Teatro independente mantém-se vivo e tem "expressão"

3 meses atrás 93

Para Teresa Gafeira, este é mesmo um "imperativo moral" que contraria tendências de produções mais caras para poucas representações, que não permitem a rendibilização dos projetos. Uma questão que passa pelos programadores, mas que também entende ser política: "Há uma rede de salas" a nível nacional, com competências e capacidade, "mas se quem lá está não programa" ou o faz por curtos intervalos de tempo, então não se criam públicos nem se consolida o que é feito.

Em entrevista à agência Lusa, a atriz e encenadora da Companhia de Teatro de Almada (CTA), a única sobrevivente do núcleo original do Grupo de Teatro de Campolide que deu origem àquela estrutura, considera que quem diz que "o teatro vive dos subsídios" deve ir "brincar com quem quiser, porque toda a cultura precisa de ter subvenções", argumentou. E a cultura é necessária, é identidade, é conhecimento, é expressão do quotidiano, capacidade de lidar com o que se vive, é pensamento.

Como é "que se consegue ter uma grande orquestra sem o Estado apoiar? Não sei como é que se consegue. Não se consegue, de certeza absoluta", sublinhou, acrescentando que também é impossível ter uma grande companhia de bailado sem subvenção estatal.

Por isso, a questão dos subsídios e de não haver teatro independente pelo facto de ser subsidiado "é uma falsa questão".

"Se não tiver dinheiro, posso fazer teatro. E, se calhar, posso fazer bom teatro. Porque nós éramos amadores e também fazíamos bom teatro", mas atualmente os meios técnicos que se usam em teatro no mundo inteiro "custam muito dinheiro".

A atriz e encenadora sublinha mesmo que "pode fazer teatro com uma cadeira e dois projetores" e que até pode fazer um teatro eficaz. "Mas vou privar as pessoas de verem outro teatro que exige dinheiro para o fazer? Porque é muito caro, fazer teatro é muito caro. Vamos privá-las disso porque não deve ser subvencionado?", questionou. E sublinhou: "Isto é um disparate infinito".

"É como dizer que nos hospitais não se deve ter máquinas topo de gama para se fazer diagnósticos como deve ser", comparou, acrescentando com ironia: "Continuem a fazer os RX antigos, não façam ressonâncias magnéticas nem PET porque isso é muito caro".

Por isso, o teatro "tem de ser subvencionado", pois de outra forma "não se consegue rentabilizar uma peça".

"É muito difícil rentabilizar uma peça de modo a cobrir os gastos", considerando que o problema reside todo no subfinanciamento da cultura.

Na opinião da atriz e encenadora, e embora seja "chato dizê-lo", há, porém, uma questão importante. "O teatro deve ter dinheiro, mas quem o distribui e quem o recebe deve ter a noção também de que são dinheiros públicos e que se são dinheiros públicos têm de ser rentabilizados", defendeu.

Os dinheiros públicos não podem ser utilizados para "se andar a brincar ao teatro" ou para alguém que pertença ao Estado e "goste imenso" de determinado projeto decida subsidiá-lo.

"Isto não é uma questão de gosto (...), são dinheiros públicos. E, portanto, se eu tenho dinheiros públicos o que eu faço tem de ter expressão e tem de justificar esse uso dos dinheiros públicos".

Para Teresa Gafeira, este é mesmo um "imperativo moral" a ter em conta e, "muitas vezes, não se tem em conta isso". Daí que a artista não consiga perceber por que motivo se fazem espectáculos que custam muito dinheiro e depois de façam apenas "seis representações". Uma questão que passa muito pelos programadores, referiu, mas que é, sobretudo, política, frisou.

Portugal está "coberto por uma rede de salas que têm competências, têm capacidade para fazer as coisas", mas se quem lá está não programa espectáculos ou fá-lo por pouco tempo, então "não se consolida público [...]. E estamos a trabalhar para quê?"

Por isso, Teresa Gafeira considera que, embora existam "imensas" produções "por todo o país, se calhar, está-se a cair outra vez um bocadinho naquela coisa de ser em Lisboa que há tudo". Provavelmente, "não é muito bem visto dizer isto, mas às vezes parece que se abrem [salas] como se abrem restaurantes", considerou.

Depois, entre a redução de representações e a falta de circulação, há ainda o risco de se formar "um circuito de consumidores, que é um circuito curto", o que faz pensar que "quase" estão a fazer teatro "uns para os outros". E muito se perde, "porque há muita gente a fazer muita coisa e muito bem feita, e muito diferente uns dos outros, o que é muito saudável".

Quanto ao teatro independente, a atriz e encenadora sustenta que o facto de haver companhias subsidiadas não significa que não sejam independentes. "Antes pelo contrário", realçou. Se uma companhia acha que tem o direito (...) de chamar a atenção para o seu projeto" e de este precisar "de ser devidamente subsidiado é porque provavelmente, tem coisas na cabeça" a dizer e a fazer.

Antes do 25 de Abril, as companhias de teatro independente, que eram, sobretudo, "teatro de resistência", tinham dois objetivos básicos: a procura de novos púbicos, porque havia muito pouco público de teatro, e pôr em palco peças de autor, o que era uma "atitude política", rompendo com a oferta que existia na época, de "formas ultrapassadas".

A Companhia de Teatro de Almada teve origem no Grupo de Teatro de Campolide (GTC), que foi fundado em 1971, por Joaquim Benite e por um grupo de jovens entusiastas de teatro.

No final de 1976, o GTC profissionaliza-se e, no ano seguinte, instalou-se no Teatro da Trindade, em Lisboa. Em 1978, mudou-se para Almada, apresentando espectáculos na Academia Almadense, coletividade local onde o ator José Viana (1922-2003) fundara uma companhia de revista que durou menos de dois anos.

"A noite", de José Saramago, apresentada em 1979 na Academia Almadense, foi a primeira peça apresentada em Almada pelo GTC que anos mais tarde veio a adotar o nome Companhia de Teatro de Almada.

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