Ter alunos zen é uma arte e o dom destas escolas foi apostar na saúde mental

2 meses atrás 59

Educação

19 jul, 2024 - 20:20 • Ana Kotowicz

Entre o agrupamento de Maximinos e o de Arouca há mais de 100 quilómetros de distância. A encurtar o caminho está uma opção seguida pelos dois agrupamentos: apostar na saúde mental dos alunos que, desde a pandemia, têm revelado mais problemas de ansiedade, sem esquecer de olhar para professores e pessoal não docente.

Veja também:

Quando começa o próximo ano letivo? Provas de aferição passam a Provas de Monitorização da Aprendizagem. O que muda? Ranking das Escolas 2023. Em que lugar ficou a minha escola?

Antes da preparação para o exame nacional, os alunos da professora Ana Alves passaram uns minutos na praia. Sentiu-os nervosos e percebeu que precisavam de relaxar. A areia quente foi o suficiente para descontrair e para que a revisão da matéria dada surtisse efeito. Mas a praia mais próxima, de água de mar, fica a meia hora de distância do Agrupamento de Escolas de Maximinos, em Braga. Como é que os alunos foram e vieram da praia de Esposende no espaço de um intervalo?

O passe de magia é da enfermeira Paula Reigada — um apoio forte da professora de Física e Química, coordenadora do projeto Educação para a Saúde em Maximinos —, e que tem vindo a trabalhar várias formas de relaxamento com os alunos, sempre a pensar em melhorar-lhes a saúde mental. Em fase de exames nacionais — que esta semana arrancaram com a segunda fase — todos na escola estão mais nervosos e as sessões com a enfermeira ajudam a lidar com a ansiedade. Além do relaxamento, há sessões para gerir as emoções ou, por exemplo, para aprender a controlar a respiração. No agrupamento, entre o pré-escolar e o 12.º ano, há cerca de 1.600 alunos, e praticamente todos tiveram contacto com este projeto, de forma mais ou menos aprofundada.

A professora recorda um dos dias de preparação para a prova de Física e Química. “Eu fico bastante ansiosa, tento não passar, mas fico, por ver a ansiedade deles. O exame da minha disciplina foi no dia 21 de junho e dois dias antes eu estava a ficar ansiosa de ver a ansiedade deles, o stress. E disse: ‘Vamos parar aqui, vamos conversar’. Toda a gente antes de ir para a minha aula vai ter com a enfermeira Paula fazer uma sessão de relaxamento.”

E foram. Nesse dia, a enfermeira Paula usou uma técnica ao estilo de meditação guiada, em que os alunos acabaram a imaginar-se numa praia. Quando voltaram, mais tranquilos, a aula de revisão correu muito melhor.

Ansiedade, stress, depressão. Época de exames é uma fábrica de futuros adultos ansiosos

Há várias sessões do género ao longo do ano e a professora conta que, por vezes, os alunos estão tão relaxados que adormecem. E são eles os mais entusiastas do trabalho com a enfermeira. “Alguns deles diziam-me: ‘Professora, devíamos fazer sempre isto, nem que fosse antes dos testes. Devemos fazer estas coisas durante o ano mais vezes.’ Portanto, eles sentem e nós também sentimos. O estado de espírito deles fica mesmo diferente. Nas aulas de preparação para os exames, após estas sessões, eles chegavam à minha aula com um semblante e uma predisposição para fazer as coisas totalmente diferentes.”

Para Ana Alves, o efeito sobre os alunos é quase imediato.

A enfermeira Paula não pertence à escola, mas a especialista em saúde mental e psiquiátrica está alocada ao agrupamento, que tem sete escolas — cinco do primeiro ciclo com pré-escolar, uma EB23 e uma secundária.

O projeto de Educação para a Saúde engloba todos os estabelecimentos de ensino, com maior incidência nos mais velhos, embora o desejo da professora seja começar a trabalhar com o pré-escolar de forma mais sistemática. “Temos a sorte de ter esta enfermeira que está credenciada para muitas ações no âmbito da saúde mental. A saúde física nós já trabalhamos há muitos anos, mas ultimamente é uma preocupação muito, muito grande a saúde mental. Porquê? Porque vemos cada vez mais problemáticas diferentes. Temos várias etnias, com tudo o que isso traz de bom e de problemático. E, por isso, começámos a pensar em intervir na saúde mental, quer dos alunos, quer do pessoal docente e não docente.”

O ponto de partida foi sentir, principalmente depois da pandemia, que os alunos estavam diferentes. “Começámos a verificar, por exemplo, em contexto de sala de aula, que quando se pedia para fazer uma questão de aula — uma questão simples, de avaliação naquele momento — tínhamos alunos a chorar para um lado, outros nervosos porque não estavam preparados, um stress tremendo”, conta a professora. Além disso, no gabinete da psicóloga da escola também apareciam cada vez mais alunos a sofrer de ansiedade.

O mal estar, no fundo, estava instalado em toda a comunidade educativa, entre pessoal docente e não docente, e dar prioridade à saúde mental de todos acabou por ser uma decisão fácil. Traçar o futuro também.

