"Se estão mesmo preocupados com a desigualdade, tributem também atletas, cantores e atores"

1 dia atrás 37

A sustentabilidade já é um tema incontornável, incluindo no mundo dos negócios, onde se tornou familiar o selo sustentável ESG, que classifica empresas e investimentos pela sua responsabilidade e cuidado com o ambiente, as pessoas e a sociedade. Mas, podemos confiar? O professor de Finanças da London Business School, Alex Edmans, questiona a eficácia das métricas ESG e o que representam. Um debate que tem promovido em diferentes fóruns e que é reforçado pela última investigação, já premiada, sobre o investimento em fundos sustentáveis.

Em entrevista à Renascença, antes de viajar no final da semana para Portugal, para participar nas Conferências do Estoril, Alex Edmans admite que há fatores ESG positivos, o problema é que nem todos funcionam e “é muito improvável” que o investimento ESG vá mudar o mundo.

O economista britânico sublinha, também, que os consumidores são vulneráveis ao "greenwashing". É preciso regulação, mas estão a ser cometidos excessos, nomeadamente, na área da diversidade e inclusão.

Autor do famoso livro “Grow the Pie”, Alex Edmans explica ainda como podem as empresas aumentar os lucros.

No último artigo que publicou, com Dirk Jenter, concluiu que o investimento em fundos sustentáveis não é, afinal, muito diferente do chamado investimento tradicional.

Se os gestores de fundos sustentáveis agem de forma diferente dos gestores de fundos tradicionais? Descobrimos que não há diferença real, porque, mesmo os gestores de fundos tradicionais levam a sustentabilidade em consideração e os gestores de fundos sustentáveis ainda tentam maximizar os retornos de investimento.

Tem tido um discurso crítico sobre os investimentos ESG? Porquê?

O que é o investimento ESG? Acho que pode atingir três resultados: pode melhorar os retornos financeiros; pode ter impacto social; pode alinhar valores. Penso que todas estas três alegações devem ser encaradas com ceticismo.

No primeiro ponto, a possibilidade de se atingir retornos financeiros, alguns fatores ESG podem melhorar esses retornos, mas não podemos dizer o mesmo de todos os fatores. O problema que tenho com o termo ESG é que ele agrupa tudo, mas algumas coisas ESG funcionam e outras não, é o que sugere o meu artigo, “The End of ESG”. Não devemos considerar todas as coisas ESG juntas. Não devemos dizer que ESG funciona sempre ou nunca funciona.

Em termos de impacto social, há alguns fatores ESG que melhoram tanto o desempenho financeiro quanto o desempenho social. Por exemplo, tratar bem os trabalhadores melhora os retornos financeiros, e também é bom para os trabalhadores. No entanto, nem tudo é uma mais-valia.

Pode dar exemplos?

Por exemplo a mudança climática, a descarbonização é muito cara. É bom para o meio ambiente, mas vai corroer os retornos financeiros. E afirmar que o investimento ESG vai mudar o mundo é muito improvável.

Porquê? Porque os investidores precisam entregar retornos financeiros. Podem atingir impacto social se ele for favorável aos retornos financeiros, mas não podem alcançá-lo se ele não for consistente com os retornos financeiros.

Os subsídios e o suporte para investimento sustentável deve ser fiscalizado?

Sim, sim, claramente. Se quer ter certeza de que os subsídios vão para o uso que é pretendido, sim.

A União Europeia, por exemplo, aprovou várias regras e regulamentos para garantir transparência e evitar o "greenwashing". Isso é suficiente?

Não, não é o suficiente. Porque é possível cumprir as regras sem realmente obedecer ao espírito. Por exemplo, podem ter regras sobre diversidade da força de trabalho e uma empresa coloca mulheres na administração para preencher uma cota, mas não as trata bem.

O problema com a regulamentação é que, muitas vezes, as empresas podem cumprir sem respeitarem o espírito das regras.

O que é que ainda pode ou deve ser feito para garantir que as empresas agem em boa fé?

Há muitas coisas que as empresas fazem que são boas para a empresa a longo prazo. É por isso que eu vejo a regulamentação sobre a contratação em diversidade como algo pateta, porque é do interesse da empresa garantir que contrata as melhores pessoas.

Como regulador, não deve dizer às empresas que devem fazer o que já é do interesse delas, já se esforçam voluntariamente nos processos de recrutamento. A única razão para regulamentar é se houver uma falha de mercado.

O que considera uma falha de mercado?

É quando uma empresa tem um efeito na sociedade que não é totalmente suportado pela empresa a longo prazo. Pode ser o caso das emissões de carbono, que acabam por prejudicar outras empresas.

Os reguladores devem tentar garantir que só regulam quando há externalidades. Não devem regular coisas que uma empresa levará em conta de qualquer maneira. Porque há aqui um grande problema de excesso de regulação.

Os reguladores estão a ser muito invasivos quando dizem às empresas quem elas devem contratar, o que não acho que seja prerrogativa dos reguladores.

Acha que os consumidores estão mais atentos e exigentes ou continuam a preferir o produto mais barato, independentemente da origem?

Não, eu acho que os consumidores são muito propensos ao "greenwashing". Uma grande empresa que faz uma grande declaração sobre a contratação de muitas pessoas negras, por exemplo, pode convencer o público a tornar-se cliente, mesmo que seja uma má empresa.

A Ben and Jerry's, que vende gelados, é um produto realmente mau, que globaliza gordura e açúcar, mas como os fundadores foram presos durante os protestos do Black Lives Matter, as pessoas têm uma boa impressão da empresa, que fala abertamente. Muitas vezes, os consumidores podem ser afetados por grandes declarações de empresas, mesmo que isso faça pouca diferença.

É o autor do famoso livro "Grow the Pie". Pergunta direta, como podem as empresas aumentar o bolo?

As empresas têm de pensar como podem realmente criar valor, qual é a melhor maneira. Têm de ter em conta que se criarem valor para a sociedade, parte desse valor irá retornar e beneficiar a empresa. É por isso que algumas boas empresas vão querer ir mais além e beneficiar os trabalhadores, beneficiar os clientes e assim por diante.

Porque é que as empresas não devem trabalhar apenas pelo lucro, como argumenta Milton Friedman?

Porque, muitas vezes, as fontes de lucro podem ser inesperadas. Por exemplo, para decidir se aumenta a licença parental aos funcionários, uma empresa vai ter em conta que a medida sobe a produtividade de muitos trabalhadores e dá mais dinheiro a ganhar à empresa. É realmente difícil olhar para as implicações no lucro do aumento da licença parental.

Se só está disposto a tomar uma decisão se achar que vai ter algum retorno, enfrentará muitas decisões em que não está garantido. Esta mentalidade de olhar apenas para os lucros vai impedi-lo de fazer alguns investimentos verdadeiros a longo prazo.

Chegou a defender numa entrevista o combate à desigualdade pela tributação de altos salários?

Não... O que eu disse é que se a desigualdade é um problema, então devem ser tributadas as pessoas com altos vencimentos de todas as indústrias, não apenas CEOs. Vejo que as pessoas ficam zangadas com a remuneração dos presidentes mas, se estão mesmo preocupados com a desigualdade, tributem também atletas, cantores e atores altamente bem pagos, em vez de se focarem apenas em CEOs.

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