Talento no digital: o mundo dos criadores de conteúdo

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São muitos os nomes que surgem nas nossas redes sociais mais regularmente. O que terão a dizer estes criadores de conteúdo digital sobre o mundo em que partilham o seu talento?

O mundo digital isenta-se de fronteiras geográficas, abrindo as portas para um vasto campo de oportunidades onde o talento pode prosperar como nunca antes. No cerne dessa revolução está a capacidade de criar, inovar e comunicar através de uma infinidade de plataformas e tecnologias. O talento no mundo digital não é apenas sobre possuir habilidades técnicas, mas também sobre ter uma mente ágil e adaptável, capaz de acompanhar o ritmo acelerado das mudanças tecnológicas. É sobre ser criativo o suficiente para pensar fora da caixa e encontrar soluções inovadoras para os desafios que surgem. Num mundo onde o conteúdo é rei, os criadores de conteúdo digital emergem como figuras-chave. Desde YouTubers e influenciadores até bloggers e desenvolvedores de jogos, o talento criativo encontra uma plataforma para se expressar e alcançar um público global instantaneamente. Além disso, a procura por habilidades técnicas continua a crescer à medida que a transformação digital permeia todos os setores. Programadores, engenheiros de software, cientistas de dados e especialistas em segurança cibernética são apenas alguns dos profissionais altamente procurados no mundo digital. A natureza colaborativa do ambiente digital também oferece oportunidades únicas para o talento se destacar. Projetos de código aberto, plataformas de crowdsourcing e comunidades online permitem que indivíduos talentosos colaborem numa escala global, impulsionando a inovação e resolvendo problemas de maneiras que antes pareciam impossíveis. No entanto, o talento no mundo digital também enfrenta desafios únicos. A rápida evolução da tecnologia significa que as habilidades que são valorizadas hoje podem tornar-se obsoletas amanhã. A concorrência global também significa que é necessário destacar-se num mar de talentos igualmente qualificados. Para entender melhor este universo, a LUZ falou com criadores de conteúdo digital.

