São brasileiros e criaram clube em Espanha: «Temos mais visibilidade do que alguns clubes da I Liga»

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*com Milene Proença

O sonho de jogar futebol, o fascínio das redes sociais e a vontade de crescer. Eis a fonte de motivação da grande maioria dos jovens que almeja atingir um patamar alto na carreira de futebolista ou no mundo dos digital influencers.

Muitos são os que ficam pelo caminho, seja por falta de oportunidades ou espaço nas respetivas equipas. Outros tantos lutam diariamente e esperam o momento em que o seu talento irá ser reconhecido. No meio destes, existem aqueles que traçam a sua própria história, fazem-se à estrada e atravessam oceanos para mostrar ao mundo o seu valor.

Ousadia FC. Só pelo nome entendemos que é algo diferente, mas onde é depositada toda a alegria e confiança. Este é um clube composto por brasileiros que partiram em busca de transformar o incerto em certeza e hoje atuam na última divisão espanhola, com direito a muita interação online. 

Neste momento, o clube tem 543 mil seguidores no Instagram e 71 mil no Tik Tok.

Um projeto inovador

Os vídeos nas redes sociais e o conteúdo que passam para o público. Tudo isto faz parte de um projeto criado por Edivando Júnior, mais conhecido pelos internautas como Queixinho, influenciador brasileiro que pôs mãos ao trabalho e montou uma equipa do lado de cá do oceano com 25 atletas do seu país.

Movidos pelos seguidores e pelas milhares de visualizações nas redes, o conteúdo e as câmaras fazem parte da vida destes atletas que, para além de treinarem diariamente, aproveitam cada oportunidade para produzir conteúdo.

Tudo começou com uma seleção de jogadores feita em São Paulo e cerca de 18 mil mensagens nas redes sociais com pedidos para ingressar no projeto. Atualmente esta equipa atua com o nome «Ibero-Americano de Futbol Barcelona» e disputa a quarta divisão da Catalunha, o que seria equivalente, em termo nacionais, à 11ª divisão espanhola.

O nome original «Ousadia FC» só deverá entrar em ação no próximo ano. Por enquanto, Edivando aproveita o trabalho de intercâmbio da BCN Academy, academia desportiva que opera em Barcelona. 

A adaptação a uma nova rotina

Os novos horários, a moeda diferente, comida à qual não estavam habituados... Tudo isto são fatores que pode levar a uma rotina exaustiva, mas que são necessários para a estabilização do Ousadia FC.

Com treinos de segunda a sexta, muitas vezes até duas vezes por dia, sábado é o dia escolhido para o descanso dos atletas. Os vídeos ficam ao encargo de cada um, as ações de marketing fica para o clube. É necessário toda uma gestão entre estes dois mundos loucos, o futebol e o digital. 

Douglas Silva no treino @Ibero-Americano Futbol Barcelona

«Para quem veio do Brasil para o projeto é um pouco mais difícil. No meu caso não porque eu já estava adaptado à Europa, mas para algumas pessoas é um pouco mais complicado porque vieram do Brasil. Em relação ao conteúdo, cada um faz o seu, sendo que existe o marketing da equipa. No entanto, aqui é mais voltado para o dono do projeto [Queixinho]», explicou Douglas Silva, antigo jogador do Ousadia FC.

Por seu lado, Caio Farias, atual jogador do clube, optou por criar um Instagram com alguns amigos, denominado por «zer0zer011», de modo a obter mais visibilidade do que a que tem na conta principal da equipa.

«Os conteúdos são gravados fora do horário do treino, durante estamos 100 por cento focados. Criei um canal com os meus amigos, onde fazemos algumas brincadeiras e desafios, para termos um alcance maior», comentou o atleta. 

qAs pessoas pedem para tirar fotos na rua

Washington João Dutra

Para outros, é mais fácil conciliar a rotina com os treinos e as gravações. Washington João Dutra, lateral direito da equipa, trabalha por conta própria depois das sessões de treino e evita trabalhar ao fim de semana para se focar no jogo de domingo.

«Trabalho por conta própria porque quero administrar a minha carga horária. Às vezes não temos acesso a dinheiro por não sermos profissionais, mas a experiência que o Ousadia FC nos proporciona vai mais além. As pessoas até nos pedem para tirar fotografias na rua», contou o jogador.

A 7850 km de casa, as saudades apertam diariamente

À vida de um jogador de futebol está sempre associado o ato de andar de mochila às costas. Quem entra nesta profissão está ciente de que é necessário arriscar para vingar e, no caso do Brasil, são vários os atletas que deixam o seu país em busca de uma vida melhor no futebol europeu.

«Prefiro jogar aqui do que lá. Quanto à família e amigos, batem muitas saudades, mas eu tenho um propósito e vim para fazer acontecer, então tenho de estar disposto a sofrer», frisou Douglas Silva. 

Caio Farias com a sua família quando era mais novo @Caio Farias

Deixar namoradas, esposas, filhos, família...Tudo por um bem maior: dar uma vida melhor àqueles que amam e, um dia, conseguir trazer a família para a Europa.

