Um país de casas vazias

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Atravessamos a maior crise habitacional de que há memória no nosso país, no entanto, temos 723 mil casas vazias. Porque será?

Nos últimos cinquenta anos em Portugal, o número de habitações mais que duplicou, passando de 2,7 milhões para quase 6 milhões, entre 1970 e 2021. Tendo em conta que existem 4,1 milhões de agregados familiares, concluiu-se facilmente que, atualmente em Portugal, existem mais casas do que famílias.

Isto indicia que o atual problema da habitação, em Portugal, não é tanto de falta de habitações, mas a falta de habitações onde elas são necessárias, em boas condições e a preços acessíveis.

Por sua vez, convém ter presente que dos 6 milhões de casas existentes, 4,1 milhões são de residência habitual, 1,2 milhões são de segunda habitação e 723 mil habitações estão simplesmente vagas.

Deste enorme contingente de habitações desocupadas, os Censos de 2021 permitem-nos constatar que cerca de metade (348 mil) estão vagas no mercado de venda ou arredamento e a outra metade (375 mil) encontram-se vagas por outros motivos.

Aprofundando um pouco mais esta análise, ainda é possível constatar que 2/3 dos fogos vagos por outros motivos (248 mil) estão em relativo bom estado de conservação e, portanto, em condições de poderem ser utilizados imediatamente.

Esta análise meramente factual leva-nos a constatar que existe um enorme contingente de fogos que, atualmente, não está a ser utilizado para a função habitacional. Ora, se tivermos em conta que não é manifestamente possível disponibilizar uma casa para todos só com os dinheiros públicos, a mobilização de muito deste edificado, existente e desocupado de propriedade privada, poderia contribuir decisivamente para resolver uma grande parte das carências habitacionais existentes.

É aqui que a questão fundamental se coloca: porque é que os proprietários destas casas não rentabilizam o seu património, por exemplo, com o seu arrendamento?

Várias hipóteses de resposta poderão ser admitidas. Por razões sentimentais, heranças, especulação imobiliária, laxismo ou ainda, e creio que principalmente, porque não há confiança no mercado de arrendamento.

E se não há confiança no mercado de arrendamento, é preciso conquistar essa confiança, embora saibamos todos que essa é uma tarefa complexa que poderá demorar algum tempo.

No entretanto, o papel dos municípios pode ser muito relevante para se alcançar este objetivo, nomeadamente por via da criação de Programas Municipais de Arrendamento Acessível, que, ao abrigo da legislação nacional já existente, possam contribuir para promover uma oferta alargada de habitação para arrendamento a preços reduzidos, compatíveis com os rendimentos dos agregados familiares, de acordo com a taxa de esforço e tipologia de modo a colmatar as necessidades habitacionais das famílias.

A lógica deste programa é o da criação de uma contrapartida com vantagens para ambas as partes. Os senhorios que aceitem colocar os seus imóveis no programa com rendas reduzidas (no mínimo, 20% abaixo da mediana do respetivo concelho) têm garantida a isenção de IRS ou IRC sobre as rendas e ainda isenção de IMI durante o período de arrendamento. Já os arrendatários têm acesso a uma habitação a custos mais acessíveis, compatíveis com o seu rendimento.

Aliás, diga-se em abono da verdade, este tipo de programas já existe em alguns municípios do país, embora ainda com pouca adesão.

Contudo, seria importante alargar o leque de incentivos fiscais para motivar a disponibilização das habitações e contrariar a sua desocupação e consequente obsolescência.

Complementarmente, seria recomendável também a criação de uma linha de financiamento, com crédito bonificado, para os (pequenos) proprietários de fogos vagos ou devolutos, e sem condições de habitabilidade, poderem realizar as obras necessárias para a sua imediata disponibilização para arrendamento a preços mais baixos do que os praticados pelo mercado para posterior subarrendamento pelos municípios.

Em suma, somos uma país de casas vazias. Mas a verdade é que neste enorme contingente de habitações vagas poderá estar uma solução para a crise habitacional que atravessamos.

Haja engenho e arte por parte dos poderes públicos.

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