Este é o caso de Lucas Rodrigues, de 23 anos, mais conhecido como Lucas With Strangers. Os seus vídeos, especialmente no TikTok, acumulam milhões de visualizações, destacando-se por realizar sonhos de desconhecidos. Contrariando a norma das redes sociais, Lucas concentra-se em espalhar felicidade e ajudar os outros num mundo digital que muitas vezes parece carente de significado. O seu projeto nasceu como uma âncora após um assalto violento que o deixou com ataques de pânico, e hoje é uma fonte de positividade e solidariedade. Apesar da sua enorme popularidade nas redes sociais, Lucas confessa que não é fã delas e que as usa apenas para trabalho. Acredita que as redes sociais, muitas das vezes, desviam as pessoas do seu potencial máximo e tenta usar a sua influência para promover causas importantes e espalhar felicidade. «Fiquei espantado com este mundo quando comecei este projeto e percebi a quantidade de coisas que é possível fazer. Pediram-me uma cadeira de rodas e, na altura, não tinha meios. Decidi publicar uma story e, no dia seguinte, tinha a cadeira para entregar ao senhor graças aos meus seguidores. Entendi que uma comunidade digital, afinal, tem muitas vantagens e dá para mudar vidas e fazer coisas incríveis!», começa por explicar, em declarações à LUZ. «Não tinha talento nesta área. Sempre gostei de fazer vídeos, até em pequeno com a minha irmã, mas este talento não é talento: foi algo construído. Queria que a minha página crescesse ao máximo e foquei-me em aprender, olhar para as estatísticas e, hoje, dou mentoria a outros criadores e a marcas e sinto que já tenho talento para dar», continua o jovem.  «Manter a criatividade é a parte mais difícil. Ajuda-me muito não me saturar a mim mesmo. Não me pressiono para publicar rápido. Quando aparece a história certa, avanço!», explica, brincando que o défice de atenção e a hiperatividade, que fazem parte dele, o ajudam a criar conteúdos para as redes sociais. «Sou muito cuidadoso em relação às perdas de atenção e noto quando os vídeos têm zonas sem atenção. Isso ajuda-me muito», confessa, explicitando que os maiores desafios que enfrenta prendem-se com a logística, pois cada vez mais precisa de pessoas que rabalhem consigo. «Mas temos ações grandes e bem organizadas por vir. E há outro problema que é a consistência», diz, transmitindo que acredita que as redes sociais contribuem para que «muito talento surja» que, de outra forma, poderia passar despercebido. «Esse é um dos poucos lados positivos das redes sociais, o da conexão. Mas também há o lado da desconexão», em termos presenciais, refere Lucas, que tem quase 570 mil seguidores no Instagram e 2 milhões no TikTok. «Muita gente quer ajudar os outros e não sabe como. Abro essas portas. Somos muitas pessoas a trabalhar atrás das câmaras e acho que não teria encontrado metade delas se não fossem as redes sociais», constata o rapaz que recebe diariamente dezenas ou centenas de pedidos de ajuda, o que o desafia a gerir o seu tempo e os seus recursos. Quanto aos conselhos que daria a quem começa o percurso enquanto criador de conteúdos digitais, Lucas é assertivo: «Há muitas pessoas que procuram a fama e começo por dizer que a fama não é boa e traz poucas coisas positivas para a vida. E, por isso, a única vantagem de fazer isto é sabermos que gostamos mesmo. No meu caso, é a minha profissão, a minha paixão: fazer vídeos e ajudar os outros, é perfeito. Mas afastem-se das ambições de fama, esse é o meu principal conselho», acrescenta, adicionando: «Mergulhem nas estatísticas, sejam altamente analíticos e pensem nisto num negócio se for mesmo para o ser. Se quiserem divertir-se e fazer isto como um hobbie, por vezes, uma comunidade pequena e fiel é melhor», começa por concluir, afirmando: «Ninguém nos segue se não estivermos a trazer algum tipo de alívio a alguma dor que alguém tenha». «Não tenho perspetivas de futuro, já desisti de planear o futuro muito à frente. Até muito recentemente, não fazia ideia daquilo que ia fazer no dia seguinte. Somos extremamente maus a planear, mas achamos que somos bons. As circunstâncias da vida levam-nos por outros caminhos. Temos de estar focados em resolver os problemas. Estou a fabricar o futuro no presente e, por isso, a minha perspetiva é focar-me agora e ser a melhor versão de mim mesmo», finaliza.

Com quase 80 mil seguidores no Instagram e 1 milhão no TikTok, Constanza Ariza, de 24 anos, começou a ganhar interesse pelas redes sociais graças ao pai. Desde pequena sempre adorou fotografia e vídeo, mas foi em 2012 que começou a criar conteúdo para o YouTube. Mais tarde, dedicou-se ao TikTok, criando vídeos de 15 segundos em que dançava. «Eu não tinha qualquer expectativa, sabia que adorava fazer vídeos! Comecei também a gostar de edição. No fundo, eu cresci com o meio digital muito naturalmente. Até ao dia em que começaram a reconhecer-me na rua, e os meus pais ficaram muito surpreendidos, porque não faziam ideia de que aquilo que eu fazia no meu quarto estava a chegar às pessoas», conta a jovem, constatando que o telemóvel é a sua principal ferramenta. «Além disso, conheço bem a minha audiência, estão comigo desde o início. Autenticidade sempre foi a minha maior arma nas redes sociais. Só assim consegui atingir um milhão de seguidores. Para me conectar com a audiência, respondo praticamente a todas as mensagens e comentários, e faço diretos», explica, não escondendo que é difícil manter a criatividade num espaço digital tão saturado. «Depois de tantos anos tive de me adaptar muito. Prezo pela consistência na criação de projetos e novas ideias, tento fazer algo diferente, inovar. Por exemplo, escrevi um livro e, no ano passado, lancei uma música. Organizei várias edições de casas de TikTokers, onde criadores de conteúdos exploraram juntos as suas melhores ideias e criam livremente. No fundo, adoro explorar ideias originais», partilha, acrescentando que o talento digital requer «interesse e pesquisa» e, «acima de tudo, um grande compromisso».