No próximo ano letivo, o agrupamento quer apostar seriamente nos mais pequenos. “O objetivo é capacitá-los para depois já não ser preciso uma intervenção tão a ferro e fogo, quando as coisas já atingiram uma proporção mais elevada.” Além disso, Ana Alves quer trabalhar de forma mais sistemática com os estudantes para ter a certeza de que todos ficam com ferramentas que os ajudam a lidar com a ansiedade e outras questões relacionadas com saúde mental, mesmo quando seguirem caminho para o ensino superior.

Em Arouca, as emoções são um mundo para explorar

O desafio é unir três pontos separados em três grupos paralelos com quatro linhas retas. Problema: não se pode passar pelo mesmo ponto. Podia ser apenas um jogo que os adolescentes fazem no intervalo entre as aulas, mas é muito mais do que isso. Quando o exercício é bem conduzido, numa sessão de regulação emocional, serve para os alunos perceberem que podem ver além dos três pontos (e de muitas outras coisas na vida).

Este é apenas um dos muitos exercícios que o psicólogo Pedro Ferreira, doutorado em Ciências da Educação, faz com os alunos nas escolas de Arouca. O programa “Equilibra-te” é um projeto da câmara — e é para a autarquia que o psicólogo trabalha — focado na promoção da saúde mental. Arrancou em março de 2023 e, neste último ano letivo, envolveu mais de 300 alunos de 14 turmas. Os grupos que vão trabalhar com Pedro Ferreira são sinalizados pelo gabinete de psicologia das escolas e pelos professores.

“Os professores que estão muitas horas com os alunos, têm contacto privilegiado com as turmas, e detetam com alguma facilidade aqueles alunos que ficam mais nervosos, mais preocupados com os momentos das avaliações”, explica o psicólogo. “Se já é algo que deixa o aluno preocupado, ao ponto de bloquear durante durante os momentos de avaliação, de ter crises, ataques de pânico, ele é imediatamente sinalizado para os serviços de psicologia da escola que faz esta ponte com o município através de mim.”

E os casos que lhe chegam não são apenas de sintomatologia ansiosa. “Às vezes, há quadros depressivos, situações de luto, de comportamentos autolesivos", explica.

Oito dicas para ajudar o seu filho a ter sucesso na escola

Olhando para a sua comunidade, este ano, o Agrupamento de Escolas de Arouca identificou a questão da regulação emocional como uma área de trabalho prioritária. E para regular emoções há mais a fazer, além de unir pontos — há todo o tipo de técnicas, disfarçadas de jogos, que põe os alunos a discutir emoções, mesmo aquelas que têm má fama, como a raiva ou o medo.

O trabalho junto dos alunos “tem a ver com a exploração das emoções, de saber o que são as emoções, conhecê-las, e conhecer-se”, explica. “É um trabalho também de autoconhecimento. Ao nível da turma resulta no passar de estratégias para poder regular algumas emoções e perceber, em primeiro lugar, que todas elas existem, que todas elas são válidas e que temos momentos em que todas, todas estão a funcionar", detalha Pedro Ferreira. No fundo, a ideia é ensinar aos alunos estratégias para que eles possam perceber que é normal, por exemplo, sentirem-se ansiosos, preocupados, ou terem medo.

“Tudo tem a ver com as funções complexas do cérebro e tentamos explicar isso aos mais velhos." É normal que sintam algumas emoções e que sintam até alguns efeitos físicos, sublinha, como ter dores de barriga, vontade de ir à casa de banho, ficar a tremer, ou sentir a respiração alterada — questões que são visíveis fisicamente, mas que têm uma origem no cérebro. “Perceber isto valida muito daquilo que os alunos sentem”, acrescenta Pedro Ferreira.

Uma ideia que o psicólogo também tenta passar é que não é na altura em que se tem uma crise de ansiedade que se aprende a lidar com ela. Há um trabalho que tem de ser feito antes, para os alunos serem capazes de resolver o problema quando ele surge. E isso é válido também para a altura dos exames e dos testes, que por si só é geradora de stress. “Nada como preparar antecipadamente o estudo, organizar-se, ter um bom calendário, ter os seus materiais, tudo arrumado, organizado”, diz, como exemplo das dicas que dá aos alunos.

Além disso, acrescenta, há técnicas muito simples, mas muito eficazes, ligadas à questão da respiração: “Quando começamos a ficar aflitos, começamos a respirar mais rapidamente. O coração acelera, portanto, o nosso sistema nervoso está a fazer o trabalho dele, está a preparar-nos física e mentalmente para algo que é desafiante e, felizmente, temos a possibilidade de controlar voluntariamente a respiração, se quisermos.”

Com o trabalho sistemático, cada aluno vai percebendo que tipo de respiração o acalma, quanto tempo precisa para ficar relaxado. “E em situação de stress, temos maior probabilidade de voltar a usar essas técnicas de forma eficaz”, defende o psicólogo.

No final do ano, quando vê os alunos a serem autónomos nas sessões, a reconhecerem o que resulta e não resulta em cada caso, Pedro Ferreira percebe que o trabalho está a ter sucesso.

"Nós esperamos que, como está a ser feito em várias frentes, em várias vertentes, este trabalho realmente chegue ao grande objetivo geral que pelo qual foi implementado", diz o psicólogo. "Este projeto tem a ver com a criação de uma comunidade mentalmente mais forte, mais saudável. A ideia é que tenhamos toda a gente, todas as pessoas mais preparadas e, em momento de necessidade, consigam psicologicamente ter a resposta indicada", conclui Pedro Ferreira.

Destaques V+

Ler artigo completo