«É complicado estar sozinho. A minha meta é estar com a minha família aqui na Europa e para isso preciso de ter uma forma de os manter aqui. É um incentivo para subir ainda mais na carreira», afirmou Caio. Se para alguns este modo de vida é solitário, para outros é o começo de uma longa caminha com objetivo de prosperar no ramo profissional e pessoal.

«Sinto saudades da minha família, mas estou contente e realizado aqui. Acredito que as coisas estão a acontecer de uma maneira que estou feliz, o meu filho tem tido um desenvolvimento muito bom, então não tenho vontade de voltar ao meu país», comentou Washington.

Nem tudo é um mar de rosas

A vida é feita de aprendizagens e mudanças, sendo que, neste projeto em concreto, há quem procure ter impacto nas redes sociais e quem esteja mais dedicado ao mundo do futebol em si.

Este é o caso de Douglas Silva, ex-atleta do Ousadia FC. Douglas quer apostar todas as fichas apenas no futebol, pelo que o seu foco não passa pelas gravações ou pelos likes.

«É um projeto que foi criado especificamente para a Internet, não é uma formação de atletsa, não é para vender atletas nem para a divulgação do futebol em si. Então esse foi um dos motivos para eu ter saído, não gravo conteúdo para a Internet como todos fazem e então para mim financeiramente não seria agradável», referiu o jogador, que considera muito difícil um jogador manter-se noutro país sem ajuda. 

Caio Farias no treino @Ibero-Americano Futbol Barcelona

«Nós mantínhamos os nossos custos, o único que tinha salário era eu. Algumas pessoas já desistiram por não conseguirem manter os custos, outras passam um pouco de dificuldade, mas mesmo assim continuam no projeto porque podem ter alcance. Não tanto com o futebol, mas com o resto», apontou o atleta.

«Para mim não dava para esperar que as coisas acontecessem. Eu não gravo conteúdo para a Internet, só os meus próprios lances, e não era favorável eu estar no projeto a longo prazo. O meu intuito é o futebol, ter contrato e estar sempre a jogar», completou.

No caso de Caio Farias, o futebol e o Ousadia FC são só uma parte da sua vida em Espanha. É preciso trabalhar, muitas vezes até de madrugada, para poder suportar todos os custos e as responsabilidades financeiras que tem.

«Todos nós temos uma rotina diferente, muitos têm trabalho e trabalham até de madrugada. Eu também tenho um trabalho aqui, estou a fazer um curso de treinador e trabalho como auxiliar técnico», referiu o jogador, que chegou a Espanha inicialmente para jogar em Andorra.

«É preciso outros trabalhos para nos mantermos porque o clube foi criado agora e a maioria das coisas são gastos. Nós temos todo o apoio, mas não temos um salário. Muita gente está aqui à procura de mais visibilidade, afinal de contas o clube já tem mais seguidores do que várias equipas da I divisão de Espanha», acrescentou.

«Quero chegar a competições de alto nível»

Ainda que já tenha deixado o clube, Douglas Silva não baixou os braços e o futebol continua de pedra e cal na sua vida.

«Já tenho novas avaliações noutros clubes aqui em Barcelona. Num dos primeiros jogos pelo Ousadia FC lesionei-me e fiquei um mês parado. Consegui recuperar, mas perdi uma prova numa equipa muito boa. As oportunidades vão surgindo e estou à procura, tenho um grupo de apoio que me ajuda a manter no país enquanto não tenho clube», atirou.

Para uma pessoa que ainda está dentro do projeto, as ambições são um pouco diferentes, mas o foco continua a ser o mesmo. Poder entrar dentro de campo, fazer magia coma bola nos pés e crescer na Europa. 

Washington Dutra na vitória da Barcelona Cup @Washington Dutra

«No momento estou focado 100 por cento no Ousadia FC e uma das minhas metas é poder ajudar a equipa a subir de divisão. Para o futuro pretendo jogar num clube maior e participar em competições do mais alto nível», explicou Caio Farias.

Para além das oportunidades que o projeto proporciona dentro das quatro linhas, existem muitas outras fora destas quatro linhas. Washington João Dutra, mais conhecido por Japa, tem 35 anos e o seu objetivo é orientar os jogadores mais novos, quase como se fosse uma espécie de ‘pai’ do grupo.

«Já não posso fazer criar projetos a longo prazo. Digo sempre aos mais novos que não sou um concorrente para eles, tenho planos de me manter no clube com outros projetos envolvidos também. Tenho um filho de nove anos e foi através do Ousadia FC que ele fez um teste num dos maiores centros de treino de Barcelona. Para mim já estou a ter conquistas», confidenciou.

Leveza, alegria e animação. É isto que os jogadores tentam levar diariamente para os relvados. E é este o diferencial deste projeto: conseguir mostrar noutro país a força do povo brasileiro e a felicidade que sentem ao jogar futebol.

O Ousadia FC não é só media e isso vê-se nos resultados que a equipa tem tido. Contam já com um título num torneio amador – Barcelona Cup- e neste momento encontram-se na quarta posição da tabela, com 12 pontos conquistados em cinco jogos. O próximo desafio é já este domingo, dia 27 de outubro, frente ao River Plate Barcelona A, num jogo da sexta jornada da competição.

No próximo ano, podemos ver o nome Ousadia FC ser oficialmente usado no futebol espanhol.

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