Janico Durão, de 23 anos, tem quase 30 mil seguidores no Instagram e 317 mil no TikTok. Na adolescência, não gostava de estar na escola e considera que «houve um ‘refúgio’ na criatividade». «Tinha uma vontade enorme interior de entreter os outros através da câmera. Nem pensava tanto no humor. Fascinava-me a ideia de poder criar as minhas coisas, com a tecnologia», conta. «Publiquei um ou outro vídeo na minha página pessoal no Instagram e fui recebendo, com o passar do tempo, bom feedback de alguns amigos e familiares. Percebi que queria explorar essa vertente, por isso criei uma página unicamente dedicada aos vídeos», recorda, explicando que, para si, relativamente às ferramentas que utiliza, «basta o telemóvel, fazer bons cortes e adicionar música que se relacione com o conteúdo». «Acredito que, com mais ou menos qualidade, o que interessa é levar coisas genuínas, que divirtam/acompanhem as pessoas. Diria que está tudo no conteúdo, mas sim, deveria dar mais importância ao material e cenário, para que se fortaleça a conexão com a audiência. Contribui sempre para a ‘atração’!», reconhece, partilhando os segredos para manter a criatividade: «Estar atento ao que/a quem nos rodeia, brincar connosco, inspirarmo-nos nas novas experiências pelas quais passamos na vida (como entrar num novo curso ou emprego). Há sempre lugar para mais conteúdo. Há sempre um novo tipo de pessoa com quem nos cruzamos, uma história que nos surpreende ou um passo no nosso crescimento pessoal. A vida é novidade constante. Basta pasar isso para os vídeos». Em relação ao talento, pensa que este pode ser ensinado. «A partir do momento em que há talento, inseri-lo no digital só pede por uns tempos de adaptação, persistência e vontade. O virtual está cada vez mais presente nas nossas vidas, por isso não temos outra hipótese, se não aprender qualquer coisinha! Não vejo ‘talento digital’ como um só. Acredito que quando há talento, é sempre bem-vindo à Internet», avança, adiantando que «o facto deste trajeto depender do funcionamento da Internet pode ser assustador». «Enquanto uma peça de teatro, por exemplo, está nas mãos de papéis que agarramos e da natureza da mente humana, aqui ‘obedecemos’ à bateria, boa ligação ao Wi-Fi e gestão alheia da plataforma. No fundo, não temos tudo sob controle. Com isto, digo que o desafio que me parece mais importante é não desligarmos do verdadeiro lado que nos acrescenta e assegura um caminho de realização e felicidade: a vida real. Acho fundamental não mergulharmos intensamente no digital, mas sim manter o equilíbrio. Depender sim do ar puro e projetos cá fora», aconselha.

Raquel Marinho, curadora da página de Instagram ‘O Poema Ensina a Cair’ – que conta com 329 mil seguidores no Instagram –, que trabalhou como jornalista durante muitos anos, explica à LUZ que descobriu o seu interesse pelo digital ao explorar as redes sociais e aprendendo gradualmente, enquanto a sua criatividade é mantida através da interação com o seu público e da busca por inspiração na vida quotidiana. «A identificação do público com as publicações e a autenticidade do conteúdo são fatores-chave para manter o interesse das pessoas pela página», sublinha, indicando que, embora esteja «ciente dos problemas sociais», considera que a sua página é principalmente dedicada à poesia. Ainda que, ocasionalmente, aborde questões de forma mais ou menos subtil. Por exemplo, através da publicação de poemas sobre a liberdade aquando do 25 de Abril. Quanto ao futuro da sua página e do podcast, Raquel expressa o desejo de continuar o caminho atual, na medida em que tem recebido muito feedback positivo, incluindo iniciativas educacionais que utilizam o seu conteúdo para ensinar poesia aos alunos.

E quando não se  revela a identidade? 

