"Rússia quer injetar polarização na Europa para nos desestabilizar"

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Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, Anders Adlercreutz propôs no Parlamento a entrada da Finlândia na NATO. De deputado passou a ministro dos Assuntos Europeus, em 2023, e ao chegar ficou célebre por assinalar os 500 dias de guerra na Ucrânia com a interpretação da canção patriótica ucraniana "OI u luzi chervona kalyna" ao violoncelo.

Em entrevista à Renascença, à margem do Congresso dos liberais europeus - ALDE -, o ministro finlandês que, agora na pasta da Educação, quer acabar com os telemóveis nas escolas, diz que a Europa pode fazer mais pela Ucrânia.

Como é que o Governo finlandês pretende lidar com as tensões relacionadas com o aumento da presença de imigrantes no vosso país?

Na Finlândia, tal como na generalidade da Europa, há também uma polarização política e temos movimentos políticos que querem fazer política com este assunto de uma forma que não considero muito construtiva. A Finlândia necessita de imigração, temos uma estrutura demográfica desequilibrada, a natalidade é demasiado baixa.

Temos de saber como podemos não apenas integrar essas pessoas, mas também ter um país para onde as pessoas querem vir para viver ou investir.

Como é que os podem atrair?

É uma questão de emprego, de economia, do "clima" de discurso geral sobre integração e imigração e de como podemos combater a polarização do discurso político destes assuntos.

A Europa vive muita polarização, desafios e tensões sobre integração dos migrantes. Para onde caminha, afinal, a Europa?

A polarização geral é um fator desestabilizador na Europa. E sabemos que, por exemplo, a Rússia quer aproveitar-se disto, quer injetar estes assuntos no discurso político europeu. A Rússia sabe que isto cria polarização, desestabilização e muros entre as forças políticas europeias. Vimos estas tendências nas eleições da última primavera para o Parlamento Europeu. Penso que nós, políticos, também temos de combater aquela polarização e discutir estes assuntos, que podem ser difíceis, de uma maneira saudável, objetiva e pragmática, para que a polarização não cresça nas nossas sociedades.

Isso significa que a solução não é fechar portas? Esse é um debate muito atual neste momento na Europa.

Fechar as portas não é uma solução. A Europa é um continente cada vez mais velho, não temos uma natalidade suficientemente alta. A Europa precisa de pessoas, precisa de imigração. Países como a Finlândia e outros do norte da Europa, porventura mais do que os países do sul, temos demografias piores neste sentido.

A Finlândia precisa de muitos migrantes?

A Finlândia tem uma população de 5,5 milhões de pessoas. Necessitamos de uma imigração de cerca de 40 mil a 50 mil entradas líquidas por ano, para que possamos manter uma economia equilibrada. Nos últimos anos, temos estado aproximadamente nesses valores, mas tudo indica que nos próximos anos essa entrada não vai ser tão volumosa. E se assim continuar, vai ser um problema para a economia finlandesa. Temos a imigração humanitária, a imigração de emprego e trabalho e aí, sim, o migrante tem de ter um contrato de trabalho.

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A entrada da Finlândia na NATO foi um facto muito relevante. Como possível desenvolvimento da guerra na Ucrânia, uma eventual negociação de paz com a Rússia é um bom sinal?

Em primeiro lugar, os países europeus têm de ajudar mais a Ucrânia. Por agora, não estamos a fazer a nossa parte. A Ucrânia está a lutar, mas nós, mesmo com uma economia 10 vezes maior que a da Rússia, não temos a capacidade industrial para ajudar a Ucrânia de maneira suficiente.

Temos de melhorar, temos de aumentar a nossa capacidade militar industrial para que a Ucrânia possa sobreviver ou ganhar aquela guerra. Se a Rússia ganhar, isto vai ter repercussões catastróficas para o sistema de direito internacional que temos construído no pós-guerra.

Mas aqui estamos a falar de um acordo e há certamente linhas vermelhas para os ucranianos. Do seu ponto de vista, o que é ganhar e perder na negociação?

Essa é uma questão para o povo ucraniano, não sei a resposta a essa questão. É algo que só os ucranianos sabem.

Do ponto de vista da defesa da Finlândia, o que é que mudou verdadeiramente com a entrada na NATO? Mudou muito?

