Ucrânia: não existem soluções perfeitas

4 meses atrás 109

O almirante Gouveia e Melo concedeu esta semana uma entrevista ao “Diário de Notícias” onde garantia que, “se a Europa for atacada e a NATO isso nos exigir, vamos morrer onde tivermos de morrer para a defender”.

Muito poderia ser dito sobre esta declaração, nomeadamente o facto de, aparentemente, o almirante estar a falar de algo que está acima das suas competências. Não é o chefe do Estado Maior da Armada que decide a entrada de Portugal numa guerra, mesmo que a NATO tal nos peça. Por alguma razão que desconhecemos, a frase que serviu de título à entrevista  deixou de fora uma parte essencial da equação: é o poder político, a quem o almirante reporta, que decide a guerra e a paz.

No entanto, o almirante tem razão no essencial, que é o facto de vivermos tempos muito perigosos na Europa. Portugal faz parte da NATO e, em caso de confronto direto com a Rússia, dificilmente conseguirá evitar não ser arrastado para a guerra, por muito impopular que esta fosse. Com a agravante de que não estamos tão bem preparados para essa eventualidade como outros países que são geograficamente mais próximos da Rússia, tornando-se necessário um “milagre de Tancos” ao estilo do século XXI.

Porém, a distância é enganadora, pois a forma como o conflito na Ucrânia irá evoluir terá consequências para Portugal. Em termos gerais, neste momento podemos colocar três cenários base para o desfecho da atual situação, sendo difícil prever qual será o mais provável.

O primeiro será o de uma vitória russa, com a conquista de Kharkiv e, depois, de Kiev. Seria o fim da Ucrânia como a conhecemos e o que aconteceria a seguir iria depender de vários fatores, nomeadamente da vontade dos EUA (possivelmente com Trump na Casa Branca) e dos países europeus em entrar, ou não, em confronto direto com a Rússia. O mais provável seria um entendimento com Putin, quiçá pouco duradouro, com os países bálticos a tornarem-se os próximos alvos do Kremlin.  Este cenário agravar-se-ia significativamente se a eventual reeleição de Trump levasse à dissolução, em termos práticos, da NATO.

O segundo cenário será a derrota da Rússia, por esgotamento, após uma prolongada resistência ucraniana. Este cenário será o que mais agrada à opinião pública ocidental, mas também não seria isento de perigos, uma vez que poderia levar a um colapso caótico do regime russo. Com a agravante de que os principais rivais de Putin não são a meia dúzia de democratas ao estilo ocidental que ainda existem na Rússia, mas sim os ultranacionalistas que o superam em revanchismo e militarismo, como demonstra a recente tentativa de golpe de Prigozhin.

O terceiro cenário será o de uma paz negociada, com a Ucrânia a ceder território e a Rússia a comprometer-se a respeitar a independência daquilo que restar, bem como a sua adesão à União Europeia. Não seria a melhor solução, porque poderia representar apenas uma forma de a Rússia ganhar tempo e mais tarde voltar ao ataque. Em qualquer caso, a resistência ucraniana é fundamental para que o país consiga obter os melhores termos em eventuais negociações.

E Portugal? Qualquer que seja o desfecho do conflito, é evidente que o “dividendo de paz” de que usufruímos nas últimas décadas deixou de existir e que teremos de aumentar o investimento na defesa. O que vai obrigar a escolhas muito difíceis. Estará a nossa classe política preparada para o que aí vem, ou o almirante Gouveia e Melo já se está a posicionar para vir a preencher esse vazio?

Ler artigo completo