Quando se aborda a existência de contas cuja identidade é desconhecida, é provável que nos lembremos do Casal Mistério, que tem 288 mil seguidores no Instagram e autodenomina-se como ‘blog de crítica mistério’. «O nosso interesse pelo mundo digital nasceu naturalmente, desde o primeiro dia em que a Internet chegou a Portugal no longínquo ano de 1991, éramos nós uns jovens inconsequentes e irresponsáveis. Quando percebemos que, através da Internet, poderíamos escrever e dizer todos os disparates que nos passavam pela cabeça, decidimos criar um blog sobre temas tão fundamentais e urgentes no mundo em que vivemos, como comer, beber e viajar.  Os anos passaram e continuamos um bocadinho menos jovens, mas igualmente inconsequentes e irresponsáveis», diz o casal à LUZ, elucidando que ainda está à procura do seu talento. «Os nossos dois talentos resumem-se de uma forma simples: Ele nasceu para cozinhar, Ela nasceu para comer. Tudo o resto vem por acréscimo», garante, sendo que utiliza o Word Press, o Google, o Pinterest e o Spotify para criar conteúdo e o Facebook, o Instagram e o TikTok para se conectar com a sua audiência. Se bem que, na sua opinião, ‘o bom e velhinho boca a boca’ é aquilo que funciona melhor. «A grande vantagem de sermos um casal é que podemos dividir as crises de criatividade. Quando um está menos inspirado, o outro recebe uma inspiração divina e vice-versa. E fazemos brainstormings diários, para não cairmos na rotina. Mas vamos tentando inovar – apesar da nossa já provecta idade – num espaço onde as tendências mudam todos os dias à estonteante velocidade dos algoritmos das redes sociais. Mas o segredo – achamos nós – é mantermo-nos fieis ao projeto desde o início, com a mesma isenção e autenticidade», avança.

Com 189 mil seguidores no Instagram, ‘Carlos Estrela’, pseudónimo adaptado pelo criador da página de Instagram ‘Café de Bairro’, de 32 anos, nunca revelou a identidade. Aliás, o máximo que mostrou foi uma fotografia sua de costas no NOS Alive, assim como uma tatuagem que fez dedicada ao seu amor pelo café. «Lembro-me que desde muito cedo me interessei por tecnologia. Tirei o curso no secundário de informática de gestão pelo facto de ter sido um geek da informática. Hoje em dia é uma área em que sou um nabo. Mas falando do mundo digital, sempre me interessei pelas redes sociais, passei por tudo: o pânico dos estados no MSN, plantar couves no Farmville no Facebook ou os problemas que o top dos amigos do Hi5 me deu. Hoje em dia são muitas mais, que em termos profissionais é muito mais desafiante», começa por narrar o jovem, que não sabe se chamaria talento àquilo que o move. «No meu caso, começou por ser um escape ao trabalho de que eu não gostava de fazer e era ali que eu meio que desabafava. Claro que ao longo do tempo fui percebendo o que funcionava melhor, o que as pessoas gostavam mais de ver e o tipo de comunicação com que as pessoas mais interagiam», declara, brincando: «Os designers gráficos vão odiar-me, mas eu até hoje só usei o Canva», mas constata: «As pessoas entram na rede, veem um post meu e associam logo que é um conteúdo Café de Bairro». 

A página ‘Pérolas da Urgência’ tem, atualmente, 138 mil seguidores. ‘Doc Pearls’, como é conhecido, é um médico que optou por sair do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e ingressar no setor privado. No entanto, narra as peripécias que vive há vários anos. A ideia surgiu em 2016, para retratar episódios engraçados da sua atividade profissional no SNS, com humor e sarcasmo. Primeiro, criou a página no Facebook e posteriormente no Instagram. O blogue foi um projeto paralelo onde podia exprimir-se mais livremente. Já ‘Zé Livreiro’, mais conhecido por ‘Confissões de Um Livreiro’, tem aproximadamente 20 mil seguidores no Instagram. Tal como ‘Carlos Estrela’ e ‘Doc Pearls’ não revela a identidade. Dedica-se ao mundo da literatura, com humor apurado e publicações cativantes. «Não vejo o talento digital como um talento ‘per se’. O único talento que quero aprofundar é a minha escrita, o digital foi um meio que encontrei para chegar aos outros e que entretanto se foi entranhando na minha maneira de me expressar. Através de episódios da minha vida profissional, um livreiro anónimo, quero aproximar-me de outras pessoas e fazer com que elas se identifiquem comigo e com a minha maneira de ver o mundo. Se procurarmos bem, há humanidade nas redes sociais e no digital. Não é só ódio», garante, explicando que quis fugir «do conceito de página típica sobre livros que existe muito no Instagram» e, portanto, anda sempre com um bloco de notas. «Encontrem o vosso nicho e falem disso à vossa maneira, com um cunho pessoal. Não se deixem levar pelas tendências, façam as coisas à vossa maneira», finaliza.

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