco". Locais onde não há "bombas, rockets, helicópteros apaches, disparos..."

Em julho do ano passado, as forças israelitas atacaram Jenin, alegando haver "um centro de terrorismo", numa operação que envolveu bombardeamentos, mobilizou mais de mil militares e causou a morte de 12 pessoas.

A incursão, na altura, trouxe memória do chamado Massacre de Jenin, de abril de 2002, durante a Segunda Intifada (2000-2005), que provocou centenas de mortos e milhares de feridos, quando militares israelitas ocuparam a região.

Após o ataque do Hamas em território israelita, no passado dia 07 de outubro, a violência aumentou na Cisjordânia, intensificando-se no campo de refugiados de Jenin, criado em 1953 como acolhimento temporário de palestinianos expulsos das suas casas durante a criação do estado de Israel.

As forças israelitas ficaram "insanas, loucas" depois do ataque do Hamas, em outubro, diz Ahmed Tobasi à Lusa, "sem querer entrar em grandes pormenores sobre a política israelita". Têm "`limpado` tudo."

Essa realidade, porém, marca o dia-a-dia local, explica. Os palestinianos "são vítimas de uma ocupação tão louca e violenta", sobre a qual se interrogam. Tentam perceber o porquê, e sabem que essa ocupação é "extremamente apoiada pelo Ocidente, e pelo Governo português, certamente", observou.

Ahmed Tobasi criticou as autoridades portuguesas por darem "permissão aos israelitas para virem trabalhar para Portugal sem vistos [...]. Nós não queremos vir para Portugal, mas nem sequer nos mencionaram", acrescentou.

Os palestinianos só podem sair dos territórios "para contarem a sua história" se tiverem estatuto de refugiados. E conclui: "Nunca sabemos se podemos sair ou não; não podemos planear nada."

Israel ocupa a Cisjordânia e Jerusalém Oriental desde 1967, na sequência da chamada Guerra dos Seis Dias, mantendo um regime de ocupação militar e colonização do território palestiniano.

O ataque do Hamas, de 07 de outubro do ano passado, resultou em 1.163 mortos, na maioria civis, e cerca de 250 reféns, 130 dos quais permanecem em cativeiro, de acordo com as autoridades israelitas.

A retaliação de Israel, na Faixa de Gaza, provocou perto de 31.000 mortos, mais de 70.000 feridos e cerca de 7.000 desaparecidos, sendo a maioria das vítimas civis, conforme o mais recente balanço das autoridades locais.

Deu ainda origem a quase dois milhões de deslocados, e condenou o enclave palestiniano sobrepovoado e pobre a uma grave crise humanitária, com toda a população atingida por níveis graves de fome que, segundo a ONU, já a causar a morte de pessoas, sobretudo crianças.

Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, desde outubro, foram mortos mais de 400 palestinianos, em ataques das forças israelitas e de colonos, somando-se mais de 3.000 feridos e de 6.650 detenções.

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