“Um direito aos Jogos Olímpicos”?

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À medida que se aproxima o início dos Jogos Olímpicos de Verão, Paris 2024, um dos temas noticiosos prende-se com a cedência, ou não, pelos clubes e sociedades desportivas, de seus jogadores para participarem naquele evento único. O caso mais mediático foi o de Mbappé, ‘preso’ entre a sua participação no Euro, a sua transferência para o Real Madrid, e apelos – até de Macron – para estar nos Jogos, realizados na capital do seu País.

Em Portugal, foi notícia que Varela, da FC Porto SAD, e Trubin, do Benfica SAD, teriam, em vão, pedido às respetivas entidades empregadoras, para os deixarem alinhar em Paris. Também se leu que Di Maria, da Benfica SAD, terá preferido disputar a Copa América, e que Otamendi, ainda da Benfica SAD, terá, ele próprio, manifestado junto do selecionador nacional da Argentina o firme desejo de estar nos Jogos, tendo sido autorizado pela sua entidade empregadora para o efeito, e já constando no leque dos convocados.

A questão que se coloca, do ponto de vista jurídico, e olhando para o caso das sociedades desportivas sediadas em Portugal, é saber se estas, enquanto entidades empregadoras, estão ou não obrigadas a ceder os jogadores, quando convocados, para representarem internacionalmente o seu País. Ora e a verdade é que não estão. Vejamos.

No plano do nosso ordenamento jurídico, ao mesmo tempo que a ‘Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto’ qualifica como uma “missão de interesse público” a representação do País (seleções nacionais e demais representações internacionais), outra lei, a conhecida por ‘Lei do Contrato de Trabalho Desportivo’, prevê o dever das entidades empregadoras cederem os jogadores, mas “em conformidade com o previsto nos regulamentos federativos”.

Articulando a nossa lei estadual com os “regulamentos federativos” – desde logo a regulamentação da FIFA – constata-se que só é obrigatória a cedência dos jogadores no quadro de jogos incluídos no calendário de jogos internacionais determinado pela FIFA. Ora, a FIFA não inclui o torneio Olímpico masculino de futebol deste ano nesse seu calendário oficial, pelo que não há, então, uma obrigatoriedade de cedência dos craques para o Olimpo.

Pode parecer estranho, uma vez que os Jogos Olímpicos são o maior evento desportivo à escala global, sonho de qualquer atleta (que não dê preferência ao aspeto financeiro), mas é o que é: aliás, não é a primeira vez que FIFA e COI divergem a este nível – lembre-se o exemplo, por ocasião dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, em que chegou mesmo a haver um contencioso no CAS/TAS (Tribunal Arbitral do Desporto, de Lausanne), tendo-se decidido que não havia obrigação de Rafinha, Diego e Leonel Messi irem aos Jogos, afastando- se qualquer direito consuetudinário em contrário, mesmo reconhecendo  “a especial natureza e caráter único do evento”.

Mas, curiosamente, a FIFA pode até escudar-se, formalmente, na Carta Olímpica, emanada pelo COI, de onde resulta claro, em várias regras, e com reforço na última revisão do texto operada em outubro de 2023, que não há um direito humano absoluto à prática desportiva de competição, ficando esta sempre dependente das regras de elegibilidade a fixar pelas federações desportivas internacionais (na condição de não serem arbitrárias e discriminatórias).

Cabe, pois, às federações desportivas internacionais, enquanto um dos três principais constituintes do Movimento Olímpico, definir aspetos como as regras técnicas e as regras de elegibilidade para os Jogos Olímpicos – é nesse amparo, também, que, por exemplo, a FIFA define a regra (que admite exceções) de apenas poderem participar nos Jogos Olímpicos os atletas com menos de 23 anos.

Conclui-se, pois, que não há um “direito aos Jogos Olímpicos”. Há, quando muito, e buscando uma expressão já utilizada em alguns regulamentos, e mesmo por Tribunais, uma “oportunidade”, que, às vezes, em nome dos superiores interesses (contratuais, desportivos e comerciais) dos clubes e sociedades desportivas, se mostra uma oportunidade perdida. Não sendo esse o caso de Otamendi, desejamos-lhe uns Jogos Olímpicos com sucesso: que disfrute da competição e viva, na Aldeia Olímpica e nos estádios, o que é único: o ideal Olímpico do Barão Pierre de Coubertin.

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