Tiago Pereira pergunta sobre liberdades no filme "Onde está o Zeca?"

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O filme "Onde está o Zeca?", ainda em produção, resulta de um convite feito a Tiago Pereira pelo Festival Política, em ano de celebração dos 50 anos de democracia e da revolução de 25 de Abril de 1974.

Em entrevista à agência Lusa, Tiago Pereira explicou que lhe foi dada `carta branca` para o filme, para o qual tem estado, desde meados de janeiro, a gravar e a filmar algumas dezenas de artistas, profissionais e amadores, como Gil Dionísio, Cantares de Alcáçovas, B. Fachada, A Garota Não, Luca Argel, Capicua, Fado Bicha, Pierre Aderne, Joana Negrão, Coro dos Anjos, Pedro Silva Martins e Francisco Fanhais.

O filme contará ainda com imagens recolhidas em manifestações públicas: uma no Porto, por causa da desocupação do centro comercial STOP, centro criativo para músicos portugueses, outra em Covas do Barroso (Boticas), de protesto contra a exploração de lítio, e outra em Lisboa, sobre a crise na habitação.

"O filme é claramente sobre opções políticas na criação musical... O filme tem a ver com todas as opções individuais que cada um de nós toma, para bem ou para mal da sociedade, todos os dias. Não é sobre o Zeca [José Afonso] e muito menos sobre canção de intervenção, até porque canção de intervenção é tudo", esclareceu Tiago Pereira.

Para este projeto, Tiago Pereira regista conversas e atuações, faz sobretudo perguntas e desencadeia reflexões, porque "há toda uma outra história que faz falta contar e que está lá, paralela, à História do 25 de Abril".

"O caminho deste filme é contar todas as narrativas que podem ser contadas e que não são a história institucional que nos contam do 25 de Abril, feita com as grandes figuras desde o Otelo [Saraiva de Carvalho] ao Salazar. São todas as outras narrativas possíveis paralelas a ela, que existem através da música. É a história das pessoas que fazem música, mais organizada e do mercado ou espontânea, e que pergunta qual o papel das mulheres, dos negros, dos brasileiros; de que é que falamos, para quem", reforçou.

Tiago Pereira tem 51 anos, formação em Cinema, e dedica-se, há vários anos, ao projeto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria (MPAGDP), sempre a gravar, a filmar, a recolher e a divulgar testemunhos orais e musicais que espelham a diversidade da música, em particular de expressão tradicional e popular.

Em 2023, inaugurou um centro interpretativo -- CURA --, em Serpins, uma localidade no concelho da Lousã para onde foi viver há um par de anos.

É autor de várias obras, nomeadamente a série "O povo que ainda canta", "A música invisível", sobre a música que é feita pela comunidade cigana em Portugal, e ainda "Não me importava morrer se houvesse guitarras no céu" ou "Sinfonia Imaterial".

Sobre o título "Onde está o Zeca?", Tiago Pereira conta que advém de uma pergunta feita pelo músico Gil Dionísio, numa conversa prévia ao filme.

"Ele faz uma reflexão sobre estarmos sempre à espera de alguém nos vir salvar e esta ideia messiânica do mundo, em Portugal. E pergunta onde está o Zeca. E a partir daí eu agarro naquele nome e começo a fazer perguntas freneticamente", lembrou.

Sobre todo o processo de diálogo com os artistas escolhidos, o realizador apercebeu-se "da necessidade que as pessoas têm de falar".

"É importante que alguém diga `estou disposto a ouvir-te e a divulgar o que tu pensas`. Isso mexeu muito comigo, porque percebi que as pessoas precisam que as oiçam. Eu já sabia isso, porque gravo todos os dias, mas não tinha dimensão noutras camadas, e em músicos mais profissionais", contou.

Apesar de dizer que José Afonso (1929-1987) não é o foco do filme, Tiago Pereira lembra que o cantautor "só existe como alguém que tem uma marca muito grande na música portuguesa e que de certa forma não foi suplantada. "Não sei quantos anos depois da sua morte, o Zeca continua a ser a grande referência para toda a gente de uma forma abrangente, porque tem muitas camadas", opinou.

"Onde está o Zeca?" terá estreia a 04 de abril no Festival Política, em Lisboa.

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