Sim e não. A Finlândia tem uma capacidade de defesa significativa. A nossa reserva é aproximadamente de 300 mil pessoas e, em tempo de guerra, é quase de um milhão. Temos a maior artilharia da Europa, temos forças aéreas significativas. A Finlândia nunca deixou de estar pronta para um tempo de crise. Temos serviço militar para todos os homens e algumas mulheres. Tenho cinco filhos e todos eles têm feito o serviço militar.

O serviço militar é uma boa opção?

É uma ótima opção. O serviço militar também cria uma unidade nacional, é uma experiência partilhada por todos os homens e algumas mulheres do sistema finlandês. Cria coesão nacional, que penso que é algo bastante importante nestes tempos. Tem assim uma função social, mas também tem uma função de defesa bastante importante.

A Finlândia faz agora parte da NATO e é claro que estamos lá por causa do artigo 5.º [de defesa mútua]. Queremos ter todas as forças do NATO a ajudarem-nos caso seja preciso, mas é importante saber que a Finlândia também traz grandes capacidades para aquelas forças, como essa grande reserva de efetivos e capacidades militares significativas, maiores do que muitos outros países europeus.

Como se processou a decisão da Finlândia de entrar para a NATO? Como foram esses momentos?

Em dezembro em 2021, o meu partido era um de dois partidos dos nove que estão no Parlamento finlandês que apoiavam a entrada da Finlândia na NATO. Em dezembro de 2021, eu apresentei a proposta para a Finlândia começar as negociações com a NATO para adesão. Naquela altura, só 20% da população finlandesa apoiava a adesão na NATO. Três meses depois, 80% dos finlandeses davam apoio à adesão.

Foi uma mudança enorme. A causa desta mudança foi o ataque de Putin [à Ucrânia] que fez com que nós, finlandeses, percebêssemos que com esta Rússia não é possível negociar, não é possível ter confiança naquele sistema. E uma Finlândia sozinha, que não fazia parte de uma aliança, estava numa situação consideravelmente pior.

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Na Finlândia, como na Polónia, por exemplo, existe de facto esse receio de que a Rússia possa voltar a invadir um país. Apesar da presença e da pertença à NATO, isso ainda é uma preocupação?

Claro que é uma preocupação. E por isso é tão importante que nós, países europeus, possamos mostrar a Putin que não vale a pena nem tentar [invadir]. Podemos mostrar isso ajudando a Ucrânia, mandando armas e ajuda, fazendo crescer a nossa indústria militar, aumentando a capacidade de produção. Se fizermos isto, ele perceberá que não vale a pena nem tentar invadir um outro país. E isto também resultaria numa vitória da Ucrânia.

Do ponto de vista da Finlândia, o que é a defesa europeia? É algo que é a NATO que vai garantir ou a Europa pode fazer mais?

A solução da defesa europeia tem de ser a NATO. As outras soluções não são realistas. Mas a unidade europeia também tem o papel de assegurar a capacidade industrial e económica, o mercado interno, o mercado europeu de produtos militares.

Henna Virkunen vai ser vice-presidente executiva na nova Comissão Europeia para as áreas da tecnologia, segurança e democracia. Foi uma boa escolha para a Finlândia?

Foi uma muito boa escolha para a Finlândia.

A Finlândia teve uma grande indústria tecnológica, muito forte. Agora que conhecemos o relatório Draghi, para onde deve caminhar a aposta da Europa no domínio da reindustrialização?

A Europa é o maior mercado do mundo, mas nós não funcionamos daquela maneira. Em muitos sentidos, somos ainda 25 países diferentes. O mercado interno da Europa não funciona como devia. Outra questão é a falta de ideias. Fala-se muitas vezes de uma falta de capital, de dinheiro, mas penso que isso não é a questão mais importante. Temos capital, temos dinheiro, mas não temos ideias. E é por isso que a maioria das empresas que crescem são empresas americanas ou, noutro sentido, são chinesas.

Temos de fazer um esforço para melhorar a inovação, a educação, apostar em sistemas inovadores e educação universitária. Temos de criar mecanismos para criar as ideias que agora não temos. Este é o caminho para que a Europa consiga manter as suas posições em concorrência especialmente com a China, mas também com os Estados Unidos.

Mas isto não era o que tinham pensado com a Nokia? Era uma grande empresa finlandesa, com muito peso mundial, que quase acabou na falência. Que lição retiraram do processo da Nokia?

Concluímos que se quando está numa posição boa no mercado, não se pode deixar de fazer inovações. Não se pode pensar: "estamos bem, somos os melhores, podemos trabalhar um pouco menos".

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