“Trump v. United States, 6-3 no jogo em casa”.

2 meses atrás 37

Na semana marcada pela digestão do primeiro debate presidencial o Supreme Court decidiu, a 1 de Julho, expandir a imunidade penal dos Presidentes pelos actos praticados em exercício de funções oficiais.

Nem todos os temas verdadeiramente importantes podem ser submetidos à tortura do “agora em 30 segundos” e ao maniqueismo daditadura da simplificação mediática. Os Presidentes da República, sobretudo num segundo mandato não repetível (como acontece nos EUA e em Portugal) têm alguma queda para a irresponsabilidade. Desde logo porque politicamente não podem ser responsabilizados perante o colégio eleitoral. A maioria das Constituições procura proteger a liberdade política dos titulares de órgãos políticos como faz a CRP: “Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.” (nº 1 do artº 157º). Também é comum a separação, em sede de responsabilidade criminal, entre os factos típicos praticados no exercício de funções e os que lhe são estranhos. Pela prática dos primeiros a CRP faz o Presidente responder perante o Supremo Tribunal de Justiça e, quanto as segundos, a resposta aguardará pelo fim do mandato e será dada nos tribunais comuns.

            Há neste regime uma tentativa de evitar que a liberdade de decisão dos representantes do povo possa ser condicionada pelo medo de uma acção judicial, invocando a responsabilidade civil ou criminal. Mas a imunidade é funcional, não vale para os actos estranhos às funções dos titulares. No caso do Presidente da República a responsabilidade criminal assenta, tendencialmente, no preenchimento dos tipos dos crimes contra o Estado ou na prática de outros tipos de crime mas com uma motivação directamente ligada ao exercício das funções de Presidente.

            A matriz republicana da responsabilidade criminal é a negação do brocardo “The King can do no wrong.” No caso da Constituição dos EUA a expressa intenção dos Framers em evitar a tirania monárquica alimenta, muito para além do elemento literal, a interpretação feita pelo Supreme Court. Em 1974 um Supremo unânime negou a Nixon a imunidade plena contra a acção judicial em qualquer circunstância (United States v. Nixon, 418 US 683). Em 1982 o mesmo Supremo declarou a imunidade do Presidente em relação a acções de responsabilidade civil (Nixon v. Fitzgerald, 457 US 731). Agora o mesmo Tribunal decidiu, em nome de uma leitura formal da separação de poderes, que o Presidente, quando pratica actos oficiais, goza de uma presunção de imunidade pela prática de crimes e essa imunidade perdura para lá do termo do mandato. A imunidade significa que o Congresso ao legislar, estabelecendo um tipo penal, não pode nele incluir o Presidente quando este pratique actos oficiais para evitar que se torne “unduly cautious in the discharge of its official duties” (citando o § 32 do caso Fitzgerald). Não tendo o Supremo fornecido uma categorização do que sejam actos oficiais, remeteu para o Tribunal recorrido a decisão sobre se os actos praticados por Trump a seguir às eleições de Novembro de 2019 integraram (ou não) a categoria dos actos oficiais.

            As decisões não chegarão a tempo das eleições do dia 5 de Novembro. Mesmo que os tribunais de segunda instância venham a considerar que Trump praticou crimes fora do âmbito dos actos oficiais, um Trump re-eleito considerar-se-á ungido por uma imunidade plena e irrestrita. A imunidade funcional não se confunde com a impunidade. E a luta contra a impunidade foi um dos motores da Constituição de 1789. Gripou.

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